Começamos pelo fim. O Mundo, um filme do cineasta Jia Zhang-Ke, é uma metáfora da China de hoje. Construído a partir do parque temático de Pequim com o mesmo nome e no qual é possível encontrar réplicas de grandes dimensões de monumentos como o Big Ben, a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade ou as pirâmides do Egipto, o filme aborda a trama de relações que se vão fazendo e desfazendo entre as diversas personagens que, por qualquer razão, partilham aquele espaço que no espaço do ecrã adquire uma espécie de ressonância surreal. E, surreal, porquê? Porque a realidade do parque, pretendendo ser uma representação tangível desse outro mundo exterior que ao longo dos séculos foi impondo a sua marca cultural e civilizacional corresponde, afinal, neste caso, no plano simbólico, à distância onírica que separa o valor de ambas as faces de uma mesma moeda: de um lado, a imagem de um país, a China, onde o crescimento e a modernização não têm paralelo na história recente da humanidade; do outro, a imagem de uma sociedade, a chinesa, aturdida, dividida entre o choque da competitividade e o peso de uma tradição e cultura milenares.
O que parece ser norma do processo de globalização, tal como o vamos conhecendo, é a aplicação de um modelo economicista de desenvolvimento, ou seja, o entendimento da economia como um valor em si mesmo e não como pilar de uma organização social cuja prioridade é o homem e o seu bem estar. Este modelo necessita, naturalmente, de um outro, no plano simbólico, por forma a operar um efeito de legitimação. Para autores como Chomsky é justamente essa a função do sistema de media que opera à escala global. A ele competiria definir as estratégias de sedução e as ilusões necessárias de modo a induzir os consentimentos necessários. Nada, porém, é linear. Pelo contrário, o sistema é em si mesmo contraditório e, como tal, está sujeito a episódios de disfuncionalidade, eventualmente irreversíveis. São características das mensagens dos media, por um lado a entropia e, por outro, aquilo que numa leitura pós-moderna remete para a emancipação do significado na sua relação com o real. No primeiro caso, é requerida alguma forma de capacidade de organização da informação, no segundo, há o inconveniente de a determinada altura a historicidade entrar em conflito com as suas representações.
É justamente neste ponto que encaixa Good Night, and Good Luck de George Clooney. Ao recuperar um mito americano, a liberdade de informação, através de um episódio célebre da história do jornalismo protagonizado pela figura lendária de Edward R. Murrow, Clooney está mais interessado em questionar os dispositivos e as rotinas actuais da produção das notícias na televisão dos Estados Unidos, do que, propriamente, em fazer ressuscitar a “caça às bruxas” do senador Joseph McCarthy. Ou melhor, as inquirições de McCarthy e a coragem demonstrada por Murrow, mesmo perante a ambígua pressão dos seus patrões da CBS, são apenas sinais de alerta para a situação que ameaça, hoje, gerar uma atmosfera de desinformação globalizada, a qual tem na propaganda e no infotainment as suas manifestações mais perversas.
Neste contexto, The City Beautiful, o documentário do cineasta indiano Rahul Roy, surge como uma peça de resistência. A elucidação que faz da vida de duas famílias de tecelões da periferia de Nova Deli, num registo de observação não intrusivo, corresponde ao retrato de uma exclusão social cujos efeitos são simplesmente implosivos, mas cuja visibilidade é praticamente nula ou tratada em termos de faits divers nos media de grande difusão. O mesmo poderia dizer-se de El Cielo Gira de Mercedes Alvarez, uma peregrinação da cineasta ao lugar de origem, Aldealseñor, pequena aldeia de Soria agora reduzida a 14 habitantes e um pintor. Aldealseñor e a sua História de mil anos, em breve, irão desaparecer sem deixar testemunhas. Em qualquer dos casos, com Roy ou Alvarez, o tema é ainda o nosso mundo. Esse mesmo de cujas representações também já tivemos conhecimento no interior de antigas salas de cinema - lugares de mistérios, fantasmagorias e revelações - revisitadas nos filmes experimentais do austríaco Gustav Deutsch numa espécie de corpo a corpo com a memória ou, se quisermos, num combate contra a rarefacção simbólica que parece afectar o nosso tempo.
Finalmente, numa outra perspectiva, Mark Durden toma como ponto de partida a obra de dois fotógrafos contemporâneos, Paul Seawright e Luc Delahaye, para reflectir sobre os caminhos da arte e do fotojornalismo. No caso de Seawright propõe-se fazer uma leitura do seu trabalho no Afeganistão, Hidden, uma encomenda do Imperial War Museum de Londres. Quanto a Luc Delahaye, procurará fixar o olhar numa série de fotografias panorâmicas e sobre acontecimentos da actualidade mundial que passam igualmente pelo Afeganistão, mas, também pela guerra ao Iraque. A guerra e o saque, a cujas representações, muitas vezes, está associado um toque de luxo e glamour, são, afinal, sinais dos tempos.
Que mundo globalizado, então, é este em que vivemos? Quais as suas representações? Como lidar com a construção da realidade e com os seus artifícios? Quais os limites da Fotografia e do Cinema Documental ou, dito de outro modo, até onde vão os seus poderes de revelação do real?
O ciclo Imagens do Real Imaginado – O Mundo, mais do que dar respostas propõe-se motivar a interpelação, suscitar dúvidas e, se possível, pela via da surpresa, seduzir e gerar perplexidade: não será esse o processo mais estimulante para induzir a vontade de conhecimento, seguindo os labirintos cuja exploração também passa pelo prazer do texto?
Novembro, 2006.
Jorge Campos
6 de Novembro
14h.30
Masterclass de Jorge Campos
“De Edward R. Murrow à invasão do Iraque: uma digressão sobre o cinema informativo e o documentário político na América”
17h.30
“Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck)
2005, EUA/RU, 90 min
Realização: George Clooney
Com: David Strathairn, George Clooney, Robert Downey Jr, Patricia Clarkson, Jeff Daniels e Frank Langella
21h.30
“Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck)
2005, EUA/RU, 90 min
Realização: George Clooney
Com: David Strathairn, George Clooney, Robert Downey Jr, Patricia Clarkson, Jeff Daniels e Frank Langella
7 de Novembro
14h.30
“O Céu Gira” (El Cielo Gira)
2004, Espanha, 110 min
Realização: Mercedes Alvarez
Com: Pello Azketa e os habitantes de Aldealseñor
17h.30
Masterclass de Mercedes Alvarez (Espanha)
“El Turista y el Viagero”
21h.30
“O Céu Gira” (El Cielo Gira)
2004, Espanha, 110 min
Realização: Mercedes Alvarez
Com: Pello Azketa e os habitantes de Aldealseñor
8 de Novembro
14h.30
Masterclass de Rahul Roy (India)
“My personal search for meaning”
17h.30
“The City Beautiful”
2003, India, 78 min
Realização/câmara: Rahul Roy
Editor: Reena Mohan
Sound: Asheesh Pandya
21h.30
“The City Beautiful”
2003, India, 78 min
Realização/câmara: Rahul Roy
Editor: Reena Mohan
Sound: Asheesh Pandya
9 de Novembro
(em colaboração com Curtas metragens CRL/Solar Galeria de Arte Cinemática - Vila do Conde e a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto)
14.30
Masterclass de Gustav Deutsch (Austria)
“FILM IST”
17h.30
World Mirror Cinema (WELT SPIEGEL KINO)
2005, Austria, 93min
Realização: Gustav Deutsch
Música de Burkhard Stangl e Christian Fennesz
EPISODIO 1: KINEMATOGRAF THEATER ERDBERG / VIENA / 1912
EPISODIO 2: APOLLO THEATER / Surabaya / 1929
EPISODIO 3: CINEMA SÃO MAMEDE INFESTA / Porto / 1930
21.30
World Mirror Cinema (WELT SPIEGEL KINO)
2005, Austria, 93min
Realização: Gustav Deutsch
Música de Burkhard Stangl e Christian Fennesz
EPISODIO 1: KINEMATOGRAF THEATER ERDBERG / VIENA / 1912
EPISODIO 2: APOLLO THEATER / Surabaya / 1929
EPISODIO 3: CINEMA SÃO MAMEDE INFESTA / Porto / 1930
10 de Novembro
14h.30
Masterclass de Mark Durden (Inglaterra)
Documentário Fotográfico Artístico (Paul Seawright e Luc Delahaye)
17h.30
“O Mundo” (SHI JIE) - 2004, CHINA, 133 min
Realizador: JIA Zhang-ke
Com: Zhao Tao, Chen Taisheng, Jing Jue, Jiang Zhongwei, Wang Yiqun, Wang Hongwei, Liang Jingdong, Xiang Wan, Liu Juan
SINOPSES DOS FILMES
“Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck)
2005, EUA/RU, 90 min
Realização: George Clooney
Com: David Strathairn, George Clooney, Robert Downey Jr, Patricia Clarkson, Jeff Daniels e Frank Langella
A acção de “Boa Noite, e Boa Sorte” decorre na América do início dos anos 50 quando o documentário jornalístico de televisão dava os primeiros passos com Edward R. Murrow em See it Now e a “caça às bruxas” do Senador Joseph McCarthy atingia o paroxismo. Murrow e o seu amigo e produtor Fred Friendly decidem investigar os métodos de McCarthy e preparam uma emissão sobre o assunto. Desafiando as pressões, aliás, ambíguas, da direcção da CBS, bem como as ameaças dos patrocinadores da retirada de financiamentos, Murrow e a sua equipa, enfrentando o medo das represálias, fazem uma série de quatro emissões que ficariam para a história do jornalismo americano. McCarthy não caiu só por causa de See it Now, mas o programa contribuiu seguramente para o levar a responder perante o Senado e para liquidar as suas aspirações políticas. Feito num registo quase documental, com uma extraordinária fotografia a preto e branco, “Boa Noite, e Boa Sorte” reproduz com fidelidade o que foram esses tempos de alucinação persecutória, bem como a primeira grande batalha travada na televisão americana em nome de um jornalismo independente.
“O Céu Gira” (El Cielo Gira)
2004, Espanha, 110 min
Realização: Mercedes Alvarez
Com: Pello Azketa e os habitantes de Aldealseñor
Na Aldealseñor, uma aldeia de Soria, restam hoje 14 habitantes. São a última geração, depois de mil anos de História interrompida. Hoje, a vida continua. Em breve, vai extinguir-se sem deixar testemunhas. Os vizinhos da aldeia e o pintor Pello Azteca partilham algo: as coisas começaram a desaparecer diante dos seus olhos. A narradora volta então às suas origens e assiste a esse final, ao mesmo tempo que procura recuperar a primeira imagem do mundo: a da infância.
“The City Beautiful”
2003, India, 78 min
Realização/câmara: Rahul Roy
Editor: Reena Mohan
Sound: Asheesh Pandya
Sunder Nagri (Cidade Bela) é uma pequena colónia operária nas margens da capital da Índia, Deli. As famílias aqui residentes são, na sua maioria, oriundas de uma comunidade de tecelões. Nos últimos dez anos, por efeito da globalização, assistiram a uma gradual desintegração da tradição do tear manual. As famílias vêem-se obrigadas a enfrentar a mudança bem como a reinventar-se para subsistir. The City Beautiful é, assim, a história de duas famílias que se debatem para dar sentido a um mundo que insiste em empurrá-las para as suas margens. Radha e Bal Krishan encontram-se num momento crítico da sua relação. Bal Krishan não tem trabalho suficiente e é constantemente enganado. O motivo da discórdia é o facto de Radha trabalhar fora de casa. Contudo, no meio dos momentos altos e baixos, conservam a capacidade de rir. Shakuntla e Hira Lal pouco comunicam. Vivem debaixo do mesmo tecto com os filhos, mas são prisioneiros das suas próprias tragédias pessoais.
World Mirror Cinema (WELT SPIEGEL KINO)
2005, Austria, 93min
Realização: Gustav Deutsch
Música de Burkhard Stangl e Christian Fennesz
EPISODIO 1: KINEMATOGRAF THEATER ERDBERG / VIENA / 1912
EPISODIO 2: APOLLO THEATER / Surabaya / 1929
EPISODIO 3: CINEMA SÃO MAMEDE INFESTA / PORTO / 1930
WELT SPIEGEL KINO (O MUNDO ESPELHA O CINEMA) – o título desde logo sugere o seu conteúdo: a reflexão mútua sobre a realidade do mundo e o mundo do cinema.
Sequências documentais encontradas dos primeiros tempos da cinematografia oferecem um ponto de partida em que o cinema é objecto de auto-reflexão: registos cinematográficos mostrando cinemas nos seus ambientes urbanos – incluindo a vida nas ruas, os transeuntes, circunstantes curiosos e as suas reacções à câmara. O segundo ponto de partida compreende os filmes que fazem parte da programação destes cinemas e os títulos destes filmes que vemos nos cartazes publicitários dos cinemas.
WELT SPIEGEL KINO – permite que a realidade da rua à porta dos cinemas e o mundo do cinema entrem num diálogo cinemático. Personagens individuais, que são representativos de uma posição social idealizada, são arrancados ao fluxo dos transeuntes. Estes personagens são apresentados em retratos fictícios compilados a partir de materiais de arquivo dos mesmos lugares e época. Estes retratos proporcionam um contraponto aos protagonistas individuais dos filmes – que estão a ser passados nos cinemas respectivos – sob a forma de uma citação de filme.
“O Mundo” (SHI JIE)
2004, CHINA, 133 min
Realizador: JIA Zhang-ke
Com: Zhao Tao, Chen Taisheng, Jing Jue, Jiang Zhongwei, Wang Yiqun, Wang Hongwei, Liang Jingdong, Xiang Wan, Liu Juan
Tao está a viver um sonho no World Park, um lugar onde os visitantes podem ver monumentos internacionais famosos sem terem de deixar os subúrbios de Pequim. A bela e jovem dançarina e as suas amigas executam, diariamente, no parque, espectáculos com temas sumptuosos, entre réplicas do Taj Mahal, da torre Eiffel, da Praça de São Marcos, do Big Ben e das Pirâmides do Egipto. Tao e o seu namorado, Taisheng, que trabalha como segurança no parque, mudaram-se há alguns anos para a cidade grande vindos das províncias do Norte. O seu relacionamento entrou agora numa encruzilhada. Taisheng apaixonou-se por Qun, uma designer de moda que conhece numa viagem de regresso a casa. As companheiras de Tao têm as suas próprias viagens sentimentais. Xiaowei questiona o seu futuro com o seu namorado irresponsável, Niu. Entretanto, Youyou usa o romance como vantagem para as suas ambições profissionais. Nem todos os que vêm para Pequim conseguem arranjar um emprego onde os jogos de SMS sejam aceites como parte da vida diária. Muitos, como o artífice Erxiao, experimentam uma realidade muito mais dura. Mas, apesar do divertimento e da magia, mesmo os microcosmos do parque são vulneráveis à mudança. Para Tao e os que estão em torno dela, haverá casamentos e separações, lealdades e infidelidades, alegrias e tragédias. No meio de toda esta trama de relações pessoais, O Mundo, afinal, não é mais do que uma metáfora da China actual, um imenso país de tradições seculares perante o impacto de um crescimento sem precedentes na era da globalização.
SINOPSES DAS MASTERCLASSES
Masterclass de Jorge Campos (Portugal)
“De Edward R. Murrow à invasão do Iraque: uma digressão sobre o cinema informativo e o documentário político na América”
O cinema informativo ocupa um lugar importante e, muitas vezes, negligenciado na História do Cinema. Citzen Kane de Orson Welles começa com uma paródia a March of Time, newsreels que influenciaram fortemente o filme documentário dos anos 30 e 40 e muitos dos seus praticantes, entre os quais, John Grierson. Este cinema informativo podia ser frívolo, formalmente descuidado e até recorrer, amiúde, a falsificações. Zelig de Woody Allen tem a ver com tudo isso. Mas, também soube elevar-se a outros patamares, mesmo quando surgiu abertamente ligado à propaganda pela mão de mestres como Capra, Ford, Wyler ou Huston, para citar apenas alguns. No início dos anos 50, enquanto os cineastas franceses se batiam por um cinema de autor de forte ressonância poética e criativa, na América o documentário entrava na televisão pela mão de Edward R. Murrow e ajustava-se, não apenas às características do medium, mas também ao conceito de objectividade que serve às rotinas de produção das notícias. Em plena “caça às bruxas”, Murrow afronta o senador McCarthy, e vence. Mas, a partir de então, o documentário jornalístico americano, ao invés de prosseguir uma via atenta, criativa e acutilante, institucionaliza-se e serve fundamentalmente para legitimar a ideologia da Guerra Fria veiculada a partir da Casa Branca. Os campeões do cinema directo dos anos 60 ainda acreditam na possibilidade de um novo tipo de jornalismo televisivo, mas em breve se desiludem. Seria fora da televisão que fariam os seus melhores filmes. Com Wiseman e o seu método de observação algo de verdadeiramente diferente voltou a acontecer. A partir de então, o documentário americano foi assumindo uma grande variedade de formas e, no âmbito do cinema independente, tem vindo a produzir múltiplas obras de enorme contundência política. Ironicamente, o grande responsável por este surto parece ser George W. Bussh. O meu método de exposição basear-se-á, fundamentalmente, no comentário a excertos de filmes que exemplificam este percurso.
Masterclass de Mercedes Alvarez (Espanha)
“El Turista y el Viagero”
Existen, entre otras, dos formas de hacer un documental. Del mismo modo que existen dos formas de realizar un viaje, como un turista o como un viajero. El turista tiene todos los preparativos hechos. Sabe las cosas que verá, como y en qué momento, y las cosas que sentirá. Su viaje preparado y su viaje realizado son el mismo. El viajero no sabe lo que encontrará, sale a la deriva. No sabe de un modo claro lo que busca. Debe extraviarse y dar un rodeo para encontrarlo.
Masterclass de Rahul Roy (India)
“My personal search for meaning”
The documentary as I see it is my personal search for meaning through forging unusual filmic relationships that reveal as much the world to me as me to the world. It is a conscious decision to enter territories of thoughts, dreams and silences that form the everyday but yet are stories of great tragedies and loss. It has been suggested that the documentary is an empirical art form. It is constructed out of fragments or passages of observed events and objects to reflect on the real world. This raises two important issues, one, does the form employed predetermine the fragments and objects to be 'found' and two, is the issue of documentary as an art form. In this seminar, we will examine these two aspects of the documentary in the context of my own journey as a film maker and of my colleagues in India.
Masterclass de Gustav Deutsch (Austria)
“FILM IST.”
’Uma rapariga de um tempo ido pegou num punhado de cinzas e lançou-as ao ar e as faúlhas transformaram-se em estrelas’.
(Um conto boximane)
"FILM IST." é uma declaração reflexiva. O cinema existe sem qualquer definição. O cinema – entendido como meio para a produção de imagens em movimento por meio da luz – é um fenómeno óptico e não uma invenção de seres humanos. O primeiro cinema foi uma caverna na qual raios de luz, reflectidos do mundo exterior, entrando através de um pequeno orifício, produziam uma imagem do mundo exterior, invertida e ao contrário, imediatamente depois de a crosta terrestre ter começado a solidificar-se. Uma câmara escura para forças elementares. O curso das estrelas, as fases da lua, eclipses do sol e da lua, relâmpagos – imagens de luz na cabina de projecção do céu. Inspiração periodicamente recorrente para os mitos dos povos da Terra. Os protagonistas permanentes do cinema mundial.
Nesta masterclass apresentarei e discutirei:
A panorâmica de 360 graus do mar Egeu, criada pela CAMERA OBSCURA na ilha de Aegina/Grécia, que está erigida sobre os alicerces de uma plataforma de artilharia alemã da Segunda Guerra Mundial.
Sequências filmadas hindus com legendas em persa e francês, que encontrei nas ruas de Casablanca, perdidas por um transportador de bobinas entre dois cinemas.
O filme de um arranha-céus em chamas em película de nitrato, do proprietário de um cinema croata, fortemente danificada pela água, que tinha sobrevivido a duas guerras mundiais numa cave austríaca.
Uma cópia de trabalho de uma telenovela brasileira contendo dois fotogramas de cada cena a ser usada na determinação de tempos de exposição, com notas sobre filtros e valores fotométricos, que era usada por uma empregada de limpeza em São Paulo para lavar os ladrilhos do pavimento de uma casa de banho.
Sequências desactivadas de um filme de longa metragem de 35 mm com códigos binários perfurados que Konrad Zuses usou no primeiro computador de cálculo cem por cento operacional que construiu na sala de estar de casa dos pais, em Berlim, em 1936.
· O subcapítulo 9.3.5 (Rodagem) do subcapítulo 9.3 (Primeiro contacto) do capítulo 9 (Conquista) da imagoteca de FILM IST.7-12
· Capítulo 9 (conquista) de FILM IST.7-12
Masterclass de Mark Durden (Inglaterra)
Documentário Fotográfico Artístico (Paul Seawright e Luc Delahaye)
Tratarei de questões resultantes da intersecção entre o fotojornalismo e a arte, em particular o trabalho de Paul Seawright no Afeganistão, Hidden, 2003, encomendado pelo Imperial War Museum de Londres, e a passagem de Luc Delahaye do fotojornalismo à arte através de uma série de fotografias panorâmicas e acontecimentos da actualidade mundial, desde a guerra no Afeganistão ao Iraque.
Seawright é um artista cuja obra se enquadra numa tradição particular do documentário artístico, em reacção ao conflito na sua cidade natal, Belfast. Tendo estudado com Paul Graham e Martin Parr, o seu trabalho combina o documentário artístico com uma admonitória relação modernista com a capacidade chocante, explícita e reveladora (e distanciamento dela) da fotografia documental, particularmente no seu papel dentro do fotojornalismo. Na essência, o modernismo é anti-realista. A sua obra está imbuída de uma rejeição do género de imaginário fotojornalístico que veio a dominar a cobertura que a imprensa fez da guerra na sua terra natal. O facto de ter chegado ao Afeganistão depois de muita da devastação ter sido infligida ao país permitiu-lhe prosseguir a estética documental minimalista, com a sua perspectiva da margem do ardor do conflito, que havia estabelecido com o seu trabalho em Belfast.
Delahaye chega à arte vindo do fotojornalismo e tem vindo a produzir imagens muito menos moderadas do que as de Seawright. Elas tiram pleno partido desse aspecto revelador e criador de sensações da capacidade da fotografia de evidenciar acontecimentos e explorar a prevalência da fotografia realista a cores de grande formato no mercado artístico - Andreas Gursky, Jeff Wall, Thomas Struth. Delahaye usa uma antiga câmara panorâmica a fim de nos mostrar uma visão maior e mais abrangente, numa posição de recuo que contraria o princípio de proximidade do fotógrafo de guerra de Robert Capa. Carregadas de pormenor, as suas fotografias possuem uma grandeza e importância, assumem uma solenidade histórica e opõem-se à instantaneidade e subsequente obsolescência imediata da imagem noticiosa mediática. Revivem a ideia de a história pintar através da fotografia. Comparada com o eufemismo modernista de Seawright, a táctica de Delahaye é intrinsecamente pictórica e espectacular.
A galeria de arte ou o livro fotográfico proporciona decerto um contexto mais aberto e menos restrito do que o jornal ou a revista e pode permitir ao fotógrafo a transmissão de informação e percepções sobre determinados conflitos e situações, desvalorizados ou deficientemente representados pelos meios noticiosos. Ao mesmo tempo, enquanto arte, este trabalho destaca as tensões irresolúveis entre a beleza e a estética no que diz respeito à representação de focos de conflito, dor e sofrimento. Em termos da circulação das obras como bens artísticos de luxo, o que elas revelam amplia as contradições e o abismo entre os excessos da sua celebração e aprazimento de primeiro mundo e o espectáculo dos “outros mundos” que apresentam, países e territórios assolados por uma violência e destruição que é muitas vezes parte integrante da manutenção do Ocidente da sua ordem primeiro-mundista e dos seus opulentos excessos.
Dados Biográficos
Jorge Campos é jornalista, documentarista, programador cultural e professor do Ensino Superior. Desempenha funções de assessor de Coordenação do Curso de Comunicação Audiovisual do Instituto Politécnico do Porto, onde lecciona as disciplinas de Cinema e é responsável pela área científica de Estudos Visuais. Foi o Programador responsável pelo Departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura. Trabalhou na Imprensa, Rádio e Televisão, tendo sido jornalista da RTP durante 25 anos, durante os quais muitos dos seus trabalhos foram premiados ou distinguidos. Entre outros, Galápagos – As Ilhas Encantadas (Açor de Bronze na categoria de Reportagem na Mostra Atlântica de Televisão), “Tuaregues” no Tecto do Mundo (Menção Honrosa Melhor Documentário Português no Festival de Cinema Documental da Amascultura), Nadir (Prémio Gazeta de Televisão do Clube de Jornalistas, Prémio de Cultura Sampaio Bruno do Clube de Jornalistas do Porto, Menção Honrosa do Clube Português de Imprensa, Selecção Oficial do Festival du Scoop et Journalisme de Angers), A Regata do Infante (Menção Honrosa do Clube Português de Imprensa), Torga (Menção Honrosa do Clube Português de Imprensa), Eugénio de Andrade – O Poeta (seleccionado para representar a RTP no Prix Europe de Televisão 1993). Faz parte de diversos grupos de trabalho de âmbito nacional e internacional, cujo objectivo é fomentar o ensino e prática no Ensino Superior numa perspectiva profissionalizante.
Mercedes Álvarez realizou em 1997 a curta-metragem “El viento africano”. A partir de 1998, resolveu dedicar-se à linguagem documental, tendo participado no Master de Documental de Creación da Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Foi montadora da longa-metragem “En Construcción” de José Luis Guerín, a qual ganhou em 2001 o Goya de Melhor Documentário, bem como o Prémio do Júri no Festival de San Sebastián. O seu documentário “O Céu Gira” (2004) é igualmente uma criação no âmbito do curso de mestrado da Universidad Pompeu Fabra, tendo contado com a participação do director Jordi Balló, bem como com a colaboração de mestrandos e o apoio do ICAA, Canal +, dos governos de Navarra e do País Basco e das juntas de Castilla e León. “O Céu Gira” tem conquistado prémios em todos os festivais por onde tem passado, nomeadamente, o Grande Prémio no Cinéma du Réel de Paris (atribuído por um júri onde marcavam presença Jia Zhang-Ke e Ross McEIwee), vencedor do VPRO Tiger Award no Festival de Roterdão e o prémio de Melhor Filme no Festival de Cinema Independente de Buenos Aires.
Rahul Roy concluiu o seu mestrado em Produção de Cinema e Televisão, em 1987, no Mass Communication Research Centre, Jamia Millia Islamia, em Nova Deli, e desde então, tem trabalhado na área do documentário como cineasta independente. É bolseiro da MacArthur Foundation Fellowship na India. Os seus documentátios têm sido apresentados nos principais festivais internacionais, nomeadamente o IDFA, Munique, Leipzig, Paris, Cracóvia, Hawai, Yamagata, Lisboa, Bruxelas e Katmandu . Os seus últimos três filmes, “When Four Friends Meet”, “Majma (Performance)” e “The City Beautiful” examinam os cruzamentos entre o homem, o trabalho e a cidade, sendo conhecidos pelo modo como criam e revelam os ambientes de intimidade no âmbito das relações pessoais e familiares com o mundo. Tem sido distinguido por diversas vezes, nomeadamente com o prémio Basil Wright no Festival Internacional de Cinema da RAI e com o Prix International de la Scam do Festival du Cinéma du Réel de Paris. De momento trabalha no seu quarto filme, o qual propõe um olhar sobre a classe operária de Nova Deli.
Gustav Deutch nasceu em 1952 em Viena. Entre 1970-1979 estuda arquitectura. Entre 1980-1983 é membro da Medienwerkstatt Wien, trabalhando em vídeo desde 1983. Membro do Grupo Artístico Internacional Der Blaue Kompressor Floating & Stomping Company. Desde 1985 trabalha com Hanna Schimek, tendo realizado, desde 1989, numerosas obras cinematográficas. É desde 1997 membro da sixpackfilm, e desde 2001 membro de After Image Productions. Realizou trabalhos sobre a fenomenologia do meio cinematográfico. Dedica-se à investigação artística. Tem realizado projectos desde 1985 com Hanna Schimek, e desde 1997 projectos sob a designação D&S.
Mark Durden ganhou reputação como especialista em fotografia e arte contemporânea. Como artista expõe regularmente tanto no seu país quanto internacionalmente enquanto membro do grupo "Common Culture", criado em 1997,o qual, actualmente, é constituído por ele próprio e por David Campbell. As suas numerosas publicações incluem textos sobre Paul Seawright, Wolfgang Tillmans, John Szarkowski, Paul Graham, David Goldblatt, John Goto, Sophy Rickett, Tracey Emin, Andres Serrano, Dorothea Lange, Mark Lewis, Joachim Schmid, Martina Mullaney e Peter Finnemore. Em Outubro de 2004 foi o comissário da importante Exposição de Fotografia Documental “American FSA documentary photographs for The Lowry”. Acaba de publicar o seu último livro sobre Teoria da Fotografia. Durden estudou Belas Artes no Exeter College of Art and Design e na Glasgow School of Arts e fez primeiro, o mestrado e, depois, o doutoramento em História e Teoria da Arte na University of Kent. Leitor em História e Teoria da Fotografia na University of Derby em 2002 assumiu, no ano seguinte, a direcção do Curso.
Coordenação: Olívia Silva
Programação: Jorge Campos
Produção: Cesário M. F. Alves
José Quinta Ferreira
Formação: Manuel Taboada
Nuno Tudela
Marco Conceição
Design: Vítor Quelhas
Secretariado: Carla dias
Apoio técnico: Serviços de Vìdeo /IPP
Serviços de Fotografia /IPP
Apoios Institucionais e Comerciais
Instituto Politécnico do Porto
Caixa Geral de Depósitos
Curtas Metragens CRL
Solar - Galeria de Arte Cinemática
Faculdade de Belas Artes da U P
Prológica
Xerox
Power Focus
Prosonic
Auvid científico
GTC
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