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CULTURA

Foto do escritorJorge Campos

Porto 2001 - Odisseia nas Imagens X: Retrospectiva e balanço 1

Atualizado: 20 de out. de 2023


Sessão de encerramento da Odisseia nas Imagens no Teatro Rivoli onde será exibida a cópia restaurada de O Leopardo (1966) de Luchino Visconti. Responsáveis da Capital Europeia da Cultura aguardam a chegada de Claudia Cardinale e do Presidente da República Jorge Sampaio.

Chegou a altura de fazer o balanço possível da Odisseia nas Imagens com base na avaliação que então fiz como responsável pela Programação de Cinema, Audiovisual e Multimédia do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura. Nota prévia. Medir o impacto de políticas culturais exige ter em conta quer uma vertente de ordem quantitativa quer uma outra de ordem qualitativa. Sendo indissociáveis não podem ser equacionadas no mesmo plano. Se a primeira remete para o domínio do material e, como tal, as mais das vezes, pode ser ilustrada com números, a segunda, sendo do domínio do imaterial, encerra elevado grau de subjectividade. Assim sendo, cada um formará a opinião que entender sobre a importância - ou falta dela - dessa aventura que marcou a viragem do milénio à qual foi dado o nome de Odisseia na Imagens.


Até agora fiz 17 publicações sobre esta temática, todas elas extensas e profusamente ilustradas. Esta, a número 18, principia com um resumo esquemático de objectivos e premissas já largamente desenvolvidos em publicações anteriores por forma a facilitar a leitura de quem delas não tenha conhecimento. A segunda e terceira publicações farão um balanço genérico do modo como decorreu a Odisseia na Imagens. Finalmente, far-se-á a revisão crítica da programação de cinema documental que era, ao cabo e ao resto, o eixo da maioria das iniciativas.


Para já, impõe-se situar a consigna Pontes para o Futuro comum a toda a Programação Cultural do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura. O que se segue é um curto resumo do documento de base da candidatura, no qual Poro também referenciado como uma cidade das imagens.


Nadir Afonso - Ponte Luís I, c. 1940. Pontes para o Futuro. O Porto é a cidade das pontes sobre o rio Douro. Todas elas correspondem a momentos determinantes da sua história. A ponte de Gustave Eiffel (1887) é um dos raros exemplares da arquitectura do ferro associado à revolução industrial tardia que o Porto conheceu e marca tanto o imaginário da cidade quanto a sua representação simbólica. O mesmo sucede com a ponte Luís I (1886), inseparável da memória de uma época de prosperidade mercantil. A ponte da Arrábida (1963) coincide com outro momento de expansão da área metropolitana e com a afirmação vencedora da lógica do automóvel. Da autoria de Edgar Cardoso, o seu arco de betão armado foi, à época, o maior do mundo. Trinta anos mais tarde, o mesmo Edgar Cardoso construiu uma nova ponte, desta vez ajustada às necessidades dos comboios de alta velocidade. Em suma, “a metáfora das pontes, e dos rios que sob eles correm, possui uma coerência e uma riqueza que a criatividade cultural pode explorar, quase explorar infinitamente.” As pontes do Porto, portanto, “são expressão da particularidade do sítio e das vicissitudes históricas da cidade que aqui se instalou e, ao mesmo tempo, impregnam uma mensagem universalista e inovadora que lhes conferem as suas características e os seus criadores; um, Gustave Eiffel, europeu e universal; outro, Edgar Cardoso, portuense e, porque não arriscar, também europeu e também universal. Excertos do documento de candidatura do Porto a Capital Europeia da Cultura. Fonte: Fundação Nadir Afonso

Sobre as Pontes para o Futuro, duas notas adicionais:


1. “2001 não deverá ser a activação de festividades que alimentem no Porto a ilusão de ser uma Capital Europeia de primeira linha, mas uma escolha estratégica de sobressaltos que nos coloquem perante a evidência lúdica das nossas ignorâncias, que estruturem novos desafios e novas rotinas, proporcionando-nos a sua fruição e a confrontação com eles próprios.”


2. “2001 deverá activar o cruzamento de equipas e experiências internacionais em projectos que só no Porto possam acontecer. Substituir-se-á, assim, à inscrição conjuntural da cidade no obsessivo mercado internacional, a ideia de um lugar de projectos, de encontros e desencontros que ajudem a firmar os nossos valores como referência e desafio aos criadores, produtores e programadores estrangeiros, cuja rota passará a cruzar-se obrigatória e estruturalmente com a nossa.”


(Para conhecimento detalhado das premissas e posteriores desenvolvimentos ver neste blogue: Porto 2001 - Odisseia nas Imagens I; Porto 2001 - Odisseia nas Imagens II; Porto 2001 - Odisseia nas Imagens III; Porto 2001 - Odisseia nas Imagens IV).


1. Odisseia nas Imagens: premissas


No último trimestre de 1999 foi apresentado um draft no qual se procedia a uma primeira abordagem do que poderia viria a ser a Programação de Cinema, Audiovisual e Multimédia do Porto 2001. Nele eram abordadas questões relacionadas com a História do Cinema no Porto, os Festivais de Cinema, o Ensino Superior e o Centro de Produção do Porto da RTP. O documento dava conta, a abrir:

“A primeira ideia que ocorre no âmbito dos eventos a programar para o Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura é a ideia da visibilidade. Numa primeira leitura, estaríamos perante um conceito cujo valor instrumental seria testado em função do tempo e do espaço dedicados à divulgação em antena ou através dos circuitos da sociedade da informação do conjunto de iniciativas constantes da programação no seu conjunto. Este pôr o Porto no mapa exige, porém, o entendimento, a um outro nível, de uma vertente complementar. Respeita ao(s) discurso(s), de cuja excelência depende o alcance e o impacto da divulgação pretendida. Só a qualidade a esse nível, ancorada na convergência da criatividade com o domínio das tecnologias e das linguagens, permitirá prosseguir a estratégia de internacionalização consequente dos objectivos delineados.”


Afirmava-se seguidamente:

“Na mesma linha importa reconhecer o Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura como potencial e, porventura, decisivo agente de mudança da paisagem audiovisual considerando não apenas a capacidade de produção instalada, mas também os saberes dispersos pelos diversos protagonistas, sejam eles da área empresarial, pública ou privada, ou das áreas dos festivais e da universidade. A mudança pretendida, no sentido de conferir maior e melhor presença à globalidade do sector, se recusa práticas de intervencionismo, aliás, ilegítimas, nem por isso deixa de exigir, da parte Sociedade Porto 2001, a capacidade de lançar um conjunto de desafios nos quais os potenciais parceiros da Capital Europeia da Cultura possam encontrar motivos mobilizadores.”


Sessão de encerramento da Odisseia nas Imagens. Claudia Cardinale acompanhada de Manoel de Oliveira e de Dominique Paini chega ao Teatro Rivoli, cuja lotação esgotou com enorme antecedência.

Do exposto no draft resultavam alguns pressupostos e outras tantas intenções de cuja articulação era previsível poder chegar-se a uma malha coerente de programação. Assim, a aposta na excelência do discurso impunha critérios rigorosos em relação àquilo que se pretendia dar a ver, sendo que o dar a ver teria de corresponder a opções de ordem estratégica alicerçadas num intuito fundador de promover a criação de novos públicos. Destes, por sua vez, era suposto poderem emergir agentes culturais com intervenção, nomeadamente, no plano da produção e, logo, com impacto no tecido empresarial da indústria audiovisual. Por outro lado, as opções de ordem estratégica teriam sempre de ser definidas em função das capacidades instaladas e dos saberes existentes valorizando, desde logo, os Festivais de Cinema, as Universidades e o Centro de Produção do Porto da RTP.


Haveria que conferir, igualmente, sentido prospectivo à programação procurando identificar um território de novas apostas, fosse no campo das linguagens transversais, fosse no domínio de modalidades narrativas consideradas de nicho, como o documentário, cujas características pareciam adequadas a um investimento de rentabilidade a médio prazo, tanto no plano material quanto no plano simbólico.


Em suma, seria necessário acertar o passo com novos e velhos desafios na perspectiva do desenvolvimento de parcerias criativas no quadro de uma programação diferenciada de alta qualidade, arrojada e interactiva, e, como tal, obrigada a acautelar os aspectos lúdicos sem os quais correria o risco de se encerrar num espaço anacrónico de especialistas voltados sobre si mesmos.


Resultava, como corolário:


“Da aceitação desses desafios, bem como do percurso que cada qual for capaz de fazer, construindo pontes entre o público e o privado, entre as empresas e a Universidade, entre o mercado nacional e o mercado internacional, deverá emergir algo de qualitativamente diferente com impacto para além de 2001.”


Man of Aran (1934) de Robert Flaherty, cineasta em grande destaque. Nota: no conjunto da Odisseia nas Imagens foram exibidos 791 filmes, muitos deles documentários, não se incluindo neste número, por se tratar de programação autónoma, os filmes do Fantasporto, do Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde e do Cinanima; tão pouco são contabilizados quer os vídeos exibidos em numerosos eventos quer as produções escolares presentes na secção competitiva do Festival Internacional do Documentário e Novos Média; os 791 filmes foram exibidos em 324 sessões em contextos diversificados. Fonte: MUBI

1.1. Parcerias estratégicas


Em função deste enquadramento o passo seguinte iria no sentido de desencadear as iniciativas que permitissem montar a logística indispensável à concretização dos objectivos delineados. Desde logo, numa primeira fase, estabelecer contactos tendo em vista a criação de parcerias com a RTP, com os estabelecimentos de ensino superior da área metropolitana do Porto e com os festivais de cinema. Sumariamente:

RTP. Por um lado, tratava-se de propor um tipo de intervenção que de algum modo pudesse acomodar-se a uma proposta estratégica para o serviço público de televisão de âmbito regional, privilegiando os aspectos de regulação da paisagem audiovisual numa perspectiva descentralizada. Por outro, envolver o serviço público na cobertura noticiosa da Odisseia nas Imagens, bem como das actividades da Capital Europeia da Cultura.

Universidades. Tratava-se de mobilizar as universidades para efeito de recrutamento de novos públicos, sendo estes encarados como potenciais geradores de criadores e agentes culturais. O envolvimento de professores e estudantes obedeceria à perspectiva de os familiarizar com a produção simbólica das áreas de interesse estratégico da Odisseia nas Imagens fazendo deles, simultaneamente, actores de um processo de transformação. O processo passaria, designadamente, por acções de formação, as quais por sua vez, seriam encaradas como parte da Programação. Num documento enviado pelo responsável da área do Cinema à Comissão Executiva da Sociedade Porto 2001, afirmava-se:

“Na União Europeia, o sector do audiovisual e multimédia é reconhecido como sendo dos mais interessantes do ponto de vista da criação de emprego. Por outro lado, dele depende a afirmação, no plano simbólico, das diversas realidades parcelares constituintes da realidade que é, hoje, a Europa.”

Acrescentava-se adiante:


“Sendo indispensável amplificar o efeito Porto - 2001 quer interna quer externamente, e reconhecendo-se a necessidade de melhorar a capacidade discursiva existente, entende-se ser do maior interesse avançar com acções de formação envolvendo tanto profissionais em exercício, quanto candidatos a um emprego. Essas acções devem articular empresas e universidades fazendo convergir agentes frequentemente demasiado fechados sobre si próprios.”


Festivais de Cinema. Quanto aos festivais - Fantasporto, Curtas de Vila do Conde e Cinenima - tratava-se de os integrar na Programação oficial da Capital da Cultura como elemento de valorização procurando, simultaneamente, promover novas sinergias. Aliás, as primeiras opções quanto àquilo em que valeria a pena apostar iam no sentido do reconhecimento do trabalho por eles efectuado ao longo dos anos, nomeadamente no domínio das curtas metragens e do cinema de animação. Por opção programática o documentário viria depois, constituindo-se como paradigma do que valeria a pena divulgar e produzir.


Na foto, a cineasta Florence Miailhe que, a par da exibição dos seus filmes de animação, orientou um workshop de 40 horas de Pintura Animada destinado essencialmente a Animadores e a estudantes das Escolas de Arte, Audiovisuais e Tecnologias da Comunicação com conhecimentos ao nível da Animação. As inscrições foram limitadas a doze participantes. De notar que as acções de formação, levadas a cabo no âmbito de um programa negociado com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, em colaboração com a Associação Empresarial de Portugal, acabariam por constituir-se num dos pólos de atracção da Odisseia nas Imagens. Distribuídas pelas áreas do cinema, televisão, multimédia e jornalismo realizaram-se 42 acções de formação, verificando-se a inscrição de 1.100 candidatos, número muito superior ao número de vagas existentes. Dentro de um quadro de razoabilidade, quando possível, foi alargado o limite de inscrições de um número significativo de workshops. No total, até ao encerramento das actividades da Odisseia nas Imagens, tiveram formação 440 candidatos. No entanto, algumas acções prosseguiram para além desta data. Foto: Alliance Française

Deriva sobre o documentário. A opção pelo documentário obedeceu a critérios de vária ordem. Se não proscrito pelo menos relativamente marginal em termos de produção e distribuição cinematográfica pareceu oportuno recuperá-lo, dando-o a conhecer na amplitude das suas modalidades, numa perspectiva de poder vir a interessar novos públicos e futuros criadores. Tanto mais que estava a atravessar uma fase de rápido desenvolvimento com expressão no número de festivais internacionais, bem como nos níveis de produção na União Europeia, com destaque para o Reino Unido. Além disso, estava a regressar às salas. Não exigindo meios avultados e sendo uma espécie de álbum de família dos povos, como lhe chamou Patrício Guzmán, o documentário poderia transformar-se num meio privilegiado de dar a conhecer a Cidade, o País e, sobretudo, os seus habitantes.


Montagem da Exposição da Magnum nos bastidores de Misfits (1961), o clássico de John Huston com argumento de Arthur Miller.

Esta ideia era reforçada em função de tendências identificadas no quadro audiovisual europeu:


“Essas tendências apontam para uma produção genuinamente europeia, no âmbito da qual se verifica a revalorização do local e do regional entendidos como base do universal. No plano simbólico, faz-se, portanto, a defesa da visibilidade das diferentes parcelas do conjunto da União Europeia. A unidade na diferença é reforçada e estimulada pelo facto das tecnologias da informação e da comunicação, em particular o digital, terem pulverizado o universo televisivo generalista, dando lugar a uma televisão temática, segmentada e especializada.” A par desta constatação, que no caso do filme documentário viria a revelar-se manifestamente exagerada, foi dada prioridade à reflexão sobre as consequências da revolução digital na forma de pensar o Cinema, em geral, e o Cinema Documental, em particular.


Cinemateca Portuguesa. Naturalmente, reconhecendo no Cinema a matriz essencial do documentário, estabeleceu-se uma nova parceria estratégica, desta vez, com a Cinemateca Portuguesa, da qual viria a resultar o elo mais forte da Odisseia nas Imagens, o ciclo O Olhar de Ulisses.


Pierre-Marie Goulet foi o programador principal do Ciclo O Olhar de Ulisses, considerado pelos críticos do jornal Público uma das dez melhores iniciativas do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura. Teve na sua companheira Teresa Garcia, com quem criou a Associação Os Filhos de Lumière, a colaboradora mais próxima. De salientar, também, o apoio de José Manuel Costa, actual responsável da Cinemateca Portuguesa. Fonte: Cinemateca Portuguesa

1.2. Outras parcerias e áreas de intervenção


No último trimestre de 1999 estavam identificados os pilares da Programação, a qual deveria ser estruturada em módulos. Dado o seu carácter experimental, a perspectiva seria a do work in progress. Pareceu ser esse o método mais eficaz de enquadrar os ensinamentos respeitantes a cada módulo ou iniciativa por forma a produzir alterações nos módulos ou iniciativas seguintes e introduzir, se necessário, variáveis e inflexões de percurso em função dos resultados alcançados, bem como da experiência adquirida. Ponto assente era que a Odisseia nas Imagens seria construída em torno de um evento multidisciplinar de longa duração e carácter estruturante, distribuído por locais tão diversificados quanto possível por forma a ir ao encontro das pessoas, embora os seus eventos mais emblemáticos devessem ter sede fixa.



Beneficiando, como se viu, do apoio da Cinemateca Portuguesa, bem como das parcerias com iniciativas consolidadas como o Fantasporto, o Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde e o Cinanima, ficavam asseguradas à partida não só uma programação de Cinema diversificada e dirigida a diferentes públicos, mas também a extensão de parte dessa mesma programação a outros municípios da área metropolitana do Porto.


Igualmente negociado foi o apoio do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), organismo dependente do Ministério da Cultura, para efeito da promoção e divulgação das encomendas da Porto 2001 em festivais internacionais. Finalmente, abriu-se, uma segunda linha de acordos complementares, nomeadamente com o Instituto Francês do Porto, Alliance Française, Goethe Institut, Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) de Paris, Festival du Scoop et du Journalisme de Angers e Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Santiago de Compostela. cuja importância viria a revelar-se determinante para a concretização e relevância de um número significativo de eventos.


Exposição da Magnum sobre The Misfits de John Huston, no espaço do Teatro Rivoli. As iniciativas da Odisseia nas Imagens realizaram-se nos seguintes 32 diferentes lugares: Associação Os Filhos de Lumiére; Auditório Municipal de Vila do Conde; Bar Labirintho; Bar Trintaeum; Bar Voice; Biblioteca Almeida Garrett; Casa das Artes; Casa Tait; Centro Multimeios de Espinho; Cinema Trindade; Coliseu do Porto; Escola Superior Artística do Porto; Escola Superior de Artes e Design; Escola Superior de Jornalismo do Porto; Estação de S. Bento; Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto; Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; Filmógrafo; Fnac; Fundação de Serralves; Galeria Artes em Partes; Hard Club; Instituto Nacional de Engenharia de Sistemas e Computação; Moagens Harmonia; Porto Palácio Hotel; Rivoli Teatro Municipal; RTP Porto; Teatro do Campo Alegre; Universidade Católica do Porto; Universidade do Minho; Universidade Fernando Pessoa; Universidade Popular do Porto. - Relatório de Avaliação Final do Departamento de Cinema Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, sem páginas numeradas.

As preocupações respeitantes à internacionalização foram equacionadas procurando estabelecer desde logo relações com a cidade de Roterdão. A Capital da Cultura pensada pela cidade holandesa obedecia, no entanto, a parâmetros muito diferentes. Enquanto no Porto a prioridade era lançar um conjunto de iniciativas estruturantes de modo a gerar dinâmicas culturais inovadoras, nomeadamente através do fomento de novos equipamentos como a Casa da Música e o melhoramento de outros já existentes, em Roterdão, uma cidade culturalmente bem equipada, as linhas gerais da programação obedeciam a critérios, sobretudo de carácter civilizacional, ocupando o multiculturalismo um lugar dominante.


1.3. Internacionalização, projectos e encomendas.


Em todo o caso, foram estabelecidos contactos com produtores holandeses tendo em vista a co-produção de filmes e de programas de televisão. Em relação a estes últimos, devido aos custos elevados e à dificuldade em encontrar parceiros entre os operadores de televisão, a hipótese foi rapidamente descartada. Em relação ao cinema, porém, foi estabelecido um acordo tendo em vista retomar uma série de sucesso denominada City Life e, nessa medida, acertar a produção de oito filmes de jovens realizadores sobre as cidades do Porto e de Roterdão assegurando, em simultâneo, a sua estreia mundial conjunta no Rotterdam International Film Festival, um dos mais importantes da Europa, no dia de abertura da Capital Europeia da Cultura holandesa.


William Klein, aqui a ser entrevistado para o Jornal de Notícias, teve uma retrospectiva integral dos seus filmes na Odisseia nas Imagens no módulo Como Salvar o Capitalismo - Outras Paisagens.

Foi recebida cerca de uma centena de propostas. Algumas viriam a merecer descriminação positiva. Entre elas, duas assumiam particular relevância: uma, da Produtora Filmógrafo visando criar a Casa da Animação; outra, da Universidade do Minho, tendo por objectivo a criação do Museu da Pessoa com o objectivo de contar em suporte digital a história da cidade e dos seus lugares através de estórias de vida e de testemunhos de anónimos, mas explorando, simultaneamente, suportes tradicionais, como o livro e a televisão.


Quanto à Casa da Animação a proposta teve origem em elementos fundadores da produtora Filmógrafo, entre os quais o cineasta Abi Feijó, e contemplava um ambicioso conjunto de iniciativas. Dirigido essencialmente aos públicos mais jovens, dele faziam parte, nomeadamente, retrospectivas dos Estúdios Aardman, de Ladislas Starevich e do cinema de animação canadiano, reposições de clássicos, estreias de filmes ausentes do circuito comercial português, visitas de estudo e diversos workshops.


A exposição e a retrospectiva dedicadas a Ladislas Starevich foi um dos pontos altos da Programação do cinema de animação. Fonte: Silent-Ology

Quer o orçamento da Casa da Animação quer o do Museu da Pessoa tiveram de ser renegociados em função das disponibilidades. De notar que a maioria dos projectos apresentados, apesar de alguns de indubitável interesse, ou tinha orçamentos proibitivos ou não se enquadrava nas linhas gerais delineadas para a Odisseia nas Imagens.


Quanto às encomendas, dada a opção da Odisseia nas Imagens pelo documentário, as curtas metragens e o cinema de animação, uma opção consequente com a avaliação das capacidades instaladas e os saberes existentes e, como tal, susceptível de desenvolvimentos no futuro em termos de produções de excelência, é natural que as encomendas levadas a cabo se inscrevessem essencialmente nesse domínio e procurassem envolver, desde logo, o mais representativo cineasta português, Manoel de Oliveira, a quem foi proposto revisitar o Porto através de um filme documentário seguindo os passos de Douro, Faina Fluvial (1931). Para além da homenagem ao cineasta, a encomenda deveria ser representativa do renascimento da produção do filme documentário feito a partir da cidade. O Porto da Minha Infância (2001) seria, como foi, a obra de maior relevância produzida no âmbito da Programação de Cinema.


Paulo Rocha no set de Verdes Anos (1963). O cineasta foi dos convidados para a série City Life, uma co-produção do Porto e Roterdão. Da série deveriam fazer parte quatro curtas metragens de autores portugueses, inicialmente associadas a outras tantas de autores holandeses, num registo de cumplicidade de olhares cruzados sobre as duas cidades. Pensados em função do impacto que poderiam ter em termos de promoção de ambas as Capitais Europeias da Cultura, os deveriam fazer o percurso dos principais festivais europeus de cinema do ano 2001, bem como serem objecto de difusão televisiva. A parte holandesa, no entanto, apenas produziu dois filmes. Em consequência, os filmes portugueses ganharam autonomia sob a designação Estórias de Duas Cidades tendo sido objecto de exibição em festivais de todo o mundo com passagem em canais televisivos, nomeadamente na RTP. Estórias de Duas Cidades – integrando os filmes Distância (2001) de Pedro Serrazina, Acordar (2001) de Tiago Guedes / Frederico Serra, Corpo e Meio (2001) de Sandro Aguilar e Sereias (2001) de Paulo Rocha – abriram o Fantasporto em 21 de Fevereiro de 2001. Fonte: Cinemateca Portuguesa

Uma outra encomenda feita no sentido de evocar a memória cinéfila do Porto foi Cinema (2001) de Fernando Lopes, uma homenagem a Aurélio da Paz dos Reis. Pensado a partir de um poema de Carlos de Oliveira e com desenhos de Jorge Colombo este filme recupera a memória do pioneiro portuense das imagens em movimento em Portugal, mas transcende esse objectivo, situando-se no plano de uma liturgia sobre o próprio cinema. Exibido no Festival de Veneza e estreado em Portugal a 15 de Março de 2001 no ciclo O Olhar de Ulisses, o filme de Fernando Lopes contribuiu igualmente para projectar externamente a imagem da Capital Europeia da Cultura.


Foram ainda encomendas ou filmes apoiados pela Odisseia nas Imagens Casa da Música de Pierre-Marie Goulet, Oresteia na Prisão (2001) de Saguenail e Regina Guimarães, Desassossêgo (2001) de Catarina Mourão, O Puzzle Volta ao Porto (2001) de Hugo Vieira da Silva e Novo Mundo (2001) de António, Jorge Neves e Pedro Abrunhosa. De assinalar ainda a assinatura de um contrato com a Produtora Costa do Castelo para a edição em DVD de clássicos do cinema documental tendo sido publicados, nomeadamente, filmes de Robert Flaherty, Dziga Vertov, Jean Rouch e Artavazd Pelechian.


As Estações (1975), um dos filmes de Artavazd Pelechian editado em DVD pela Odisseia nas Imagens.


2. Odisseia nas Imagens: objectivos e ponto de partida


Identificadas as principais parcerias, lançado o concurso de projectos, agendadas as encomendas e estabelecidas as prioridades em função da estratégia delineada ficou claro que a Programação deveria ser entendida como um percurso, cujo itinerário poderia seria inflectido ou rectificado consoante as necessidades criadas pela sua própria circunstância, de modo a:


a) Proporcionar uma Programação de elevado grau de exigência
b) por forma a abrir caminho à concretização dos objectivos 
c) valorizando a componente formativa
d) sem descurar a dimensão lúdica e espectacular
e) de modo a fidelizar públicos para narrativas ajustadas a políticas de nichos de mercado
f) das quais pudessem resultar novas dinâmicas de produção e reflexão g) quer ao nível das escolas quer do tecido empresarial

h) dando sentido prospectivo à tradição e memória do Porto enquanto Cidade de Imagens,
i) numa perspectiva de internacionalização.


Para trás ficava um período durante o qual, para além do trabalho preparatório, fora necessário ultrapassar problemas delicados, designadamente o conflito aberto aberto pelo Ministério da Cultura com a Sociedade Porto 2001 que levara à demissão do seu presidente Artur Santos Silva e à nomeação de uma nova responsável, Teresa Lago. Nessa altura, quando subiam de tom as críticas e insinuações sobre uma alegada incapacidade da equipa de programadores, cuja substituição começara a ser sugerida, uma fuga de informação para os jornais permitiu dar a conhecer em detalhe o trabalho realizado até então.


A divulgação das linhas gerais do conjunto da Programação, bem como as numerosas iniciativas já agendadas, não só veio reforçar a posição dos programadores, mas também permitiu dissipar quaisquer dúvidas quanto ao projecto cultural. A título de exemplo, no jornal Público de 27 de Novembro de 1999 o crítico Augusto M. Seabra, num artigo intitulado Isto é uma Capital Cultural!, escreveu:


“Pois bem, programação cultural há. As linhas gerais do Porto 2001 devem ser saudadas como o mais sério esforço até hoje feito em Portugal de pensar uma cidade em termos culturais, isto é, atender às suas tradições, dimensão, localização internacional, necessidades de requalificação urbana e de oferta de espectáculos, valorização e estímulo do potencial criador e mobilização da diversidade de públicos.”


Recorte do jornal Público de 27 de Novembro de 1999.

Flashforward. Na declaração de abertura contida no Relatório de Avaliação Final de Maço de 2002 do programador responsável da Odisseia nas Imagens, afirma-se:


“No âmbito do enquadramento conceptual do evento Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura o ponto de partida para a Programação de Cinema, Audiovisual e Multimédia foi a prestação de um serviço público em função do qual pudesse equacionar-se a projecção da visibilidade da cidade e da região em termos de uma área estratégica, todavia, ou negligenciada pelos vários poderes ou encarada numa perspectiva meramente instrumental à margem do que é hoje a reflexão sobre o audiovisual.


Pretendeu-se, pois, lançar um debate no sentido de indagar qual o papel do Porto no panorama português promovendo, simultaneamente, as bases de uma política descentralizada, bem como a possibilidade de integração da produção local na esfera do mercado global. Nesse sentido, a Programação foi construída em torno de um evento inovador de grande potencial, multidisciplinar, de carácter estruturante e de longa duração: a Odisseia nas Imagens.


Sessão de encerramento da Odisseia nas Imagens presidida pelo Presidente da República Jorge Sampaio durante a qual foi condecorada a actriz Claudia Cardinale. O auditório grande do Teatro Rivoli esgotou com enorme antecedência.

Vejamos agora os quatro módulos da Odisseia nas Imagens, as formas encontradas para dar resposta ao conjunto das questões preliminares que foram colocadas. Como se disse fá-lo-emos em dois momentos. No primeiro serão avaliados aspectos gerais da Programação e no segundo as matérias relacionadas com os documentários. Em relação a qualquer deles, e especialmente em relação ao segundo, são incluídas notas críticas, por forma a elucidar argumentos que possam contribuir para a pertinência das conclusões.


Continua






























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