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CULTURA

Foto do escritorJorge Campos

Porto 2001 - Odisseia nas Imagens, balanço 6: Programação do(s) documentário(s) IV 





Odisseia nas Imagens IV – Como Salvar o Capitalismo/ Outras paisagens - Resistência

 


Ao quarto módulo da Odisseia nas Imagens foi dado um título deliberadamente provatório: Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens. Resultando naturalmente do anterior, denominado Apocalípticos e Integrados, cabia a este último módulo testar as opções feitas ao longo de um percurso de dois anos no sentido de dar corpo a um festival de novo tipo apostado na interpelação do real contemporâneo, fortemente internacionalizado, associado a uma produção regular com envolvimento de massa crítica quer do mundo do Cinema quer das Escolas. O novo festival chamar-se-ia Odisseia nas Imagens e, independentemente de um momento temporal culminante, deveria manter uma actividade regular ao longo do ano, em articulação com os seus parceiros, capaz de produzir pensamento, textos, bem como de explorar as linguagens dos novos media.

 

Tratando-se, nesta fase, de fazer uma tentativa de balanço da programação dos documentários, ao fim e ao cabo, a charneira do conjunto da Odisseia nas Imagens - pelas razões que foram sendo expostas ao longo destes apontamentos - o que se segue relata sucintamente, com base no Relatório final do programador responsável, aquelas que foram as grandes linhas, por vezes contraditórias, de cuja implementação resultou uma experiência a vários títulos pioneira. Destacam-se aqui dois momentos. Um respeitante a O Olhar de Ulisses, outro aos filmes da esfera de outros ciclos.

 

Documentários  

O Olhar de Ulisses - Resistência

 

Comecemos pelo último episódio de O Olhar de Ulisses - Resistência - aquele em que de uma forma mais incisiva se problematizou o próprio cinema, e só eventualmente o documentário, assumindo uma posição de trincheira em função de postulados coerentes com a linha programática assumida. Construído como corolário do episódio anterior - A Utopia do Real -  afirma-se no texto de introdução:

 

“O motor daquilo que nos moveu ao longo destes dois anos pode ser perfeitamente ilustrado por esta citação de Ezra Pound que abria o primeiro número da revista Trafic, fundada por Serge Daney, e que agora retomamos: Aquilo que amas permanece/ O resto é inútil/ Aquilo que amas não te será retirado/ Aquilo que amas é a tua verdadeira herança/ a quem pertence o mundo, a mim, a eles,/ ou não é de ninguém?/ Primeiro foi o visível, depois o palpável,/ Eliseu, aconteça o que acontecer no átrio do inferno,/ Aquilo que amas é a tua verdadeira herança/ Aquilo que amas não te será retirado.”

 

A propósito dos filmes de Resistência diz-se que “os cruzamentos e montagens que propomos, irão permitir, esperamos, continuar a descoberta dessa ‘verdadeira herança’ que ficará para sempre. Johnny Guitar fazendo eco com JLG/JLG, Route One USA com Young Mister Lincoln, Stalker com La Jetée... e de La Jetée às interrogações sobre o estatuto da imagem de Mort à Vignole e Sans Soleil.


A estas palavras os programadores acrescentam ter sido este o módulo “que mais nos custou fazer” devido “à ausência dos filmes de que gostamos e não podemos apresentar”, embora “nomear alguns, que chegaram a fazer parte desta programação e que por razões diversas e misteriosas não vão aparecer nesta versão final (...), talvez possa aliviar esse peso.”

 

São, em seguida, apontados os títulos de filmes e de autores que ficaram de fora, bem como algumas hipóteses de combinações programáticas, reiterando-se o respeito pelo espectador em nome do qual o ciclo foi organizado – cita-se, a propósito, uma conversa de Antoine de Baecque e Jacques Parsi com Manoel de Oliveira: “O espectador é indispensável à obra de arte” – e termina-se, agradecendo a todos os colaboradores, invocando Godard a propósito das pessoas que fazem parte, “não dos que habitam o cinema, mas dos que são habitados por ele.”

 

Resistência decorreu de 26 de Outubro a 2 de Novembro de 2001 – desta vez, num contexto que antecipava já o figurino global pretendido para a Odisseia nas Imagens, convivendo, portanto, com uma grande diversidade de iniciativas de âmbito cinematográfico, audiovisual e multimédia. Exibiu 45 filmes, assim distribuídos segundo a sua origem: França 18 (40%), URSS (incluindo Arménia e Cazaquistão) 6 (13,33%), Estados Unidos 4 (8,88%), Itália 3 (6,66%), Portugal 2 (4,44%), Holanda 2 (4,44%), Japão 2 (4,44%), Suíça 1 (2,22%), Brasil 1 (2,22%), Irão 1 (2,22%), Dinamarca 1 (2,22%), Bélgica 1 (2,22%), Portugal/França 1 (2,22%), Portugal/ Itália 1 (2,22%), Bélgica/França 1 (2,22%).

 



 

No catálogo de 398 páginas há 67 textos, dos quais 36 (53,73%) da responsabilidade de autores francófonos – Serge Daney assina sete – e 28 de autores portugeses (41,79%). No conjunto dos textos há 38 reedições, na sua maioria das folhas da Cinemateca Portuguesa e dos Cahiers do Cinema, mas também de outras publicações, nomeadamente da Cinemateca Francesa, Vertigo, Positif, Trafic, Libération e Expresso. A palavra resistência e o verbo resistir são de utilização recorrente na maioria dos textos originais. Por exemplo, no título do artigo de Pedro Eiras sobre Dodes’ Kaden aparece o verbo resistir, Saguenail fala de resistência ao cinema mainstream a propósito de O Dia da Estreia de Close-Up e António A. Rodrigues, referindo-se a Barres, considera tratar- se de um filme que transforma um gesto banal e quotidiano – a tentativa daqueles que procuram não pagar bilhete no metro de Paris – numa história de resistência. Os exemplos poderiam multiplicar-se, parecendo inserir-se num contexto reactivo ao mundo mediático mostrado em Guy Debord Son Art, Son Temps.

 

No dia 26 de Outubro O Olhar de Ulisses abriu com um conjunto de filmes nos quais as cidades ocupam um lugar preponderante e são vistas através do modo como delas se apropriaram os seus realizadores. O modo, em si mesmo, revela os dilemas e as soluções dos cineastas. Por exemplo, o filme de abertura, Roma (1972) de Federico Fellini, confronta o presente com a memória do passado. Sendo de traço autobiográfico, recorre à encenação ficcionada para evocar a infância e a juventude, mas aparenta ser de carácter documental quando vemos Fellini a filmar a sua cidade – literalmente a sua cidade, tal como ele a vê e não a Roma que alguém mais possa ter na cabeça. Na sessão seguinte, três filmes, duas curtas-metragens e uma longa-metragem: Marseille Vieux Port (1929) de László Moholy-Nagi, uma aventura experimental de 9 minutos, filmada com uma câmara amadora, na linha das sinfonias das cidades, Lettre à Freddy Buache (1981) de Jean-Luc Godard, com 12 minutos, uma declaração sobre a urgência do olhar cinematográfico mais do que uma declaração de intenções para filmar Lausanne como, obliquamente, Godard sugere e Lola (1961) o primeiro filme de Jacques Démy sendo Nantes, obviamente, a sua cidade. Na última sessão, passou, primeiro, A Ilha das Flores (1989) de Jorge Furtado, um documentário curto lançando metaforicamente um olhar irónico, por vezes sarcástico, sobre a sociedade capitalista e, depois, a obra-prima de Akira Kurosawa Dodes’ Kaden (1970).

 


No dia seguinte, a primeira sessão juntou a curta metragem de Nanni Moretti O Dia da Estreia de Close Up (1996), na qual se denuncia o imperialismo cultural comparando os números de espectadores dos blockbusters americanos nos cinemas de Roma com os do filme do cineasta iraniano, e Close Up (1990) de Abbas Kiorastami, mais uma incursão – e das mais originais – no mundo dos mecanismos do cinema, desta vez num registo predominantemente documental. Preocupações semelhantes são detectáveis no primeiro filme da segunda sessão, Quem Espera por Sapatos de Defunto, Morre Descalço (1971) de João César Monteiro, cujo enredo serve de pretexto para reflectir sobre o movimento interior da linguagem fílmica. De algum modo, o mesmo sucede no filme seguinte, À Beira Do Mar Azul (1936) de Boris Barnet, cineasta soviético de soluções narrativas imprevisíveis, de acentuado pendor poético.

 

No dia 28, a primeira sessão da tarde foi preenchida por Jeunes Lumières (1995) de Nathalie Bourgeois e Pickpocket (1959) de Robert Bresson. O primeiro, à semelhança de outros filmes produzidos no âmbito do centenário do cinema, é uma proposta de reflexão sobre o acto fundador do olhar contido nas imagens em movimento. Essa mesma impressão é comum ao filme de Bresson, obra aberta cujo jogo se situa simultaneamente no plano do real e das aparências, coerente, afinal, com o pensamento de um cineasta que afirmava que “o cinematógrafo é a arte de não mostrar nada”. Concentrando igualmente a energia em narrativas tão rigorosas quanto despojadas e intensas são Gertrud (1964) de Carl Dreyer, programado para a segunda sessão, e os dois filmes da última sessão, Où Git Votre Sourire Enfoui (2001) de Pedro Costa, cujos protagonistas Jean-Marie Straub e Danièle Huillet são os autores do último filme do dia Sicília! (1999).




No dia 29, foram programados três filmes para a sessão o início da tarde: Torre Bela (1978) de Thomas Harlan, uma das obras mais representativos da Revolução de Abril. Tratando da ocupação de uma herdade rural o documentário vai além disso posto expor de forma comovente a busca caótica, e ingénua, de uma nova forma de organizar a vida social. Seguiu-se L’ Ambassade (1973) de Chris Marker, invocação do golpe militar de Pinochet mostrando um grupo de pessoas supostamente refugiadas numa embaixada onde ao fim de algum tempo começam a reproduzir as divergências políticas da esquerda durante o governo da Frente Popular de Allende – na verdade, o filme foi rodado num apartamento em Paris. Finalmente, Guy Debord Son Art, Son Temps (1994) de Guy Debord e Brigitte Cornand, filme testamento do autor de A Sociedade do Espectáculo dividido em duas partes: Son Art, uma breve evocação das suas experiências cinematográficas e Son Temps, um violento libelo, aliás, logo anunciado num cartão introdutório, contra a televisão, a qual deixou de proporcionar uma imagem do mundo para se metamorfosear no mundo ele próprio, feito de irrisão, simulacros e vacuidade.

 



Na sessão intermédia foram apresentados dois filmes de Luc Moullet, ambos lidando com aspectos do quotidiano e programados como contraponto aos procedimentos televisivos. Barres (1984), o primeiro, não tem diálogos, serve-se do som diegético e utiliza intertítulos para dar uma versão divertida do conflito entre aqueles que pretendem viajar sem bilhete e os fiscais do metro de Paris. Génèse d’un Repas (1979), o segundo, recupera alguns traços do cinema militante associado ao Maio de 68 através de um dispositivo aparentemente semelhante ao da reportagem televisiva - mas, na verdade, muito diferente - para revelar a rede de relações desiguais contida no itinerário do ovo, do atum e da banana até chegarem à mesa da refeição do próprio cineasta.

 

A sessão da noite reuniu três ensaios cinematográficos: Cézanne-Conversation avec Joachin Gasquet (1989) de Straub/ Huillet tem mais a ver com o universo conceptual e estético da dupla de cineastas – que dá voz aos diálogos recorrendo a excertos de Madame Bovary de Jean Renoir, bem como a um segmento do seu Der Tod des Empedokles – do que com a pintura de Césanne, cujos quadros são mostrados através de longas exposições e evitando a fragmentação de elementos icónicos; Basse (1964) de Jean-Daniel Pollet complementa, de algum modo, Méditerranée e como sempre na obra deste cineasta procura mostrar as coisas como elas nunca foram vistas; o mesmo sucede com Dieu sait Quoi (1993), igualmente de Jean-Daniel Pollet, uma homenagem ao homem que 30 anos antes se maravilhara com Méditerranée, o poeta Francis Ponge. Se este se preocupava com a usura das palavras e a sua perda de sentido, Pollet preocupa-se com a usura das imagens do quotidiano que torna o mundo opaco.

 

O dia seguinte principiou com D’Est (1993) de Chantal Akerman uma obra sobre as transformações nos países de Leste após o desmoronamento do comunismo, na qual Jean-Marie Straub viu a influência do seu método. O filme, em relação ao qual se chegou a afirmar que funcionaria melhor como instalação numa galeria de arte – na verdade a experiência chegou a ser feita – do que numa sala de cinema, tem o mesmo pendor de ensaio dos filmes anteriores. Seguiram-se A Queda da Dinastia Romanov (1024) de Esfir Schub, O Nosso Século (1980) de Artavazd Pelechian, um trabalho de montagem de arquivos, tal como o filme anterior, neste caso sobre o percurso da revolução soviética deixando no ar dúvidas quanto ao futuro e O Dia do Pão (1998) de Serguei Dvortsevoy, cineasta em cujo trabalho convergem a observação e a contemplação, sobre o dia da semana em que os habitantes de uma vila quase despovoada não muito distante de São Petersburgo recebem a visita do padeiro.

 

Na sessão da noite duas obras fundamentais do cinema moderno: La Jetée (1962) de Chris Marker e Stalker (1972) de Andrei Tarkowsky.



Três filmes preencheram o sexto dia de O Olhar de Ulisses: Route One USA (1989) de Robert Kramer, cujas mais de quatro horas de duração obrigaram a dividir o filme por duas sessões, Young Mr. Lincoln (1939) de John Ford e História do Japão Contada por uma Dona de Bar (1970) de Shoei Imamura que passou numa sessão extra, perto da meia noite. Em qualquer dos casos, à semelhança do que sucedera no dia anterior, filmes que reflectem sobre o nosso mundo, fazendo-o, porém de ângulos muito variados. Young Mr. Lincoln serve de contraponto a Route USA, mas em ambos coabitam ou subjazem elementos de uma América mitológica. No filme de Imamura, cineasta de um mundo marginal, contraditório e brutal, há o lado mais sombrio e desconhecido dos mitos do Japão do pós-guerra traduzido num estilo documental próximo do cinéma-vérité, a preto e branco, sem concessões nem contemplações.

 

 

Com a aproximação do final do ciclo, pensando nos princípios de montagem aplicados ao alinhamento dos filmes e nos critérios aos quais obedeceram os múltiplos cruzamentos ao longo dos seus quatro episódios, há como que uma estrutura narrativa circular que se fecha. O penúltimo dia regressou a Johan Van der Keuken – os seus filmes sobre as crianças cegas tinham sido programados no início de O Olhar de Ulisses – desta vez com O Olho por Cima do Poço (1988), rodado na Índia e com um dos seus filmes mais pessoais As Férias do Cineasta (1974). Este liga na perfeição com o primeiro filme da sessão seguinte Mort à Vignole (1999) de Olivier Smolders, uma obra igualmente muito pessoal de alguém que gostaria de ter perpetuado na imagem, não tendo podido fazê-lo, a memória de um filho que nascera sem vida. Motivo para evocar o estatuto da imagem no filme seguinte Sans Soleil (1982) de Chris Marker e lançar, na última sessão do dia, uma espécie de revisão crítica da História do Cinema através, naturalmente, de um segmento de Histoire(s) du Cinema (199) de Jean-Godard, ao qual se seguiu o clássico A Sombra do Caçador (1955) de Charles Laugton, film noir em ruptura com as convenções do género.

 


Em 2 de Outubro, ponto final de O Olhar de Ulisses. A primeira sessão principiou com um acto alegórico, consubstanciado na apresentação do díptico de Artavazd Pelechian Fim (1992) e Vida (1993), não apenas em função do que ambos os filmes são em si mesmos, mas, sobretudo pelo que poderiam representar no contexto de uma programação feita trincheira contra a imagem contaminada pelo audiovisual. Depois do percurso sombrio de clausura de Fim, em Vida o pulsar do coração de uma mãe em trabalho de parto e o nascimento do filho demonstra, afinal, haver esperança para o entendimento do cinema tal como O Olhar de Ulisses o mostrou. Também, por isso, as duas obras seguintes obedeceram a critérios de rigorosa exegese. Primeiro, em complemento dos filmes de Pelechian, Ana (1985) de António Reis e Margarida Cordeiro. Depois, a recuperação do casal Straub-Huillet com En Rachachant (1982) como complemento de Trafic (1971) de Jacques Tati; finalmente (e simbolicamente: fazendo prevalecer uma certa ordem do cinema) As Luzes da Cidade (1952) de Charlie Chaplin.

 


Se no módulo anterior já era praticamente impossível proceder a um enquadramento dos filmes em função de critérios subjacentes à teoria do documentário, neste caso, qualquer tentativa nesse sentido é simplesmente desnecessária. A presença do cinema do real é aqui subsidiária de uma outra ordem mais vasta, a do cinema, vista de uma trincheira de resistência por forma a proclamar um manifesto do gosto. Escreveu o crítico Francisco Ferreira no Expresso:

 

“A redescoberta de filmes programados a partir de uma memória (a de Daney) revelou sempre relações infinitamente mais vastas, por vezes inesperadas, do que as que tínhamos tido no passado.”

 

Ferreira concluía assim:

 

“… nesta retrospectiva, houve a intenção de dar a ver filmes quase ‘invisíveis’ sem instrumentalizá-los a um discurso pré-definido, sem obrigá-los a uma classificação por géneros, como a eterna discussão em volta do problema ficção-documentário que aqui não se coloca. Mais importante é a memória que ficará desta aventura: os debates entre os convidados e a plateia do Rivoli, o valor dos textos de 4 livros publicados. Em suma, um trabalho exemplar que merece da crítica de cinema o maior respeito: a intuição contra a ‘ideia-museu'.”

 

A maioria dos filmes apresentados é, evidentemente, excepcional. Mas, porque inserido no contexto mais vasto do projecto Odisseia nas Imagens, não faltou quem, reconhecendo-lhe a excelência, visse em O Olhar de Ulisses, no contexto geral da Programação, numa outra perspectiva.



Assim, independentemente da controvérsia do documentário ser um “género” – uma ideia problemática visto a variedade de formas e vozes do documentário contemporâneo excluir essa possibilidade – ou do juízo que possa fazer-se sobre os debates do Rivoli – na verdade, houve opiniões, raramente debates – o percurso do ciclo, bem como a sua evolução, evidenciariam, sobretudo na fase final, algo que não andaria longe de uma ‘ideia-museu’.

 

Por outro lado, sendo meritória a ideia de mostrar filmes ‘invisíveis’, bem como a paternidade atribuída a Daney, ficaria no ar a interrogação se, afinal, o ciclo não teria caído numa armadilha tecida por ele próprio ao interpretar, em sentido estrito, por exemplo, ideias defendidas pelos Cahiers du Cinema sobre os autores nos anos 50, cuja actualização teria sido necessária. Suscitada esta dúvida, uma outra se perfilaria: se as opções tomadas não teriam ido ao encontro de um pronto a vestir talhado pelas mitologias dos ciné-fils deixando de fora, pelo seu carácter supostamente impuro, experiências contemporâneas importantes. De resto, a percentagem de 40% de filmes franceses nos dois últimos módulos de O Olhar de Ulisses seria um indício da presença dessas mitologias na sua forma mais radical e, por isso mesmo, mais ingénua.

 

No Relatório de Avaliação Final do Departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 coloca-se ainda uma outra questão, a de saber se a criação de novos públicos, objectivo delineado para a Odisseia nas Imagens, não deveria atender à dessacralização de produções simbólicas cujo estatuto, embora legitimado por mediações especializadas, “possa incorrer no risco de uma espécie de fetichização conducente ao aparecimento de círculos fechados sobre si próprios, portanto sem potencial de democratização.”

 

No entanto, no conjunto dos seus quatro episódios, O Olhar de Ulisses, foi mais equilibrado. Exibiu 194 filmes assim distribuídos segundo a origem: França – 59 (30,41%), Estados Unidos da América – 36 (18,55%), Reino Unido – 18 (9,27%), Portugal – 16 (8,24%), URSS (incluindo a Arménia e Cazaquistão) – 14 (7,21%), Holanda – 9 (4,63%), Itália – 7 (3,60%), Bélgica – 3 (1,54%), Alemanha – 3 (1,54%), Canadá – 3 (1,54%), Cuba – 3 (1,54%), Bélgica – 2 (1,03%), Egipto – 2 (1,03%), Índia – 2 (1,03%), Irão – 2 (1,03%), Japão 2 (1,03%), China – 1 (0,51%), Espanha – 1 (0,51%), Dinamarca 1 (0,51%), Suíça 1 (0,51%) e Brasil 1 (0,51%). Há ainda a considerar um conjunto de co-produções todas elas, com excepção de duas, tendo a França como parceiro: Egipto/ França – 2 (1,03%), Grécia/ França/ Itália – 1 (0,51%), França/ Espanha – 1 (0,51%), Portugal/França 1 (0,51%), Bélgica/ França 1 (0,51%), Portugal/ Itália 1 (0,51%) e Japão/ Estados Unidos – 1 (0,51%).

 



 

No seu relatório final o programador responsável da Odisseia nas Imagens releva o papel de O Olhar de Ulisses como elemento fulcral da Programação ao mostrar “muitos dos melhores filmes alguma vez feitos”, alguns dos quais praticamente desconhecidos do público, em geral, e dos estudantes da área do cinema e audiovisual, em particular, fazendo-o “numa tentativa de diálogo com o público.” Considera, igualmente, ter-se tratado de uma estimulante aventura a propósito do olhar no cinema, residindo aí o seu principal mérito. Destaca, ainda, quer a colaboração da Cinemateca Portuguesa e, em particular, de João Bénard da Costa e de José Manuel Costa, quer a disponibilidade manifestada pelos numerosos participantes.

 

Quanto à imprensa, sempre se mostrou atenta, justamente elogiosa, mesmo se, pontualmente, passando ao lado das questões conceptuais em torno da estratégia global da Programação. O Olhar de Ulisses foi escolhido pelo jornal Público, a par do ciclo Violência e Paixão: O Cinema de Luchino Visconti, para figurar entre as 10 iniciativas culturais que mais se destacaram no Porto 2001.

 


 

Outros documentários

Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens 


 

O último módulo da Odisseia nas Imagens - Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens - para além de O Olhar de Ulisses, colocou a tónica nas questões sociais, nomeadamente as decorrentes da globalização, procurando dar visibilidade ao universo do documentário contemporâneo em diálogo com outras formas de expressão, de modo a dar a ver o mundo explorando o cruzamento multidisciplinar.

 





 

Deixando de lado as numerosas intervenções multimédia, onde, de resto, o documentário esteve ocasionalmente presente, o ciclo articulou cinco iniciativas nucleares:

 

1) uma retrospectiva do cinema de William Klein associada a três exposições fotográficas da sua autoria por forma a discutir, nomeadamente, as relações da fotografia com o cinema documental num contexto de intervenção sobre o quotidiano;

 

2) uma mostra de filmes associados ao cinema directo, complementar da retrospectiva de Klein, bem como à produção contemporânea mais recente;

 

3) dois espaços de debate em torno da imagem – O Choque das Imagens e Imagens de Choque – nos quais se confrontaram documentários pensados para a televisão e outros por ela influenciados, mas destinados ao grande ecrã;

 

4) um conjunto de masterclasses onde se discutiram os documentários de última geração abordando, nomeadamente, o novo documentário político americano, a relação do cinema com a televisão no contexto da dicotomia arte/reportagem, o documentário de observação no contexto da dicotomia verdade/ponto de vista e a influência negativa da televisão ao pretender formatar o documentário em função de critérios de audiência;

 

5) um festival competitivo do qual pudesse resultar a evidência da multiplicidade de modos e vozes documentais sobre o presente.

 

Assim: 

 

1) A retrospectiva de William Klein deveu-se, entre outras razões, ao seu trabalho quer como fotógrafo, quer como cineasta, às sua incursões no cinema directo, bem como ao carácter provocatório da maioria dos seus filmes especialmente adequado aos objectivos do Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens. Sempre com a presença do fotógrafo-cineasta, exibiu os seguintes filmes:

 


The Little Richard Story (1980) sobre o ícone do rock’n roll que desaparece logo no início do filme para se dedicar à venda de Bíblias optando o cineasta, na ausência do protagonista, por seguir a paródia proporcionada pelos seus inúmeros imitadores e pessoas de algum modo relacionadas com ele; Mode in France (1985) uma encomenda do governo francês com a participação dos principais estilistas do país; Muhammad Ali, The Greatest (1969-74), outro filme no qual o protagonista acaba por ser menos relevante do que o mundo dos bastidores do boxe; a sequência americana de Far From Vietnam (1967), obra colectiva com a participação de vários realizadores; Eldridge Cleaver, Black Panther (1970) feito na Argélia onde se encontrava o dirigente negro perseguido pelo FBI que é visto de um modo oblíquo pela câmara do cineasta; Mr. Freedom (1967-68), uma sátira à intervenção americana no mundo construída a partir dos estereótipos dos comic books; Contacts (1986) sobre o seu método enquanto fotógrafo; Hollywood, a Loser’s Opera (1977), filme que segue o sonho daqueles que vão para Hollywood em busca da fama e acabam, por vezes, nas situações mais humilhantes; Broadway by Light (1958), o primeiro filme de Klein, curto documentário procurando tirar partido da sinfonia da luz na noite da Broadway; Who are you, Polly Maggoo (1965-66), um último e definitivo olhar irónico sobre o mundo da moda; e The Messiah (1997-98), uma leitura do mundo contemporâneo a partir da obra de Haendel com recurso à colagem de elementos de diversas fontes, designadamente de filmes como Koyaanisqatsi de Godfrey Reggio.

 

2) Convocar o cinema directo, por outro lado, obedeceu ao intuito de contrastar e discutir o seu modo de encarar a relação com o real com os procedimentos jornalísticos na televisão. O mesmo princípio assistiu à mostra de outros filmes representativos do momento actual do documentário contemporâneo, de pendor acentuadamente político ou virados para públicos mais jovens. 

 


Filmes exibidos:

 

Dont Look Back (1966), obra de referência do cinema directo de D.A. Pennebaker sobre Bob Dylan em tour na Grã Bretanha; Ya Cuba (1964), o clássico de Mikhail Kalatozov sobre as causas da revolução cubana; Havanna, Mi Amor (2000) de Uli Gulke, um retrato da sociedade cubana e das suas contradições assumindo como eixo da narrativa o interesse despertado pelas telenovelas; Through the Wire (1990) de Nina Rosenblum, a história de três mulheres acusadas de crimes federais levadas para uma prisão americana de alta segurança; Crazy (1999) de Heddy Honigmann, um relato da experiência de guerra de soldados holandeses integrados nos capacetes azuis da ONU em diversos pontos do mundo; Asaltar los Cielos (1996) de Javier Rioyo que reconstrói o percurso de Ramón Mercader Del Rio, o assassino de Trotsky; Cinema Vérité: Defining the Moment (1999) de Peter Wintonick, a história do direct cinema, do cinéma vérité e dos seus precursores numa digressão envolvendo a maioria dos seus principais protagonistas; Gimme Shelter (1970) de David Maysles, Albert Maysles e Charlotte Zwerin que reporta ao famoso concerto dos Rolling Stones no autódromo de Altmant que redundou em tragédia devido à intervenção dos Hell’s Angels contratados para fazerem a segurança da banda; What’s Happenning! The Beatles in América (1964) dos irmãos Maysles sobre a primeira semana dos Beatles na América.

 

A maioria dos filmes - excluem-se por razões óbvias as obras ficcionais - combina diferentes modos do documentário (Nichols), com predomínio dos modos expositivo, reflexivo e de observação. Alguns filmes são de elevado grau de autoridade epistemológica, outros se situam-se no território da voz aberta (Plantinga). Como adiante se verá, serviram o propósito de reposicionar a pluralidade do olhar legitimada pela história do documentário, bem como de interpelar abordagens dadas como adquiridas da teoria do documentário.

 


3) No âmbito de O Choque das Imagens - Imagens de Choque foram exibidos dois filmes da canadiana Carole Poliquin e outros dois de Godfrey Reggio. Os filmes da cineasta canadiana: Turbulences (1998), que levou Poliquin a viajar por todo o mundo, faz a crítica do primado do económico sobre o político e o social e compõe um retrato da destruição do meio ambiente como resultado do modo de produção capitalista; L’Âge de la Performance (1994) produz argumentos para denunciar o darwinismo social, o qual aprofunda as desigualdades em função das capacidades performativas dos protagonistas do mundo, e é visto como um processo decorrente do fenómeno da globalização. Ambos os filmes são construídos em função de uma narrativa que procura fazer a síntese de elementos do cinema e do documentário de televisão, numa tentativa de potenciar a eficácia persuasiva.

 

Os filmes de Carole Poliquin interagiam não apenas com painéis de especialistas em várias áreas, mas também com dois dos filmes de Godfrey Reggio que integram a trilogia Qatsi, respectivamente Koyaanisqatsi (1983) e Powaqqatsi (1988). O primeiro levou seis anos a fazer e é uma visão apocalíptica do confronto do mundo tecnológico com a natureza. O título é uma palavra utilizada pelos índios Hopi para dizer “vida em desequilíbrio”. Apesar de trabalhar a partir de imagens da vida real Reggio submeteu-as a um processo de sucessivas metamorfoses através do computador por forma a concentrar a atenção na destruição do planeta por via da lógica extracionista e consumista que afronta a natureza. Tal como sucede com Powaqqatsi o filme suscita múltiplas leituras. Mas no caso deste último o que está em causa é um mundo que funciona à escala humana, recuperando o dia a dia e os rituais antigos de povos onde habita ainda o respeito pelo outro, pelo ambiente e pelo espírito do sagrado. Os filmes de Reggio, que iriam inspirar outros como Baraka (1992) de Ron Fricke, são um exemplo de como a narrativa vai sendo moldada através da experimentação tecnológica, estando próximos, na prática, daquilo que Pierre Babin designou como “uma cultura simbólica, de ressonância afectiva”, na qual coexistem a razão e a emoção.



 

4) A programação dos documentários de Como Salvar o Capitalismo/Outras Paisagens - excluindo O Olhar de Ulisses - para além das afinidades temáticas e narrativas, fez-se em articulação com iniciativas visando a participação do público. Por exemplo, Through the Wire, Cinema Vérité: Defining the Moment e Asaltar los Cielos foram o ponto de partida para masterclasses, respectivamente, de Nina Rosenblum, Amir Labaki e Javier Rioyo. Nelas foi amplamente discutido, além das obras dos próprios cineastas, titulares de festivais e académicos, o presente e o futuro do documentário.

 

Excertos, a título de exemplo, do debate em torno do Cinema e da Televisão (ver neste blogue entrevistas com Nina Rosenblum, Amir Labaki e Javier Rioyo, bem como Brian Winston e Lorenç Soler):

 

Nina Rosenblum: “Por necessidade, muitos realizadores acabam por trabalhar para o cabo com orçamentos que raramente ultrapassam os 80 mil dólares. Para se perceber o que quero dizer basta recordar que Liberators, o filme que fiz sobre a participação de negros americanos na libertação de prisioneiros dos campos de concentração nazis, custou um milhão e duzentos mil dólares. A televisão faz filmes superficiais de acordo com formatos previsíveis. Recuso-me a chamar-lhes documentários. Tratam de temas da actualidade, mas o estilo é o da lavagem ao cérebro.”

 



 

Lorenç Soler: Cinema e Televisão são dois mundos completamente diferentes. Pelo menos entre nós, em Espanha, para eles nós somos os artistas, os “poetas”, eles são os comunicadores, os que dão conta da verdade. Mas, as coisas não podem colocar-se desse modo. Aliás, ambas as tendências, muitas vezes, coabitam nos documentários. Mas, para isso, é necessário que a Informação sobre um tema seja apresentada de modo poético, criativo e original.”

 

Brian Winston: “A tradição francesa é mais pessoal, mais poética, menos jornalística e menos ligada à reivindicação da objectividade. Os documentários franceses clássicos do pós-guerra são pessoais e poéticos e nem mesmo quando utilizam os novos equipamentos mais leves e flexíveis do cinema directo, como Jean Rouch em Chronique d’un Été, há qualquer intenção de objectividade. Este tipo de coisas não passaria pela cabeça de britânicos ou americanos. Nesse sentido, havia uma diferença óbvia. Porém, não creio que isso seja mais assim. Porquê? Devido à influência do “realismo” da televisão, de um jornalismo que invade todos os domínios. (...) Dantes tínhamos documentários poéticos, pessoais, etc, etc... Agora apenas nos é permitida a câmara ao ombro da reportagem, o registo sem surpresa e isso é muito mau. Primeiro, porque limita a variedade de expressão e, depois, porque, na maioria dos casos, é lixo. Não devia ser assim. Mas, infelizmente, os operadores de televisão estão hoje numa posição ideológica muito forte.”

 

Javier Rioyo: “Penso que o documentário deve ter um percurso de salas, de ciclos e de festivais, mas creio que o percurso natural é cada vez mais a televisão. A televisão está cheia de coisas boas e de coisas más. É certo que a programação de documentários pode incorrer alguns riscos, porque se trata de exibir algo que tem muito de experimental e de voo livre. Mas se os documentários forem bem programados, em horários apropriados e não relegados para horários impossíveis, poderão ser vistos com o mesmo agrado como se vêm as boas séries ou os filmes de ficção. O que não se pode é remeter o documentário para um território marginal atribuindo-lhe um estatuto demasiado cultural e didáctico.”

 



 

5) No texto de apresentação do I Festival Internacional do Documentário e Novos Média - Odisseia nas Imagens, afirmava-se:

 

“A secção competitiva da Odisseia nas Imagens reúne um conjunto de filmes dos quais pode afirmar-se que de algum modo proporcionam um retrato do tempo em que vivemos. Estes filmes tanto nos remetem para o dia de hoje quanto nos solicitam o esforço de memória sem o qual o futuro é imponderável. Estamos, pois, perante uma História a fazer-se, um percurso ao longo do qual as imagens nos interpelam sobre a condição do homem e sobre a cidadania. Mas não só, porque o exercício que é feito ficaria incompleto sem uma reflexão sobre as imagens elas mesmas e o seu peculiar modo de dizer, o que nos coloca no centro dos mecanismos do trabalho de criação.”

 

Noutra passagem:

 

“(…) o documentário reclama a par do domínio gramatical e do saber fazer a presença de um olhar diferenciado correspondente a uma visão pessoal do objecto observado. É a metamorfose no âmago da qual, de uma forma aberta, reside, enquanto proposta, a chave da interpretação do mundo ou a expressão das suas perplexidades. Daí que o documentário possa ser considerado o álbum de família de um povo, de um país, do mundo global sobre o qual todos se interrogam. O documentário é um bem público.”

 

De acordo com os propósitos anunciados resulta claro que a selecção competitiva da Odisseia nas Imagens procurou reflectir a lógica da Programação do ciclo Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens, sem descurar propostas de O Olhar de Ulisses. É igualmente evidente a observância de um critério que procurou dar ênfase à participação ibérica, colocando-a em pé de igualdade com a restante participação internacional, já a pensar no futuro do festival.

 

Por isso, apareceram, lado a lado, obras já premiadas nalguns dos principais festivais internacionais durante 2000/2001 – casos de Sundance, Amesterdão, Rio de Janeiro e Veneza, entre outros – e algumas das obras mais recentes produzidas na Península, isto considerando tratar-se de uma iniciativa de carácter experimental, cujo futuro se previa poder passar pelo aproveitamento de sinergias de todo o noroeste peninsular. A par de grandes nomes como Sokurov, Barbara Kopple, Pedro Costa, Chris Hegedus ou Gianikian/ Ricci-Lucchi, a selecção contemplou um conjunto de cineastas menos conhecidos e até autores de primeiras obras de Portugal e Espanha.

 



A competição decorreu de 26 de Outubro a 2 de Novembro de 2001 e apresentou 25 filmes.


Principiou com De Zee Die Denkt (2000) do holandês Gert de Graaf, obra premiada no Festival de Amesterdão, e prosseguiu com Senhorinha (2001) primeira obra de José Filipe Costa e Negação do Brasil (2000) do brasileiro Joel Zito Araújo. Seguiram-se: Sverige (2000) dos suecos Johannes Stjärne Nilsson e Ola Simonsson, The Last Yugoslavian Football Team (2000) de Vuk Janic, Ser Forcado (2001) uma produção portuguesa realizada por Mathias Bauer e Auto Bonus (2001) do finlandês Mika Ronkainen. O terceiro dia de competição trouxe As Enfermeiras do Estado Novo (2000) de Susana Sousa Dias, A Time of Love and War (2000) da canadiana Sabrina Mathews e Las Cenizas Del Volcán (2000) de Pedro Pérez Rosado. Depois, Perdere il Filo (2000) de Jonathan Nossiter, Pós (2000) de Regina Guimarães e Saguenail, Francisco Boix, un Fotógrafo en el Infierno (2000) de Lorenç Soler e Sacrifice-Who Betrayed Che Guevara (2001) de Erik Gandini e Tarik Saleh, este vencedor do festival do Rio de Janeiro. No quinto dia foram exibidos Mais Alma (2001) de Catarina Alves Costa, Extranjeros de Si Mismos (2000) de José Luis López-Linares e Javier Rioyo, Alone (2001) de Audrius Stonys e O Fato Completo ou à Procura de Alberto (2001) de Inês de Medeiros. No dia 31 de Outubro passaram dois dos filmes apontados como estando entre os favoritos: Southern Confort (2000) de Kate Davis já premiado em Sundance e No Quarto da Vanda (2000) de Pedro Costa. Seguiram-se dois filmes americanos de realizadores com filiação no cinema directo: My Generation (2000) de Barbara Kopple e Startup.com (2000) de Jehane Noujaim e Chris Hegedus. Para o último dia estavam reservados Images d’Orient -“Tourisme Vandale” (2001) de Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucci, Elegiya Dorogi (2001) de Aleksandr Sokurov, já distinguido em Veneza, e Que Vivent les Femmes! (2000) de Laurent Bécue-Renaud.

 


A maioria dos filmes é de propósito social, procurando reflectir sobre algumas das grandes questões do nosso tempo. Por exemplo, Negação do Brasil, The Last Yugoslavian Football Team, As Enfermeiras do Estado Novo, Las Cenizas Del Volcán, Francisco Boix, un Fotógrafo en el Infierno, Sacrifice-Who Betrayed Che Guevara, Extranjeros de Si Mismos e Que Vivent les Femmes! são de óbvio conteúdo político, com mensagens relativamente lineares, cabendo sem dificuldade, fundamentalmente, no modo expositivo. Southern Confort é um documentário de observação, que não enjeita cenas reconstruídas. Acompanha o percurso de um transsexual, as suas tentativas de mudança de sexo e a história do amor da sua vida, até ser vitimado pela sida. My Generation, uma revisitação da geração de Woodstock, e Startup.com, uma investida pelo território dos negócios através da Internet também passam pela observação, mas o primeiro recorre à entrevista. Mais complexos são os filmes de Pedro Costa, Aleksander Sokurov, Gert de Graaf e Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucci. O primeiro é uma ficção do real, o segundo, De Zee Die Denkt - trabalha sobre os dispositivos da narrativa e do trabalho de criação o que, de algum modo, acontece também como os filmes de Jonathan Nossiter e de Regina Guimarães e Saguenail – é um documentário reflexivo e os outros dois conjugam, predominantemente, os modos poético e reflexivo.

 


Naturalmente este exercício de catalogação não confere qualquer estatuto quanto ao interesse dos filmes e muito menos quanto à qualidade cinematográfica que se lhes possa atribuir. Permite, no entanto, verificar um aspecto não negligenciável: a maioria dos documentários predominantemente expositivos obedece a padrões híbridos na medida em que é evidente neles a presença de procedimentos quer associados ao cinema quer à televisão. O mesmo sucede, aliás, com os documentários predominantemente de observação. E nalguns casos, como acontece no filme vencedor Sacrifice - Who Betrayed Che Guevara (2001) de Erik Gandini e Tarik Saleh, há o assumir de uma investigação à qual não são alheios os critérios jornalísticos. Contudo, em todos estes filmes e, sobretudo nas longas metragens é visível a tentativa de não ceder à formatação.

 



Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens exibiu 57 filmes – neste inventário não cabem as numerosas experiências de manipulação da imagem cinematográfica efectuada no âmbito da programação multimédia. Esses 57 filmes ficaram assim ordenados em função da origem: Estados Unidos da América – 17 (29,82%), Portugal – 7 (12,28%), França – 6 (10,52%), Holanda – 4 (7,01%), Canadá – 4 (7,01%), Espanha – 4 (7,01%), URSS – 2 (3,5%), Alemanha – 2 (3,50%), Suécia – 2 (3,50%), Itália – 2 (3,50%), Brasil – 1 (1,75%), Finlândia – 1 (1,75%), Lituânia – 1 (1,75%), havendo ainda a considerar três co-produções: Itália/ França – 2 (3,50%), Portugal/França – 1 (1,75%), Rússia/ França/ Holanda – 1 (1,75%).

 

Na próxima publicação far-se-á um balanço final do legado da Odisseia nas Imagens.

 

Continua 

 


 

 

 

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