Vou falar de túneis. Subitamente, toda a gente com responsabilidades na situação a que isto chegou desatou a glosar o tema onde aparece invariavelmente a referência a uma luzinha num fundo. A meu ver é mais um pisca-pisca, mas está bem, compreendo. Os partidos do governo, sempre desinteressados do futuro deles, mas preocupados com o futuro do país, acharam por bem ligar os faróis de nevoeiro, não vão os portugueses ficar privados de ver a inexpugnável lucidez que construiu os alicerces da “nova normalidade”, expressão que ouvi, não sem admiração, da boca do líder do PSD. Portanto, não vão os cidadãos distraírem-se e deitar tudo a perder daqui a uns meses, a maioria achou por bem sinalizar o caminho que vai dar à luzinha, da qual se fará luz e, por fim, clarão.
Inquestionavelmente, há aqui um campo de possibilidades. Por exemplo, se tudo correr como previsto, ouço na rádio, “em 2015, os transmontanos irão ver a luz em toda a extensão do túnel do Marão”, o qual, acrescenta a notícia, “é o maior da Península Ibérica, com cinco quilómetros de extensão”. Até que enfim, dei comigo a pensar, contente, porque, tratando-se de uma obra indispensável ao desenvolvimento de Trás-os-Montes, me fazia pena ver as máquinas paradas há mais de dois anos por incapacidade financeira do consórcio construtor, sem que o estado desse sinal de capacidade para desbloquear o a situação. Até ao último fim-de-semana. Andando pelo país a promover o plano estratégico da “nova normalidade” Passos Coelho chegou a Bragança e pronto, as obras vão avançar no primeiro semestre de 2014, garantiu ele. Moral da história, pensei eu: um grande túnel exige um grande líder.
Claro que não foi a primeira vez que ouvi o grande líder dar esta mesma notícia. Aliás, até nem faltaram garantias idênticas de um seu secretário de estado há meia dúzia de meses. Mas isso é só política. A substância é outra coisa. É a afirmação de uma vontade reformista comum, por exemplo, ao ministro Pires de Lima quando se desdobra em road shows, ao ministro Crato quando troca a investigação pelo cheque ensino ou ao ministro Mota Soares quando faz prova da quadratura do círculo aumentando pensões e cortando nas reformas. Isto sim, é imaginação. São medidas estruturais. E os resultados estão à vista: aumento das exportações, crescimento económico, quebra no número dos desempregados. São sinais ténues, mas são sinais, reconhecem eles enquanto o relógio pensado para ir além da Troika marca a hora do fim do protectorado que, afinal, nunca quiseram. Foi uma coisa chata, mas teve de ser. Agora, é pensar positivo: vem aí o mês de Maio e com ele a hipótese de uma nova Primavera.
Por isso, também o comissário Barroso viaja. Num dia voa para Atenas e anuncia que a Grécia - um país de tanga, no vocabulário dele - está no bom caminho, não precisa de mais resgates e vai começar a crescer após seis anos consecutivos de recessão. Tem sido duro, mas vejo uma luz ao fundo do túnel, diz ele. Noutro dia está num convento em Espanha para receber o prémio Carlos V da Fundação Academia Europeia de Yuste pelos serviços prestados à União. O primeiro-ministro português não podia faltar. É um exemplo de determinação, elogia-o o ainda comissário. De seguida, o mesmo primeiro-ministro recandidata-se à liderança do PSD e anuncia o perfil do candidato do partido às presidenciais: serve na perfeição ao futuro ex-comissário Barroso. Faz sentido. É tempo de dar sinal de que tudo vai no bom caminho, a tal luzinha.
Episódios de demissões mais ou menos irrevogáveis já lá vão. Os credores puseram em dúvida a receita aplicada? Paciência. Aliás, deviam era ter estado calados. Há problemas? Sim, alguns. Alguns? Bem, a dívida pública continua a crescer com a austeridade. Por acaso, de acordo com o novo Sistema Europeu de Contas deverá aumentar mais 10 pontos percentuais e ultrapassar, segundo o Eurostat, uns inimagináveis 136% do PIB. Pois, mas os juros estão a cair, rejubilam eles. O orçamento de estado aprovado para 2014 e viabilizado pelo Presidente da República resistiu nove dias. O rectificativo avança esta semana. Culpa do Tribunal Constitucional, dizem eles. Todos os meses continuam a emigrar milhares de portugueses. Novas oportunidades, ponderam eles. O que havia para vender foi passado a patacos e, agora, até os quadros do Miró vão viajar. Miró? Está cotado em bolsa, perguntam eles. Os serviços públicos estão como estão, ou seja, ainda não estão como deviam estar, pensam deles. E quando no final deste mês as pessoas virem as suas folhas de salários e de pensões, pois animem-se, confiem na destruição criativa.
Ou seja, nos próximos meses, não faltarão arautos da bondade da tese da luz ao fundo do túnel. Vai ser um festival mediático. Cá dentro e lá fora. A mim, na minha simplicidade, parece-me o seguinte: havendo bom senso, alguma luz poderá fazer-se nas eleições europeias de Maio; mas se esta maioria não for borda fora o que teremos é o túnel ao fim da pouquíssima luz que ainda resta.
(Texto publicado em 2013 por ocasião da campanha do BE "E se virássemos o Porto ao contrário")
Komentar