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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR


Palma de Ouro da curta-metragem no Festival de Cannes de 1958, La Seine a rencontré Paris é uma pequena obra-prima do cinema documental. Numa primeira impressão, o que se vê são parisienses nas margens do rio com a grande cidade em pano de fundo. Evidentemente, é muito mais do que isso. A ideia partiu do historiador e crítico de cinema Georges Sadoul, creditado na ficha técnica, e o filme inscreve-se na tendência poética presente em toda a obra de Ivens, mesmo nos filmes politicamente mais empenhados, os quais, em diferentes tempos históricos, fizeram dele persona non grata em vários lugares do globo.


Neste caso, também há pinceladas de crítica social que resultam, essencialmente, da subtileza da montagem dialética de Gizèle Chéseau, a qual, através de pequenos sinais, vai mostrando as contradições da paisagem humana. O que prevalece no filme, no entanto, é o olhar despojado de um ensaio cinematográfico cuja matriz aponta para a avant-garde dos anos 20, em particular as sinfonias das cidades, embora sem a complexa organização textual que lhes está habitualmente associada. Mas, há, é claro, algo mais. Por um lado, a influência de Cartier-Bresson, em modo vérité, digamos assim. Por outro, a de Robert Doisneau, outro mestre da imagem fixa, que, nos anos 40 e 50, soube mostrar a gente de Paris como ninguém mais. E, já agora, acrescentar que La Seine a rencontré Paris foi filmado por André Dumaître, um cúmplice com quem Ivens voltaria a trabalhar em Le Mistral (1965).



Joris Ivens. Fonte: PARIS à NU
Joris Ivens. Fonte: PARIS à NU

Joris Ivens em Paris. Sem prescindir da errância habitual, que lhe valeu o epíteto de “Holandês Voador”, o cineasta foi viver para a capital francesa na sequência de uma longa controvérsia gerada em torno de Indonesia Calling (1946), um documentário produzido com fundos da australiana Waterside Workers' Federation. Encarado pelo governo da Holanda como um incentivo à autodeterminação da colónia, o filme foi censurado e Ivens, alvo de represálias. Entre outras, passou a ter os movimentos vigiados e viu o passaporte apreendido. Anos mais tarde, as autoridades dos Países Baixos viriam a lamentar publicamente a decisão. Fosse como fosse, Ivens acabou por fixar residência em Paris, que conhecia bem, e integrou-se facilmente na sua vida cultural e política. Desenvolveu uma verdadeira paixão pela cidade, denominador comum a todos os participantes da aventura de La Seine a rencontré Paris, em especial Jacques Prévert. Sobre a génese do filme, diria :


"J’étais amoureux de Paris. L’idée de départ, c’était la rencontre du fleuve et de Paris. C’est devenu un film sur les parisiens et ce qu’ils viennent chercher auprès de la Seine, ce qu’ elle leur donne. Le poème de Prévert a été fait après le tournage du film. Prévert a vu les images, a écrit un poème et il m’a dit: “Fais-en ce que tu veux”.


Portanto, se a ideia do filme foi de Sadoul, o texto que o acompanha é do poeta mais conhecido de França à época. Homem de espírito livre, com grande sentido de humor, Prévert não se inibia de ridicularizar as instituições e de satirizar os seus protocolos e titulares. Opositor da guerra, ligado aos movimentos pacifistas, implacável com o jogo de máscaras do poder, foi também um notável um notável escritor para o cinema. Nos anos 30 e 40, trabalhou em argumentos e diálogos de uma vintena de filmes. Entre outros, clássicos como Le Crime de monsieur Lange (1936) de Jean Renoir e Quai des brumes (1938) e Les Enfants du paradis (1945), ambos de Marcel Carné (1945). Noutra vertente, poemas da sua autoria foram interpretados por grandes nomes da chanson française como Ives Montand, Juliette Gréco, Edith Piaf e Serge Gainsbourg, o que fez dele uma figura imensamente popular.


Começa assim La Seine a rencontré Paris:


Qui est là

Toujours là dans la ville

Et qui pourtant sans cesse arrive

Et qui pourtant sans cesse s’en va


É um convite à descoberta do rio, de quem chega e de quem parte. Lido por outro gigante da canção, Serge Reggiani, o texto é belíssimo. Todavia, esclareço que utilizo aqui o verbo ler com relutância. Talvez recitar fosse mais adequado. Ou então, dizer. Não é uma questão menor. Escrever para o cinema documental impõe, as mais das vezes, que o texto seja redigido para ser dito, não lido, e só, eventualmente, recitado. Ora a palavra, na interpretação de Reggiani, é indissociável da modulação poética intrínseca às imagens do filme, ao que elas nos dizem. Se levanto a questão é porque som, voz e texto, dadas as múltiplas possibilidades combinatórias, viriam a ser uma preocupação central de Joris Ivens a partir do momento em que nasceu o cinema sonoro. Veja-se, a propósito, a sua primeira incursão nesse domínio, o extraordinário Philips-Radio (1931), encomenda da marca Philips. Ou as diferentes colaborações nesse domínio, designadamente, com o seu amigo Chris Marker, por exemplo, em ... à Valparaiso (1963).


Antecedentes, ideia, contexto. O primeiro rascunho de La Seine a rencontré Paris previa quatro partes correspondentes a outros tantos momentos identificados com o quotidiano das pessoas ao longo das margens do rio. O percurso culminava com cenas nas quais prevalecia a iconografia de monumentos tão conhecidos quanto a Catedral de Notre-Dame e a Torre Eiffel. A versão final não se afastou grandemente desse propósito. Mas fez sobressair os pormenores da vida a ser vivida quer em função do princípio do momento decisivo de Cartier-Bresson, quer de reconstruções, às quais Ivens recorria com frequência.



Gente a trabalhar
Gente a trabalhar
 Intimidade
Intimidade
Crianças com Notre-Dame em fundo
Crianças com Notre-Dame em fundo

Numa primeira impressão, não fosse a questão do método, o guião não seria muito diferente dos da maioria dos numerosos filmes sobre o Sena realizados ao longo dos anos, sobretudo entre 1953 e 1959, quando o chamado Grupo dos Trinta deu nova vida ao documentário. Criado no pós-guerra para defender a curta-metragem francesa, o Grupo que, na verdade, chegou a mobilizar mais de uma centena de cineastas, juntava, entre outros, Alain Resnais, Pierre Kast, Chris Marker, Agnés Varda e Georges Franju. Boa parte viria a estar na primeira linha da Nouvelle Vague.


Ao contrário do que, por vezes, se pensa, o Grupo dos Trinta nunca se constituiu como algo de semelhante a uma unidade de produção. Porém, apesar da maioria dos filmes ser patrocinada por entidades patronais, culturais, sindicais ou outras, isso não impediu a concretização de obras que são, hoje, de referência do documentário francês. A título de mero exemplo, vejam-se os casos singularíssimos de Toute la Mémoire du Monde (1956) de Alain Resnais, sobre a Biblioteca Nacional Francesa, e de Dimanche à Pékin (1955) de Chris Marker, uma incursão improvável na grande cidade chinesa onde até aparece um urso de nome... Joris Ivens.


Também houve quem tratasse temas traumáticos como as guerras da Indochina e da Argélia, bem como a descolonização. Destaca-se, neste caso, o intemporal Les statues meurent aussi (1953) de Resnais, Marker e Cloquet que é, simultaneamente, um ensaio sobre a arte negra, um panfleto anti-colonial e um alerta sobre as visões etnocêntricas do mundo. Acrescente-se, ainda, o seguinte. Mesmo em obras com propósitos mais turísticos ou comerciais, encontram-se filmes estética e formalmente relevantes. Agnés Varda fê-los. Sendo o caso francês excepcional, e deixando de lado a debilidade de boa parte dos filmes de índole informativa e propagandística do pós-guerra financiados pelo Plano Marshall, nem por isso deve deixar de se sinalizar a pujança da produção documental europeia da década. De tal modo que o teórico e crítico de cinema Roger Odin, numa obra por ele coordenada reunindo textos de diversos autores europeus, olha para os anos 50 como L’Âge d’or du documentaire, o título do livro.



 Dimanche à Pékin (1955) de Chris Marker.
Dimanche à Pékin (1955) de Chris Marker.
  Les statues meurent aussi (1953) de Alain Resnais, Chris Marker e Ghislain Cloquet.
Les statues meurent aussi (1953) de Alain Resnais, Chris Marker e Ghislain Cloquet.
Toute la Mémoire du Monde (1956) de Alain Resnais
Toute la Mémoire du Monde (1956) de Alain Resnais

Foi, pois, nesta Idade de ouro do documentário que Ivens, conhecedor profundo quer do cinema europeu quer do soviético, com o qual trabalhou, decidiu fazer o filme segundo a ideia Sadoul. Às vezes, sendo autor de um cinema marcadamente político, segundo dizia, apetecia-lhe fazer outras coisas. Terá sido o caso. La Seine não foi, porém, a sua primeira incursão cinematográfica centrada na capital francesa. Na verdade, trinta anos antes, numa altura em que os filmes sinfonia exprimiam o fascínio dos autores pelas cidades, fez Études des mouvements à Paris (1927), uma curta-metragem experimental de apenas cinco minutos.


No ano seguinte, um outro pequeno filme, De Brug (A Ponte), chamaria pela primeira vez a atenção sobre Joris Ivens enquanto cineasta. E, logo a seguir, em 1929, surgiu Regen (Chuva) obra de referência daquilo a que Sadoul chamaria "la troisième avant-garde". Por essa altura, Ivens tinha já fundado com o escritor Menno ter Braak a Nederlandsche Filmeliga, associação que, entre outros objetivos, se propunha divulgar o cinema de vanguarda soviético, bem como os filmes abstratos de cineastas como Hans Richter, Walther Ruttmann e Viking Eggeling.


De Brug explora visualmente a estrutura da recém-construída ponte de Koningshaven, em Roterdão com a sua complexa mecânica de articulações posta em marcha pelo desempenho dos trabalhadores. Explorando plasticamente linhas verticais e horizontais, bem como a luz do dia, Ivens compõe uma tela na qual figuração e abstração criam uma vibração poética latente em todo o filme. O mesmo sucede com Regen, feito em parceria com o cineasta Mannus Franken, cujo nome, por razões que não cabem nestas linhas, viria a ser progressivamente obliterado. Regen é um filme sobre um dia de chuva em Amesterdão. Ou era suposto ser. Numa carta dirigida a este mesmo Mannus Franken, datada de Outubro de 1927, Ivens dava conta de uma extraordinária experiência. Dizia que andava à chuva, filmava, olhava, voltava a filmar, voltava a olhar, e que esse método lhe proporcionava uma espécie de metamorfose reveladora, que ia para além da chuva propriamente dita. Num ensaio publicado em 1930 intitulado The Spirit of Film, o teórico, crítico e cineasta húngaro Béla Balázs, alinhava pelo mesmo diapasão:


“The rain we see in the Ivens film is not one particular rain which fell somewhere, some time. These visual impressions are not bound into unity by any conception of time and space. With subtle sensitivity he has captured, not what rain really is, but what it looks like when a soft spring rain drips off leaves, the surface of a pond gets goose-flesh from the rain, a solitary raindrop hesitatingly gropes its way down a windowpane, or the wet pavement reflects the life of a city. We get a hundred visual impressions, but never the things themselves; nor do these interest us in such films. All we want to see are the individual, intimate, surprising optical effects. Not the things but their pictures constitute our experience and we do not think of any objects outside the impression. There are in fact no concrete objects behind such pictures, which are images, not reproductions.” (Béla Balázs, Béla Balázs : Early film theory : Visible man and the spirit of film (New York: Berghahn Books, 2011), 160-161.)



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De certo modo, pode dizer-se que com La Seine a rencontré Paris Joris Ivens como que retoma os caminhos de De Brug e Regen. É certo, mas a questão não se esgota aí.

Em primeiro lugar, por razões ideológicas, as mais das vezes ausentes da memória e mescladas de ignorância, voltaram os juízos sobre um cineasta retórico, cujos filmes estão datados, fora do tempo. Não surpreende, atendendo, justamente, aos sinais do tempo. Por isso, reitero: não há filmes de Joris Ivens sem espessura poética. Mas, para o entender, é preciso pensar o olhar.


Em segundo lugar, entre as sinfonias urbanas do cineasta nos anos 20 e La Seine a rencontré Paris há uma diferença substancial. O quê? A paisagem humana. Se nas duas primeiras prevalece o formalismo que permite a composição de telas impressionistas nas quais as pessoas como que se dissolvem na textura, o que ganha maior relevância textual no filme do rio Sena são justamente as pessoas, a vida a ser vivida. A ideia inicial de Georges Sadoul, aliás, passava por aí, ou não fosse ele próprio um admirador do mestre do moment decisive, Henri Cartier-Bresson. E quanto às palavras de Jacques Prévert, que dizer? Pois sintetizam um universo do qual faz parte a cidade, as pessoas que a habitam e um rio. O que é, então, o rio, o Sena? Às imagens de Dumaître/Ivens, junte-se a voz de Reggiani que diz:


C’est un fleuve

répond un enfant

un devineur de devinettes

Et puis l’œil brillant il ajoute

Et le fleuve s’appelle la Seine

Quand la ville s’appelle Paris

et la Seine c’est comme une personne

Des fois elle court elle va très vite

elle presse le pas quand tombe le soir

Des fois au printemps elle s’arrête

et vous regarde comme un miroir

et elle pleure si vous pleurez

ou sourit pour vous consoler

et toujours elle éclate de rire

quand arrive le soleil d’été



Jacques Prévert, figura do “realismo poético” no cinema e com presença, por vezes tumultuosa, no surrealismo. Ainda sobre o Sena: “C'est pas un fleuve la Seine, c'est l'amour en personne, c'est ma petite rivière à moi, mon petit point du jour, mon petit tour du monde, les vacances de ma vie.” Fonte: PARIS à NU.
Jacques Prévert, figura do “realismo poético” no cinema e com presença, por vezes tumultuosa, no surrealismo. Ainda sobre o Sena: “C'est pas un fleuve la Seine, c'est l'amour en personne, c'est ma petite rivière à moi, mon petit point du jour, mon petit tour du monde, les vacances de ma vie.” Fonte: PARIS à NU.

George Sadoul construiu a ideia para La Seine a Rencontré Paris a partir de legendas que escreveu para fotografias de Henri Cartier-Bresson. Sadoul foi casado com uma irmã do fotógrafo. Fonte: érudit/ CINéMAS.
George Sadoul construiu a ideia para La Seine a Rencontré Paris a partir de legendas que escreveu para fotografias de Henri Cartier-Bresson. Sadoul foi casado com uma irmã do fotógrafo. Fonte: érudit/ CINéMAS.

Ivens, o humanista. Longe do fascínio futurista das grandes sinfonias, por exemplo, Berlin - Die Sinfonie der GroBstadt (1927) de Walter Ruttmann ou O Homem da Câmara de Filmar (1929) de Dziga Vertov, La Seine a rencontré Paris foi, por vezes, descrito como une petite valse musette, género musical muito popular, habitualmente animado pelo acordeão, dançante, tipicamente parisiense. Tal dever-se-á, certamente, à leveza, fluidez dos movimentos, agilidade da montagem, ironia do olhar, simpatia por gentes de todas as classes surpreendidas na sua espontaneidade. Na verdade, em algumas cenas, Ivens não se inibiu de utilizar a câmara oculta para mostrar a vida tal qual, como preconizava o seu mestre Vertov. Mas, como se disse, há também reconstruções. É o caso dos modelos femininos que se exibem para os fotógrafos de moda numa das margens do rio. Quer o reconstruído dissimulado quer o natural espontâneo, produzindo um efeito de contraste quase subliminar, são essenciais à criação da atmosfera do filme, discretamente sublinhada pelo encantamento da partitura musical de Philippe Bloch. Há um bateau mouche que navega as águas do rio. Há os parisienses nas margens. Há a grande cidade em fundo, sentida como o encantamento de uma melodia:


Il était une fois la Seine

il était une fois

il était une fois l’amour,

il était une fois le malheur

et une autre fois l’oubli

Il était une fois la Seine

il était une fois la vie.



Em La Seine a rencontré Paris (1957), Joris Ivens recorre, de quando em vez, à câmara oculta. A título de curiosidade, veja-se o que disse em The Camera and I: “I used certain technical means of cinéma vérité. But in any case I’ve always personally sought the truth. Basically, cinéma vérité is not entirely a new school: it corresponds today to the desire we once felt – Flaherty, Vertov, myself and others – to have a living camera, that could go and come like someone without being noticed.”
Em La Seine a rencontré Paris (1957), Joris Ivens recorre, de quando em vez, à câmara oculta. A título de curiosidade, veja-se o que disse em The Camera and I: “I used certain technical means of cinéma vérité. But in any case I’ve always personally sought the truth. Basically, cinéma vérité is not entirely a new school: it corresponds today to the desire we once felt – Flaherty, Vertov, myself and others – to have a living camera, that could go and come like someone without being noticed.”

JC/Arquivos (1994-2025)

 
 
 
  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 17 de dez. de 2024
  • 21 min de leitura

 

“Não há filme político sem moralidade, não há filme político sem teologia, não há filme político sem misticismo.”

                                                                          Jean-Marie Straub

 

Jean-Marie Straub tinha 81 anos quando fez Kommunisten (2014) em homenagem aos resistentes comunistas, bem como à sua mulher, Danièle Huillet, entretanto falecida. Com textos de autores como André Malraux, Elio Vittorini, Mahmoud Hussein, Franco Fortini e Friedrich Hölderlin, o filme evoca episódios de um longo período histórico no qual o cineasta foi observador e interveniente, não se eximindo de produzir, frequentemente, declarações incendiárias. No seu capítulo final, Kommunisten faz a encenação da utopia de um Mundo Novo (Neue Welt), livre da exploração, onde se dá o reencontro do homem com a natureza. Indissociável do materialismo histórico e da luta de classes, este comunismo ecológico resulta da praxis quotidiana assente na dialéctica, que é condição da liberdade. Nos últimos anos de vida, Straub costumava dizer ironicamente “sou um velho estalinista.” Não era. Não há lugar para o dogma na sua obra, que é, também, a obra de Huillet. Pelo contrário, os seus filmes convocam o pensamento, apelam à cultura e à memória, contrariam o caos simbólico: exigem perguntas. Kommunisten não foge à regra. Face à desrealização do real no mundo contemporâneo não é coisa pouca.  

 

Em função da narrativa construída a partir de argumentos marxistas, poder-se-ia pensar ser um filme de mensagem retórica linear, porventura, a expressão nostálgica de uma outra ordem do passado, ou, então, um mero texto laudatório daqueles que foram presos, torturados e mortos em nome da grande utopia do século XX. É o contrário. Complexo, meticuloso e depurado, não autoriza o imediatismo dedutivo da relação causa-efeito. Tão pouco há resquício, na sua organização textual, das simplificações de que se fazem as vulgatas. Sendo um filme político é, também, um filme sobre o cinema. Procura fazer a síntese de um percurso, tarefa dir-se-ia impossível, dada a dimensão do acumulado ao longo do tempo.

 

ENTRA FOTO I STILL DE KOMMUNISTEN 2 HOMENS NA PRISÃO com legenda  Jean Marie-Straub: “C’est un film sur l’âme communiste, point final.” Da apresentação de Communisten na Cinémathèque Française, 23 de Fevereiro de 2015.
Jean Marie-Straub: “C’est un film sur l’âme communiste, point final.” Da apresentação de Communisten na Cinémathèque Française, 23 de Fevereiro de 2015.

Talvez por isso Jean-Marie Straub tenha dito que Kommunisten resultou de incontáveis noites de insónia. Feito de segmentos de outros filmes, interrompido e recomeçado por diversas vezes até as diferentes peças encaixarem de modo a formarem um mosaico coerente, adivinha-se nele o extenuante corpo a corpo com as imagens. Mas não só. Porque, carregado de memória e referências, procedente de autores cujos textos acompanharam a vida do casal, bem como da música erudita que sempre amaram, este cinema, dando ideia de nada acontecer, exige, na verdade, o tumulto. Declara guerra ao conformismo do espectador. Insurge-se contra a fragmentação narrativa, denuncia a imagem-mercadoria, expõe o vazio do consumismo inerente à produção simbólica industrial.

 

Em suma, nada em Kommunisten tem a chancela do conforto. Não obedece aos significantes convencionais nem às articulações previsíveis. O prazer do texto, se a ele se conseguir chegar, releva do incómodo de pensar, do trabalho da memória, da capacidade de imaginar. Hermético, radicalmente poético, Kommunisten é, na verdade, imensamente desafiador. Jean-Marie Straub disse um dia que ele e a mulher faziam filmes para que as pessoas tivessem a liberdade de poder sair da sala.     

 

1. um certo olhar, uma maneira de ser. Faz algum tempo, assisti, durante semanas, sempre ao domingo, a uma retrospectiva integral de Straub-Huillet. Até então, eu teria visto pouco mais de meia dúzia de filmes, entre os quais, dois simplesmente deslumbrantes: Crónica de Anna Magdalena Bach (Chronik Der Anna Magdalena Bach) (1967) e Sicilia! (1998). Um amigo meu, crítico de cinema com muitos anos de experiência e créditos firmados, no final de uma das sessões - tanto quanto me lembro A Morte de Empédocles: Ou Quando a Terra Voltar a Brilhar Verde (Der Tod des Empedokles oder: Wenn dan der Erde Grün von neuem Euch erglänzt)(1986) -, deixou escapar: ”Isto é como ir à missa.” Fiquei a pensar. Ir à missa, para um fiel, é motivo de júbilo. Mas, por obrigação, a missa é uma estopada. Olhando em volta, lembro-me de identificar à primeira vista quer o júbilo dos correligionários da chamada internacional straubeana, quer a perplexidade de outros cinéfilos em busca de uma explicação no quadro do adquirido.

 

Straub não acreditava na linguagem cinematográfica. Não se coibia de o afirmar. Todavia, era um conhecedor profundo do Cinema. Ainda adolescente, deixou a cidade de Metz, onde já dirigia o cine-clube local, para frequentar as universidades de Estrasburgo e Nancy. Conheceu então a futura mulher, Danièle Huillet. Com ela, em 1954, foi para Paris. François Truffaut levou-o para os Cahiers du Cinéma. Nem sempre a relação entre ambos terá sido pacífica, dada a recusa de publicação de alguns do seus textos. Mais amistosa foi a relação com Jean-Luc Godard de quem foi vizinho, na Suíça, nos últimos anos de vida. Assistente de realização em filmes de Jacques Rivette, Abel Gance, Jean Renoir, Robert Bresson e Alexandre Astruc, o nome de Jean-Marie Straub, ao contrário do que, por vezes, se pensa, não ficou associado à Nouvelle Vague através de obra própria. Mas guardou dela a atitude.

 

Perante a possibilidade de ser convocado pelo exército francês, temendo ser mobilizado para a Argélia, cuja luta pela independência apoiava, optou por viver na República Federal da Alemanha onde realizou os primeiros filmes. Ao lado de cineastas como Wim Wenders, Werner Herzog, Volker Schlöndorff, Hans-Jurgen Syberberg e Rainer Werner Fassbinder, fez caminho no movimento do Novo Cinema Alemão, todavia, tal como Syberberg, à margem do cânone dos seus pares. A partir de Chronik Der Anna Magdalena Bach, nomeado para o Urso de Ouro de Berlim, vencedor de um Bafta e de um prémio dos Cahiers du Cinéma, a singularidade do cinema dos Straub ganhou exuberante evidência.

 

Na fase italiana, em Roma, para onde o casal foi viver no início da década de 70, iriam desenvolver as suas ideias em contacto com obras de escritores como Franco Fortini, Cesare Pavese e Elio Vittorini. O trabalho a partir de textos literários, por vezes associados à música, teatro e até à pintura, seria, aliás, uma constante ao longo dos anos. Levaram para a tela Kafka, Hölderlin, Brecht, Dante, Corneille, Schönberg, Sófocles, Mallarmé, Montaigne, Cézanne e outros mais. Nunca fizeram, porém, adaptações cinematográficas no sentido convencional. Privilegiaram sempre os textos, na língua original, por vezes, nas versões arcaicas. Na maioria dos casos, chamaram actores não profissionais para os lerem ou declamarem diante da câmara. Escolheram cenários naturais. Som directo. Planos longos. A cor e a preto e branco.

 

Como se adivinha, ainda que premiado ou distinguido em algumas ocasiões, este cinema nunca teve relação fácil com os festivais, com a crítica e, menos ainda, com o público. Apelando à sensibilidade e inteligência, sem espaço para a evasão, não só pôs em xeque os critérios dos programadores, mas, também, baralhou a crítica e afastou o chamado grande público, apesar de deixar a porta aberta a quem estivesse disponível para o frequentar.

 

Jean-Marie Straub: “Nowadays film directors can’t see anything anymore; 90% of them are blind. They shoot movies where you’ve the impression of having seen so many things, but in reality, you can’t see a single thing. Before shooting a film, you need to intensely investigate locations and spaces. If you don’t do this work beforehand, maybe you can shoot, but after that, you won’t manage to see a single thing. What I’m trying to say is that there will be some images, but no imagination at all, etymologically speaking.” in Senses of Cinema, Class Relations: A Conversation with Jean-Marie Straub and Danièle Huillet, Edoardo Bruno and Riccardo Rosetti, June, 2017. Foto: Film Review 
Jean-Marie Straub: “Nowadays film directors can’t see anything anymore; 90% of them are blind. They shoot movies where you’ve the impression of having seen so many things, but in reality, you can’t see a single thing. Before shooting a film, you need to intensely investigate locations and spaces. If you don’t do this work beforehand, maybe you can shoot, but after that, you won’t manage to see a single thing. What I’m trying to say is that there will be some images, but no imagination at all, etymologically speaking.” in Senses of Cinema, Class Relations: A Conversation with Jean-Marie Straub and Danièle Huillet, Edoardo Bruno and Riccardo Rosetti, June, 2017. Foto: Film Review 

Como se observa, por exemplo, no meticuloso, quase invisível, trabalho de montagem, o cinema do casal remete para algo em suspenso entre a obsessão do rigor e o fascínio do mistério. Veja-se, a propósito, Où Gît Votre Sourire Enfoui? (2001) no qual Pedro Costa observa o trabalho dos cineastas no processo de edição de Sicilia! Face a essa suspensão, na recepção exigir-se-á, obviamente, ousadia equivalente à dos autores no sentido de interpelar as múltiplas faces do seu cinema-mundo, aliás, por eles defendido de forma intransigente. São numerosos os episódios que o atestam.

 

Um exemplo. Em fevereiro de 1997, durante um debate televisivo sobre o impacto da imagem virtual, no meio de acalorada discussão, Straub, em defesa do real, acusou o seu interlocutor, o engenheiro e filósofo Philipe Quéau, de defender ideias piores do que as de Goebbels. Quéau, por sinal, um seu admirador, ficou estarrecido. Essa ferocidade, longe de afastar a tribo cinéfila, contribuiu para o aparecimento de uma irmandade informal de seguidores tão intransigente na defesa da obra straubeana quanto os próprios cineastas.

 

Outro exemplo. Aquando da passagem no Festival de Veneza de Que Lori Inconti (2006), o último filme do casal antes da morte de Huillet, o Júri, presidido por Catherine Deneuve, atribuiu-lhes um Leão especial por terem inventado a sua própria linguagem cinematográfica. Os Straub não compareceram para receber o prémio e enviaram em seu lugar os actores de Que Lori Inconti que eram portadores de três curtas mensagens. Não lhes foi dada a palavra. O próprio director do Festival, Marco Muller, leu-as perante a imprensa. A primeira, jogando com Trop Tôt, Trop Tard (1981), dizia que a distinção vinha “demasiado cedo para a nossa morte - demasiado tarde para a vida”. A segunda listava presenças anteriores em Veneza sem qualquer distinção. A terceira deu um escândalo. Palavras de Jean-Marie Straub: “Eu não seria capaz de ser festivo num festival pejado de polícia, pública e privada, à procura de terroristas - Eu sou o terrorista, e deixem-me dizer-vos, parafraseando Franco Fortini: enquanto houver o capitalismo imperialista Americano, nunca seremos bastantes terroristas no mundo.” As severas medidas de segurança tinham sido justificadas com o 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque.

 

2. dialektiké; Mes dates clés. O método dos filmes straubeanos exige a dialéctica, palavra que vem do grego dialektiké, ou seja, a arte do diálogo. Para o marxismo, o diálogo com o mundo deve ser levado a cabo através do reconhecimento das contradições nele existentes. Só assim será viável a superação, tal como sugere o paradigma hegeliano - tese, antítese, síntese - actualizado por Marx e Engels ao introduzirem a luta de classes. Para entender a História, portanto, é necessário levar a cabo diversas operações, desde logo, analisar as condições de vida, as mentalidades e as representações em função do modo de produção que as determina.

 

No cinema, o materialismo conheceu várias declinações tendo, porventura, momentos  determinantes na teoria da montagem dialéctica de Sergei Eisenstein e no Cine-Olho de Dziga Vertov. Eu acrescentaria o método de Straub-Huillet. Nos seus filmes, em linha com o marxismo, sente-se, é certo, a presença do bisturi analítico a dissecar a complexidade do real. Mas não o determinismo. O que pulsa é a respiração da utopia de um cinema puro, Indissociável da utopia do comunismo. São filmes inexplicáveis em sentido literal. Existem para dialogar com o que lá está, seja uma longa panorâmica sobre o dorso de uma montanha, o peculiar modo de ler ou declamar um texto, o próprio texto, a postura do corpo dos protagonistas, a intensidade do sopro do vento, a paisagem dos rostos, o zumbir de um insecto, a luz rarefeita no interior de uma prisão, a sombra na parede de um suspeito sob interrogatório da polícia política, a ruína de um monumento da antiguidade habitada por personagens em trajes de época com um automóvel ao longe ou um avião a riscar o céu. Tudo isto faz parte, também, da materialidade dos filmes dos Straub. No ecrã, paisagens, actores, peças musicais, textos literários, o que quer que seja, na tela valem por si mesmos. De novo: dialektiké.  

 


Jean-Marie Straub: “Je ne sais pas si je suis un marxiste. Je ne sais pas, parce qu’il y a plein de façons d’être marxiste. Je n’ai pas lu tout Marx. Le marxisme est une méthode, ce n’est pas une idéologie.” in revue Période, fev, 2005. Foto: Criterion Collection
Jean-Marie Straub: “Je ne sais pas si je suis un marxiste. Je ne sais pas, parce qu’il y a plein de façons d’être marxiste. Je n’ai pas lu tout Marx. Le marxisme est une méthode, ce n’est pas une idéologie.” in revue Période, fev, 2005. Foto: Criterion Collection

Outro aspecto importante do diálogo é o conhecimento prévio da experiência de vida dos cineastas. Em abril de 2003, o jornal Libération publicou Mes dates clés (As Minhas Datas Chave), um texto de Jean-Marie Straub, então com 70 anos, no qual ele nomeia episódios determinantes do seu modo de ser, pensar e agir. Escreve, à laia de introdução, “Sou mais velho do que Baudelaire quando ele dizia ter mais de mil anos”, uma forma de evidenciar o peso da memória e a presença da História. Por ser extremamente revelador, recupero, por vezes de forma literal, parte desse texto. Eis algumas das datas:

 

1842 - A floresta alemã é interditada aos pobres ficando estes privados de bens essenciais para a sobrevivência como a madeira, os cogumelos e os castanheiros que passam para o domínio da indústria. O jovem Karl Marx insurge-se nas páginas da Gazeta renana. Em consequência, é despedido.

 

Inverno de 1942 - Straub tem apenas nove anos e está a patinar na placa gelada do rio Mosela. ESTALINEGRADO! (Sic). O pai diz-lhe ser o princípio do fim da guerra.

 

1945 - Pouco antes da guerra terminar, para pressionar Estaline, os B17 americanos bombardeiam duas vezes Dresden, uma das mais belas cidades alemãs. O número de vítimas civis é superior ao produzido pelas bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki “pour nous libérer du péril jaune”, diz Straub.

 

Até 1948 - A ESPERANÇA! (Sic). Straub é estudante liceal. Apesar de muito jovem segue apaixonadamente a vida política do pós-guerra. Congratula-se com as leis anti-trust, as nacionalizações e as expropriações da família Renault. Considera O Plano (económico) francês mais ousado do que o da República Democrática Alemã.

 

A partir de 1948 - McCarthy, a caça às bruxas, uma maré negra começa a invadir a Europa. Servidão face ao plano Marshall, criação da NATO. Na zona de ocupação inglesa, Churchill opta pela colaboração com nazis em detrimento dos sobreviventes dos campos de concentração. Está em marcha o capitalismo selvagem que traz consigo a barbárie, a máfia (juízo de Straub). Onde se fala de milagre económico, identifica empobrecimento e miséria. “Les débats à l'Assemblée nationale, où les insultes fusent, me réjouissent”, escreve.

 

1950-1953 - “Comédia sangrenta e grotesca em torno do paralelo 42. MacArthur sonha lançar bombas atómica sobre a Coreia? E porque não sobre a China?” (Tradução literal do original)

 

1953 - 1954 - FINALMENTE UM DIA DE GLÓRIA! (Sic). Um jovem de génio, Ho Chi Minh - diz Straub - impõe sucessivas derrotas ao exército colonial francês na Indochina e humilha os seus generais em Dien Bien Phu.

 

Novembro de 1954 (transcrição do texto original na legenda da foto seguinte, na qual estão Straub e Huillet) -

 


Jean Marie Straub e Danièle Huillet.  Jean Marie Straub: “J’arrive à Paris (jusque-là seulement quelques allers et retours Metz-Paris, en auto-stop, pour voir certains films : Journal d'un curé de campagne, Los Olvidados, The Quiet Man, le Fleuve, le Carrosse d'or, The Big Sleep, To Have and Have not, Monkey Business, African Queen, Beat the Devil, Big Heat, Der Blaue Engel, Subida al Cielo...). Je rencontre Danièle Huillet et lui propose de travailler à ce qui deviendra en 1967 Chronik Der Anna Magdalena Bach. Les premières grenades algériennes éclatent sur le pavé parisien et aux terrasses des cafés distingués; «Péguy, Péguy, voilà nos hommes», s'écrie Jeanne d'Arc. Onze ans d'exil à Munich pour avoir refusé l'incorporation sous les drapeaux en Algérie et avec elle la complicité directe avec la torture «institutionnalisée.» in Libération, le 30 avril 2023. Foto: Cinemateca
Jean Marie Straub e Danièle Huillet. Jean Marie Straub: “J’arrive à Paris (jusque-là seulement quelques allers et retours Metz-Paris, en auto-stop, pour voir certains films : Journal d'un curé de campagne, Los Olvidados, The Quiet Man, le Fleuve, le Carrosse d'or, The Big Sleep, To Have and Have not, Monkey Business, African Queen, Beat the Devil, Big Heat, Der Blaue Engel, Subida al Cielo...). Je rencontre Danièle Huillet et lui propose de travailler à ce qui deviendra en 1967 Chronik Der Anna Magdalena Bach. Les premières grenades algériennes éclatent sur le pavé parisien et aux terrasses des cafés distingués; «Péguy, Péguy, voilà nos hommes», s'écrie Jeanne d'Arc. Onze ans d'exil à Munich pour avoir refusé l'incorporation sous les drapeaux en Algérie et avec elle la complicité directe avec la torture «institutionnalisée.» in Libération, le 30 avril 2023. Foto: Cinemateca

Em 1956 - O coronel Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito, nacionaliza o canal do Suez. HURRA! (Sic). Simbolicamente, é o fim dos impérios francês e britânico.

 

Em 1961 - Um parêntesis feliz: A BAÍA DOS PORCOS (Sic). Os contra-revolucionários US são derrotados pelos cubanos, escreve Straub.

 

Início de 1968 - Chronik existe finalmente! (Sic). Após a apresentação, em Munique, Straub dedica o filme aos camponeses da floresta bávara e ao Vietcong (os B52 americanos bombardeiam Hanói todos os dias). Um jovem estudante da escola de cinema de Berlim, de nome Holger Meins, vai ver o filme a Frankfurt e diz a Straub ser o melhor filme da História do Cinema.

 

1973 - “Une boucherie au Chili.” Alusão à carnificina no Chile após o golpe militar de Pinochet.

 

No início de 1975 - Em Roma, os Straub veem na primeira página do Paesa Sera a foto de um cadáver a ser retirado da prisão de alta segurança de Hamburgo. É Holger Meins, cineasta, membro de uma organização radical chamada Fracção do Exército Vermelho, o mesmo que dissera que Chronik era o melhor filme da História do Cinema. Meins morrera na sequência de uma greve da fome. Os Straub ficam consternados. Dedicam-lhe Moses und Aron (1975), então em montagem. São 24 fotogramas no genérico que desencadeiam uma guerra com a televisão alemã.

 

1986 - Em A Morte de Empédocles, um texto escrito por Holderlin em 1790, os Straub descobrem a utopia de um jovem que se insurge contra a ameaça da revolução industrial e o mito do progresso. O comunismo ecológico pode ainda ainda salvar o planeta.

 

1988 - A última data mencionada. Straub viaja ao longo do Tibre no banco de trás de um automóvel, na companhia de Alberto Moravia. Vão a caminho da Porta Portese, em Roma. Não se lembra de quem ia ao volante, mas recorda-se do que lhe disse o escritor: “A próxima guerra será no Golfo, uma guerra planeada, programada. Falei com cinco generais da NATO, americanos e alemães. Foram eles que mo disseram.”

 

Apesar do texto ser de 2003, a enumeração das datas cessa, como se pode constatar, em 1988. Straub não deixa de sugerir, porém, que a partir de então sobreveio a derrocada da esperança, o reino da arbitrariedade. Cita Brecht fazendo falar o seu Tirésias: “ O mais quer sempre mais para no fim se transformar em nada.” E acrescenta que a mentira se tornou oficial, o rolo compressor da propaganda.

 

Manifestamente, a listagem das datas identifica sem ambiguidade um “inimigo principal”, expressão da retórica marxista mais agressiva. Fará prova de uma opção ideológica clara, subjacente a toda a obra de Straub-Huillet. Todavia, nunca arrasta os cineastas para o filme panfletário. Também não há notícia de envolvimento orgânico de qualquer deles com organizações partidárias, à excepção, eventualmente, de Huillet que teve contactos com o Parido Comunista Italiano. Tão pouco se conhecem manifestações de simpatia para com os regimes do leste europeu, ainda que Kommunisten comece com o Hino da República Democrática Alemã, o qual tem música de Hanns Eisler e letra do poeta Johannes Becher, mais tarde Ministro da Cultura. 


3. utopia, memória: Cinema. Ecrã a negro. A máxima opacidade no cinema, segundo Gilles Deleuze. Surge o título: Kommunisten. Eleva-se a música e coro de Reerguidos das Ruínas (Auferstanden aus Ruinen). Segue-se, austero e breve, o genérico. De novo o negro, a sala  fica mergulhada na escuridão até ao fim do Hino Nacional da RDA. 

 

Do negro irrompe em cut a imagem a cores, o Capítulo I do filme. É um plano fixo, filmado em diagonal, num espaço mal iluminado onde estão dois homens cujas sombras se projectam na parede. O espaço é uma sala de interrogatório. Os dois homens são presos políticos, suspeitos de pertencerem ao Partido Comunista.

 

Neste primeiro capítulo, o único inédito no conjunto do filme, Straub trabalha sobre excertos de Le Temps du Mépris de André Malraux, escrito em 1935. O livro resulta da experiência de Malraux na Indochina, entre 1924 e 1926, onde terá ganho consciência da violência da política colonial francesa, À época não foi tido em grande apreço, nem da parte da crítica nem do próprio escritor. No pós-guerra, porém, em parte devido à revelação das atrocidades nazis, em parte porque os comunistas estiveram na linha da frente da Resistência, o livro foi reavaliado, sendo-lhe, finalmente, reconhecido o mérito literário. 

 

A personagem central é um escritor comunista alemão de nome Kassner, preso num campo de concentração. Viria a ser libertado graças ao gesto heróico de um outro prisioneiro com quem, entretanto, fizera amizade. Os alemães sabiam da existência de Kassner, um elemento preponderante do Partido, mas não sabiam reconhecê-lo. O amigo, fazendo-se passar por ele, permitiu-lhe recuperar a liberdade para prosseguir a luta contra o nazismo. Nas mãos de Straub, os excertos de Le Temps du Mépris perdem o carácter de enredo, dando origem a três momentos de cinema tão intensos quanto despojados: o interrogatório, a reflexão sobre a tortura e o regresso do prisioneiro a casa.

 

No primeiro momento, o enquadramento e a iluminação difusa, bem como as marcações do espaço cénico ocupado pelos dois homens, permitem estabelecer uma relação triangular, hierarquizada, entre quem está em campo e quem não está, ou seja, aquele que é o inquiridor de quem apenas se ouve a voz. A voz é a do próprio Straub no papel de verdugo, num registo declamado, com pausas prolongadas, que intimida não pelo excesso vocal mas pelo pendor oblíquo do discurso.  Súbito, de novo o ecrã a negro, cerca de cinco minutos. A tortura não se mostra, mesmo se apenas sugerida no interrogatório. Sem imagem com a qual possa identificar a acção, o espectador fica prisioneiro na sala escura: efeito brechtiano. Cut. Imagem Estão duas figuras enquadradas de costas para a câmara, uma de pé, o prisioneiro libertado, outra sentada, a sua mulher. Ambos sofreram: “Foi terrível.” Contemplam através da ampla abertura de uma janela o mundo exterior.

 


– C’était comment?
–Terrible.
– J’avais si peur… / Ils ont accepté la fausse identité?
– Non, C’est-à-dire, pas du début. Ensuite quelqu’un a déclaré qu’il était Kassner. Je ne sais pas qui.
– Tué?
– Je ne sais pas…
C’était comment?
–Terrible.
– J’avais si peur… / Ils ont accepté la fausse identité?
– Non, C’est-à-dire, pas du début. Ensuite quelqu’un a déclaré qu’il était Kassner. Je ne sais pas qui.
– Tué?
– Je ne sais pas…

É a passagem para o Capítulo II retirado de Operários, Camponeses (Operai, Contadini), (2001). Dois homens e uma mulher estão na floresta de Buti, na região da Toscânia. Filmados à luz do dia em plano de conjunto frontal, fitando o solo, com a câmara colocada um pouco acima da linha dos olhos como se tivessem de prestar contas uns aos outros ou de reflectir com a ajuda de terceiros, eventualmente, do público. Vão ler excertos de Le Donne di Messina de Elio Vittorini, livro publicado no final de 1946, posteriormente sujeito a diversas  atualizações.

 

Primeiramente ligado ao Partido Nacional Fascista de Mussolini, do qual viria a ser expulso por tomar partido a favor dos republicanos na Guerra Civil de Espanha, Elio Vittorini juntar-se-ia depois ao Partido Comunista Italiano. Vice-director do jornal L’Unitá, em Milão, e destacado membro da resistência à ocupação nazi, foi preso pela primeira vez após a publicação, em 1941, de Conversazioni in Sicilla, um dos grandes romances do anti-fascismo italiano. Exerceu enorme influência no círculo dos escritores mais jovens, entre os quais se contava Italo Calvini. Vittorini é uma das principais referências de Straub e Huillet.

 

Os atores de Operai, Contadini são operários fabris ou trabalhadores do campo, amadores do teatro regional de Buti. No segmento de vinte minutos escolhido para Kommunisten, os protagonistas refletem sobre o pós-guerra, o que mudou nas suas vidas e aldeias. A coreografia, bem como a leitura dos textos, faz lembrar o teatro antigo, o coro grego incluído. Se o primeiro episódio do filme é sobre a Resistência, este é sobre a Mudança. Começa, aliás, com uma pergunta de um dos homens sobre si mesmo: mudado? A mudança, em função da circunstância histórica, sugere uma nova consciência. O outro homem, outrora fascista, deixou de o ser. E a mulher, lê um excerto do texto sobre a impossibilidade “de ser feliz de outro modo, de ser bom de outro modo, de ser livre de outro modo, de ser humano de outro modo.” Portanto, mudança. Duas notas: o olhar dos actores dirige-se de quando em quando para um ponto indeterminado, como se estivesse a dirigir-se à comunidade onde tudo teve lugar; há nos diversos planos múltiplas variações da luz solar, o que acentua o carácter documental da imagem. Jacques Rancière diz que o discurso dos Straub é comunista posto unir e opor, em simultâneo, dois registos poéticos: “o registo lírico, que é a expressão do comum enquanto tal, e o registo dramático ou dialético, que é a expressão do comum como estando dividido ou marcado pela divisão.”

 

O som de uma sirene. A negro. Passagem para o Capítulo III constituído por um único plano sequência de Trop Tôt, Trop Tard (1981) filmado à porta de uma fábrica no Cairo. O filme, um díptico de cunho documental, reflete sobre as condições para a Revolução, relevando o papel do campesinato. A primeira parte, rodada em França, em boa parte no campo, remete para uma carta de Friedrich Engels dirigida a Karl Kautsky. Tem narração de Danièle Huillet. A segunda parte apoia-se no texto de Lutas Sociais no Egito 1945-1970, livro assinado por Mahmoud Hussein, mas, na verdade, o pseudónimo de dois jornalistas que o escreveram em conjunto, mantendo o anonimato. Com imagens de arquivo, designadamente do presidente Nasser, o mesmo que decretara a nacionalização o canal do Suez tão apreciada por Jean-Marie Straub, o filme valoriza sobretudo as tomadas de vista exteriores nas quais a presença do vento tem forte dimensão metafórica. Serge Daney diz mesmo que nunca ninguém depois de Victor Sjostrom, em 1928, tinha filmado o vento assim. Neste caso, os ventos da História. A narração é de Bahgat el Nadi.

 

O segmento de Trop Tôt, Trop Tard escolhido para Kommunisten, não fosse a narração inicial, seria um documentário em estado puro com som diegético: câmara colocada diante do portão de uma fábrica, plano fixo aberto, trabalhadores que saem confundindo-se com o movimento das pessoas na rua. Duração, dez minutos. Momento Lumière: o real tal qual dentro do enquadramento, a afirmação do poder de interpelação do Cinema. A narração dura um minuto. Dos nove restantes, quem estiver na sala fará deles o que bem entender.

 

A fábrica no Cairo, plano Lumière.
A fábrica no Cairo, plano Lumière.

Eis o texto de Mahmoud Hussein sobre as imagens na voz de Bahgat el Nadi:

 

“Em 1919 dá-se a revolução contra o ocupante britânico. As massas rurais, desamparadas e pobres são a sua força principal, multiplicando as sabotagens às vias de comunicação e organizando inúmeros confrontos com o exército de ocupação. Os objetivos revolucionários democráticos estão ligados aos objetivos patrióticos. Formas embrionárias de poder popular vêem a luz. Eclodem revoltas armadas contra os grandes proprietários. Operários, desempregados, estudantes, lojistas, funcionários encontram-se lado a lado ao longo do ano nas ruas do Cairo e de outras grandes cidades em manifestações violentas de uma amplitude desconhecida até então. Os operários passarão a formas de luta específicas, à ocupação das fábricas e à autodefesa contra as forças de repressão.”

 

A agitação diante da fábrica egípcia dá lugar ao sossego majestoso dos Alpes Apuanos. É o início do Capítulo IV, um longo excerto de Fortini/Cães (Fortini/Cani) (1976). Baseado em Cani Del Sinai, um livro de Franco Fortini escrito em 1967, o filme é um ensaio em torno da memória e do esquecimento. Faz lembrar, ainda que num outro registo, Nuit et Brouillard (1956) de Alain Resnais. Mas também é um filme sobre a raiva de um homem que escreveu um panfleto no qual compara a perseguição dos judeus pelos nazis à perseguição movida aos povos árabes pelo estado de Israel. Fortini, ele próprio de ascendência judaica, poeta e escritor marxista, viu o pai entrar na clandestinidade. Tal como o amigo Elio Vittorini, juntar-se-ia à Resistência.

 

O filme dos Straub começa com a imagem da capa de Cani Del Sinai, uma primeira edição, amarelecida pelo tempo, que apareceu nas livrarias pouco depois da Guerra dos Seis Dias entre Israel e o Egito. Pudesse ser folheada e ler-se-ia na primeira página uma citação de Zelman Lewental, em Auschwitz, datada de agosto de 1944: “Se tu non vuoi più credere alla verità, nessuno vorrà più credere.” Nas imagens seguintes, de arquivo, a televisão pública italiana toma partido pelo estado judaico em nome do “jornalismo sério”. Depois, os  Straub mostram pessoas, aparentemente de elevado estatuto social, que optam pelo silêncio ou por evasivas quando confrontadas com o assunto. A seguir, o contraste. Montagem dialéctica.

 

Corte para os Alpes Apuanos, na Toscânia, com os quais tem início o excerto de Fortini/Cani integrado em Kommunisten: a voz de Fortini, dez segundos, um primeiro contexto; longas panorâmicas descritivas das montanhas cobertas de florestas verdejantes, raras casas dispersas pela imensidão dos montes e vales. Nem uma palavra, apenas silêncio, o vento na copa das árvores, a dada altura o rumor do riso de crianças, porventura, no recreio de uma escola perdida algures na lonjura, uma aldeia onde não se vê ninguém, uma placa evocativa, estranho sinal, mais paisagens a perder de vista. Uma sequência de dezasseis minutos. Nada parece acontecer. 

 

Todavia, deu-se ali um dos maiores massacres perpetrados pelos nazis, com a ajuda de fascistas italianos, durante a guerra. Na manhã do dia 12 de Agosto de 1944, já a Wermacht estava a ser escorraçada para o norte de Itália pelas forças aliadas, tropas da 16ª Divisão Panzergrenadier SS comandadas pelo oficial Max Simon, cercaram uma pequena aldeia da região de Sant’Anna di Stazzema. A aldeia, com pouco mais de 400 habitantes, acolhera um milhar de refugiados e desertores, e era suspeita de apoiar os partigianos. Com brutalidade inaudita os nazis mataram 560 pessoas, das quais 130 eram crianças. O terror.

 


 Fortini/Cani (1976): Jean-Marie Straub, citando Franco Fortini, fala de “um cinema topográfico e telúrico, com os Alpes Apuanos, essas montanhas de mármore, tão eternas quanto indiferentes, implacáveis, externas ao sofrimento e, ainda assim, o teatro da luta de classes.” 
Fortini/Cani (1976): Jean-Marie Straub, citando Franco Fortini, fala de “um cinema topográfico e telúrico, com os Alpes Apuanos, essas montanhas de mármore, tão eternas quanto indiferentes, implacáveis, externas ao sofrimento e, ainda assim, o teatro da luta de classes.” 

A vastidão das montanhas dá lugar à presença de Fortini, filmado em close up de perfil, depois de frente. Lê o seu livro em voz alta. As mudanças de enquadramento fazem-se através de inserts de imagens de páginas impressas, um procedimento convencional que, neste caso, o não o é. O dispositivo, pelo modo da alternância do corte, revela o homem e a sua circunstância, alguém zangado que escreveu insurgindo-se contra o apagamento da memória: “Dentro de alguns anos ninguém compreenderá o que foram a guerra do Vietname e o conflito israelo-árabe.” Alguém que denuncia o manto de irrealidade das representações dominantes, as quais, anestesiando as consciências, geram uma multidão de indiferentes. Sobre estes: “Por fim, há apenas uma notícia chocante, feroz: não estais no lugar onde acontece o que decide o vosso destino. Não tendes destino. Não tendes e não sois. Em troca da realidade foi-vos dada uma aparência perfeita, uma vida bem imitada. Andais distraídos da vossa morte, para desfrutardes de uma espécie de imortalidade. A recitação da vida nunca terá fim. Abençoados.” Portanto, alienação, segundo os marxistas. Finalmente, Fortini, de novo filmado de perfil, agradece a quantos, anónimos, combateram o nazismo tendo em mente o sonho utópico de uma ideia maior. Corte.

 

Capítulo V. Há agora, tal como na imagem da fábrica no Cairo, um longo longo plano fixo, neste caso, de oito minutos. O cenário já não é o dos Alpes da Toscânia, é o sopé da encosta do Etna, na Sicília, onde, após ano e meio de ensaios, os Straub filmaram A Morte de Empédocles: Ou Quando a Terra Voltar a Brilhar Verde para Ti (Der Tod des Empedokles oder: Wenn dan der Erde Grün von neuem Euch erglänzt) (1986) a partir da primeira das três versões do poema dramático de Friedrich Hölderlin. É o momento em que Kommunisten propõe a utopia do comunismo ecológico. 

 

Hölderlin, figura cimeira do idealismo alemão, acolhe na sua poesia o espírito da Grécia antiga. Tradutor de autores clássicos como Sófocles, via o mundo como um palco no qual contínuos enfrentamentos de toda a ordem dão origem a sucessivas novas configurações. Em A Morte de Empédocles, dramatiza a recusa do filósofo de Agrigento em aceitar, por coerência, a expulsão da cidade, o que haveria de o conduzir ao suicídio pelo fogo por forma a que as suas cinzas pudessem alimentar o ciclo da vida. Segundo Empédocles, a natureza é constituída por quatro elementos primordiais: terra, ar, água e fogo. 

 

No excerto do filme dos Straub a ressonância desta filosofia é evidente. Estão lá a luz, as montanhas intemporais, mais uma vez o vento, as árvores, as nuvens, os sons das pequenas criaturas que habitam o esplendor da terra e da luz que a ilumina. São oito minutos de contemplação. Oito minutos de respeito absoluto pelas ideias e pelo texto de Hölderlin, declamado por Andreas von Rauch, que faz a exaltação da natureza. Diz Straub: "Hölderlin é citado na métrica justa. No teatro não se respeita a métrica. Os atores ligam as palavras segundo o seu sentido, em função da sintaxe. No filme, respeitámos o ritmo, a musicalidade e a métrica de Hölderlin.”

 

E assim se chega ao Capítulo VI, um segmento de Schwarze Sünde (Negro Pecado) (1989), que resulta de uma outra versão de A Morte de Empédocles. Straub vai buscar um plano belíssimo de Danièle Huillet no monte Etna, sentada no chão, imóvel como uma estátua. O espaço confere à cena algo de sagrado. Subitamente, ela vira a cabeça e pergunta: Neue Welt?

 

 NEUE WELT?
 NEUE WELT?

Obs.: Este texto foi originalmente publicado no livro comemorativo do 20º aniversário do Ciclo Imagens do Real Imaginado (IRI) organizado pela Escola Superior de Media, Artes e Design.

 

 

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Adeus, até ao meu regresso (1974), um documentário sobre a vivência da guerra colonial contada por quem nela combateu ou o retrato de um País que o Estado Novo escondeu.

 

Adeus, até ao meu regresso (1974) não será dos filmes mais conhecidos de António Pedro Vasconcelos. No entanto, a meu ver, é dos mais interessantes. Exibido pela primeira vez no final de 1974, na RTP, no mesmo espaço onde durante anos passaram as chamadas mensagens de Natal dos soldados destacados nas colónias, foi o primeiro filme português a abordar a temática da guerra colonial. Se outro mérito não tivesse, esse, só por si, por razões históricas, seria bastante para o recomendar. Mas há mais. Nunca foi fácil ao cinema, em lado algum, acertar contas com o passado traumático. Há feridas que levam tempo a sarar. Lidar com elas exige criteriosa mediação institucional, absoluto respeito pelo outro. É preciso encontrar a forma certa de dizer o que deve ser dito, sem deixar espaço à ambiguidade. Também por isso, Adeus, até ao meu regresso merece ser revisitado. O cinquentenário da Revolução de Abril, ano da morte de António-Pedro Vasconcelos, é o momento adequado para o fazer.

 

Este texto obedece ao princípio da História Cultural do Cinema de tudo pôr em relação. Ha nele considerações tidas como pertinentes no sentido de urdir uma tela de fundo perante a qual os contornos do filme ganhem nova evidência, eventualmente, aclarando hipóteses e dúvidas em suspenso. Nesse sentido, o recurso à memória e ao pensamento sobre o documentário são insubstituíveis. Mas há uma outra dimensão, de carácter pessoal, igualmente pertinente, com a qual começo reportando à relação que tive ao longo dos anos com o

 

António-Pedro Vasconcelos, um cineasta com quem, dele discordando muitas vezes, tive o gosto de privar, mesmo se em contexto de turbulência. Não sei se o retrato a seguir esboçado é inteiramente justo. Corresponde, no entanto, ao intuito de lhe fazer justiça, sem iludir as questões mais sensíveis no quadro das circunstâncias partilhadas e da circunstância existencial de cada um de nós.

 

ACTO I

 

Toda a gente o conhecia por A-PV. Eu tratava-o por António-Pedro. Propenso à polémica, sempre metido na defesa de causas cidadãs, eventualmente iconoclasta, ostensivamente desafiador, contraditório, era capaz de gerar tanto ódios de estimação, por vezes ferozes, quanto amizades incondicionais. A dada altura comecei a olhá-lo como alguém que parecia viver e apreciar a sua própria personagem. Vejo-o de chapéu de aba larga, a fumar charutos cubanos, sorriso entre o amigável e o condescendente, olhando o mundo do alto do seu metro e noventa de altura como se tudo à volta fosse parte da cena de um filme realizado por ele próprio.

 

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António-Pedro Vasconcelos, personagem com chapéu e charuto Fonte: Visão

Conheci-o no dia da ante-estreia de O Lugar do Morto (1984) numa das salas dos Cinemas Lumière, no Porto, à qual fui na companhia do Manuel António Pina, que fez as apresentações. Tendo Ana Zanatti e Pedro Oliveira nos principais papeis, o filme foi um sucesso quer junto do público quer da crítica, a qual, a partir de então, verdade se diga, frequentemente lhe voltaria as costas. Na altura gostei de O Lugar do Morto. Disse-lho. Agradeceu e começou uma digressão sobre o noir americano, aliás, logo interrompida, dado o número de pessoas que se foi juntando à sua volta para o felicitar. A partir daí, procurei ir vendo os seus filmes. Reconheço duas fases na sua obra cinematográfica.

 

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Na primeira, influenciada pela estadia em Paris nos anos 60 do século passado, é evidente a presença da Nouvelle Vague. Cabem filmes como Perdido por Cem (1973), Adeus, até ao meu regresso (1974), Oxalá (1980) e o já mencionado O Lugar do Morto, dir-se-ia que uma obra de transição. Revemos aqui o bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian no curso de Filmografia da Sorbonne, o frequentador assíduo da Cinemateca Francesa e o leitor compulsivo dos Cahiers du Cinéma - ele próprio viria a ser um crítico acutilante em O Diário de Lisboa e na revista Cinéfilo dirigida por Fernando Lopes.

 

Na segunda, iniciada com Jaime (1999), vencedor da Concha de Prata do Festival de San Sebastian, aproxima-se da narrativa clássica procurando fazer filmes para o grande público. Opta pela estratégia do cinema de género. Entre outros, há títulos como Os Imortais (2003), Call Girl (2007), Os Gatos não têm Vertigens (2014) e Parque Mayer (2018). Tratam fundamentalmente da realidade portuguesa, mas não deixam de citar movimentos como o neo-realismo italiano, em Jaime, ou cineastas como Jean Renior em Parque Mayer. Nesta fase, fez alguns dos filmes mais vistos em sala em Portugal. O modo como os defendeu e se posicionou perante os seus pares, mais próximos da política dos autores, e perante a crítica, por vezes demolidora, deu origem a um afrontamento com impacto na definição dos caminhos e das políticas do Cinema e do Audiovisual. Dessa veemência e determinação, frequentemente revertidas em contundência e provocação, tenho

 

boas recordações. Estivemos do mesmo lado da barricada em múltiplas causas cívicas, por exemplo, aquando das tentativas de privatização do serviço público de televisão ou da entrega da TAP a interesses privados. Noutras ocasiões, batemos de frente. Foi o caso do Acordo Ortográfico, designadamente quando voltou a ser discutido na Assembleia da República. Sendo eu, na altura deputado, favorável, embora com reservas, passou ele muitas horas a tentar convencer-me a mudar de opinião. Facultei-lhe basta documentação, designadamente pareceres de linguistas, os quais para alguma coisa terão servido, posto que acabaria por me dizer que “às vezes, os linguistas são gente complicada”. De seguida, voltava com redobrada energia àquilo que dizia ser um dos combates da sua vida. Ficou desagradado com a minha intervenção no Plenário. Garantiu-me que haveria de vencer aquela batalha.

 

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Com o Cinema passou-se algo de semelhante. Protagonista do Novo Cinema Português, apesar de apenas ter chegado à realização de uma longa-metragem, Perdido por Cem, em 1973, foi convidado regular dos cursos de Cinema por mim orientados ao longo dos anos, bem como dos ciclos de Programação a eles associados. O mesmo sucedeu na Odisseia nas Imagens do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, da minha responsabilidade, durante a qual algumas das suas participações, por razões diversas, ainda hoje são lembradas. Por exemplo, na retrospectiva integral dedicada a Luchino Visconti tratou de o demolir, não se coibindo de lhe chamar “um costureiro” devido, entre outras razões, à orquestração barroca dos filmes, designadamente em termos de adereços, música e guarda-roupa. Salvou, no entanto, a fase neo-realista do cineasta italiano.

 

Noutra ocasião, também em 2001, no ciclo Os Lugares da Imagem que teve participação, entre outros, de Margarida Ledon Andión, Juan Fontcuberta e Román Gubern, fez uma apresentação exaustiva sobre As Novas Tecnologia e o Futuro da Ficção. Segundo ele, podia ler-se a História do Ocidente “como uma ficção ininterrupta que nasce com a Bíblia, os poemas homéricos, a mitologia e a tragédia gregas, e se prolonga, a partir do Humanismo, até ao século XX.” Ao longo de duas horas dissertou sobre os altos e baixos desse percurso, sobre os episódios de esplendor e obscurantismo, o silêncio ou silenciamento dos artistas, os momentos de ruptura criativa, enfim, sobre a “História da ficção no Ocidente, que se transmite de século em século, de um centro civilizacional para outro: Florença, Roma, a Inglaterra de Isabel I, a corte de Luís XIV, a ópera italiana, finalmente Hollywood.” Afirmava, a concluir, que o século XXI, em função das tecnologias dominantes, nascia sob a ameaça de um corte radical com essa tradição de artistas e heróis enquanto seres fora do comum:

 

“A televisão, ao dispensar o autor-demiurgo e ao considerar que qualquer indivíduo é portador de uma ficção, ameaça pôr fim a essa cadeia de mais de 2.000 anos. Le cinéma c’est la mémoire, la télévision c’est l’oubli, disse um dia Godard. Estaremos perante uma revolução, que se poderia traduzir pelo fim do Humanismo, ou apenas perante uma crise transitória dos valores que fundaram, para além de todas as rupturas, a nossa civilização? Será que, como disse Valéry, les civilisations sont mortelles?”

 

Ao contrário do que poderia inferir-se à conta da citação de Godard, António-Pedro Vasconcelos nunca voltou as costas à televisão. Desde logo, o seu interesse pelo audiovisual ia além das questões relacionadas com o discurso e a narrativa. Preocupavam-no, igualmente, as políticas para o sector. A convite de Santana Lopes, então Secretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva, assumiu a presidência do Secretariado Nacional para o Audiovisual, criado em 1990. Segundo dizia, só aceitara o cargo após aprovação pelo titular do governo de um documento estratégico elaborado por ele próprio. Em 1993, bateu com a porta por discordar na nova Lei de Bases. Mais tarde, o comissário europeu João de Deus Pinheiro atribuiu-lhe a tarefa de presidir ao grupo de trabalho encarregado da elaboração do Livro Verde para a Política do Cinema e Audiovisual Europeu. Achava aliciante, por outro lado, a possibilidade de explorar a narrativa televisiva. Ouvi-o, a propósito, elogiar Rosselini. Não só apreciava nele a rugosidade, as pequenas imperfeições que tornavam os seus filmes poderosos, mas também as suas expectativas sobre a televisão, a qual, a partir de determinada altura, o cineasta italiano acreditou ser um veículo privilegiado para dar a conhecer a História da Humanidade.

 

A partir de 2015, pertencendo ele a uma Associação de Realizadores, tivemos longas conversas na Assembleia da República - e fora dela - sobre o financiamento do Cinema e do Audiovisual. Sendo um conhecedor profundo do cinema português, era capaz de ser extremamente contundente não se coibindo, estabelecendo comparações, de lançar ataques ferinos aos seus opositores mais próximos do cinema autoral. Frequentemente avançava argumentos respaldados no passado. Um dia - refiro-o porque o disse publicamente - acusou-os de terem mentalidade de Estado Novo visto só quererem financiar um determinado tipo de filmes. A réplica da outra parte não era mais simpática. Havia quem se lhe referisse como o António Lopes Ribeiro do regime. De passagem, ia-me dizendo incorrer eu no risco de também só querer fazer um tipo de filmes, mas nunca senti da sua parte qualquer acrimónia. De resto, dei sempre as nossas conversas como tempo produtivo. Ouvi-lo era como fazer o percurso dos últimos 50 anos do cinema em Portugal, tomar conhecimento de viva voz de um ponto de vista, o seu, sobre episódios que mapearam o passado dos caminhos do presente. Sempre gostei do modo como ia à luta, bem como das longas derivas durante as quais simplesmente falávamos de cinema. A propósito, ao contrário de Rosselini, um dos seus preferidos, não sei se por convicção ou provocação, dizia desde há alguns anos, cobras e lagartos de Godard. Nunca mais fez um filme de jeito a seguir aos primeiros tempos da Nouvelle Vague, dizia ele. Truffaut, pelo contrário, encontrara o caminho certo. O Godard está muito presente nos teus primeiros filmes, em Perdido por Cem, argumentava eu, em

 

Adeus, até ao meu Regresso… era um bom ponto de partida para puxar a fita atrás e fazer a demonstração, recuperando episódios e nomes de filmes, de que o cinema dele, António-Pedro, cumpria uma linha de coerência inatacável. Considerava-se um cineasta comprometido, todavia, mal-amado. Para ele, Call Girl (2007) era o mais político dos seus filmes, porém, incompreendido. Volta e meia, investia contra a crítica. Essa estupenda energia está plasmada de forma feliz no título do documentário de Leandro Ferreira e Pedro Clérigo sobre a sua vida e obra: Um índio em pé de guerra (2019).

 

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O jovem António-Pedro Vasconcelos Fonte: Observador

 

Em 1974, logo após a Revolução, o índio, tal como tantos outros cineastas, participava no movimento de mobilização, sem paralelo, a favor de um cinema liberto das algemas do passado. Muitos eram da geração de 60 ligados ao Novo Cinema Português. Outros, como José Álvaro Morais, assistente de realização em Adeus até ao meu regresso, viriam a afirmar-se como referências da geração seguinte. Dessa mobilização transformadora assinala-se, como faz, entre outros, José Filipe Costa, um momento seminal, simbólico. É a manifestação do dia de 29 de Abril, em Lisboa, à qual se juntou gente do Teatro e das actividades culturais, que fez o percurso entre o jardim do Príncipe Real, onde ficava a sede do Sindicato dos Profissionais de Cinema, e o jardim de São Pedro de Alcântara, lugar do Instituto Português de Cinema. Nesse itinerário reconhecia-se, igualmente, a memória de episódios relevantes. João César Monteiro, por exemplo, filmara Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço (1971), no Príncipe Real, e António Lopes Ribeiro A Revolução de Maio (1937), em São Pedro de Alcântara.

 

Com Fonseca e Costa, Seixas Santos, Fernando Lopes, Luís Galvão Telles e Lauro António à frente da manifestação, os cineastas exigiam a exibição de filmes portugueses e estrangeiros proibidos pela censura, não deixando de proclamar a motivação política que os animava. De cunho marcadamente ideológico, essa motivação levaria à formulação de um conjunto de requisitos considerados fundamentais para fazer do cinema uma alavanca revolucionária. Entre as várias medidas que então se perfilaram, destacavam-se a criação de Cooperativas de Produção subordinadas ao Instituto Português de Cinema, assim como o incentivo à produção de documentários por se entender ser esse o modo de melhor servir o propósito de reflectir sobre os problemas e contribuir para a sua resolução. Ambas as medidas viriam a revelar-se importantes. Contudo, mesmo tendo em conta a circunstância portuguesa, nenhuma delas era original. Ambas incorporavam, como, de resto se impunha, a 

 

memória documentário de outras experiências. Em tempo de crise, fosse em países europeus fosse fora da Europa, o cinema documental foi recorrentemente encarado no plano cultural tanto como ferramenta de informação e esclarecimento, quanto de propaganda e condicionamento. A outro nível, no plano estético houve sempre um movimento pendular, dialéctico, em torno do essencial, ou seja, entre o que seria a pulsão jornalística ditada pela urgência de responder à emergência do momento, por um lado, e o trabalho de criação, a poética, sem o qual pouco ou nada sobra do Cinema, por outro. O primeiro exemplo desta clivagem encontra-se de forma exuberante no movimento documentarista britânico criado pelo escocês John Grierson no final dos anos 20 do século passado.

 

Foi Grierson, por razões ligadas à propaganda do Império, quem propôs fazer do filme documentário um elo entre a metrópole e as colónias, foi ele quem alertou para a necessidade do chamado “tratamento criativo da actualidade”, portanto da aproximação ao real através da arte, mas também foi ele quem, após o advento do cinema sonoro e a expansão das actualidades cinematográfica, relegou o belo para segundo plano considerando o documentário anti-estético por natureza. Durante a II Guerra Mundial, inclusivamente, foi o responsável de newsreels do National Film Board do Canadá, aliás, igualmente, fundado por ele próprio. Com diferentes matizes, este tipo de contradições foi recorrente ao longo do século XX. Meros exemplos, na América rooseveltiana com os chamados filmes de mérito de Pare Lorentz, mais tarde, sob a batuta do lendário Edward. R. Murrow, da CBS, quando o documentário jornalístico se impôs na televisão e, reportando ao que nos ocupa, fazendo-se sentir, inevitavelmente, diria eu, em boa parte da impetuosa produção que se seguiu ao 25 de Abril. 


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António-Pedro Vasconcelos, em rodagem

Cineastas do Novo Cinema Português foram bolseiros, nos anos 60, em França e em Inglaterra, tendo, por via dessa experiência, noção dos contornos do debate em torno do cinema do real. Nos últimos anos do Estado Novo, quando começaram a formar-se as cooperativas de autores em torno do Centro Português do Cinema, a maioria assumiu explicitamente o compromisso de defender o cinema como arte. Uma das primeiras cooperativas a manifestar-se nesse sentido foi justamente a integrada por António-Pedro Vasconcelos bem como, entre outros, por António Macedo, Seixas Santos, Paulo Rocha; Henrique Espírito Santo, Fernando Lopes e Fonseca e Costa. Mas uma coisa é estar ciente das armadilhas do documentário. Outra é conseguir evitá-las. E o que aconteceu nos dias seguintes ao colapso do fascismo foi algo de imprevisível a todos os níveis e, também, no plano da linguagem.

 

ACTO II

 

Nos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, gerou-se uma dinâmica social incontrolável. Um caudaloso rio de povo desaguou na rua. O mesmo aconteceu com os profissionais do cinema e do audiovisual. Começaram a filmar furiosamente, a registar tudo, fazendo do povo protagonista e do documentário a ferramenta para interpelar o presente e iluminar o futuro. As Armas e o Povo (1975), assinado pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, talvez seja o filme que melhor ilustra esse tempo. Rodado entre o dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 com a colaboração de vários realizadores e técnicos portugueses, teve Glauber Rocha, figura cimeira do Cinema Novo Brasileiro, no papel de entrevistador. Dando asas à improvisação, batendo de frente com o real, As Armas e o Povo é um documento de valor histórico incomparável. Está lá o espírito do 25 de Abril. Nesse filme, como em grande parte da produção subsequente, a urgência de mostrar e reportar ou excedeu a preocupação estética ou cruzou-se com ela. A experiência do lugar, a participação militante, haveriam de marcar profundamente os caminhos do documentário português. Adiante surgiriam filmes que me atrevo a qualificar de património comum. Entre eles, Bom Povo Português (1981) de Rui Simões, um cineasta conhecedor da melhor tradição do documentário.


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As Armas e o Povo (1975) do Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica do qual António-Pedro Vasconcelos fez parte ao lado de cineastas como Fernando Lopes, António da Cunha Telles, José Fonseca e Costa, Alberto Seixas Santos e outros mais.  

A imagem da Revolução que correu mundo foi a de um soldado com uma criança e

 

um cravo vermelho no cano da espingarda. Obra de militares, os mesmos que após treze anos de uma guerra colonial cruenta puseram termo a um regime cegamente fechado ao mundo, a Revolução revelou-se exultante, colorida e, dados os antecedentes, singularmente pacífica. Tornou-se evidente o anacronismo de quem fazia a hagiografia da guerra. Alargou-se o fosso existente entre a proclamação oficial da bondade da missão justificada pelo passado mítico, abençoada pela Igreja, e a percepção da vivência dos soldados no dia a dia da frente de combate, sem noção, muitas vezes, do que andavam a fazer. As guerras têm destas coisas. Há quem as mande fazer em nome de uma qualquer transcendência e há quem as faça, no concreto, matando e morrendo. Entre os que as fazem, todos mudam. O combatente passa por uma metamorfose. Pode até vir a ser um assassino por gosto. Ou mergulhar sem regresso na loucura. Mas, aqueles cujos familiares são enviados para a guerra também mudam. Assistem à desagregação do tecido social onde, mesmo em circunstâncias adversas de pobreza, se tinham habituado a labutar e viver em comunidade. Sofrem um abalo emocional como, de forma contida, mostra António-Pedro Vasconcelos em Adeus, até ao meu regresso.

 

Dos anos 60 até o fim do regime, a RTP emitiu as chamadas mensagens de Natal dirigidas às famílias, na metrópole, como então se dizia, dos combatentes na Guiné, Angola e Moçambique. Alinhados em longas filas, os soldados avançavam para a câmara de filmar e, diante dela, em poucos segundos, identificavam-se, garantiam estar de boa saúde, despedindo-se, de seguida, com um até breve. Tudo a despachar, som síncrono, sem outra edição que não fosse a determinada pela duração das bobines utilizadas pelas máquinas de 16mm. Por vezes, soldados que apareciam nas mensagens de Natal ou já tinham falecido ou encontravam-se feridos ou estropiados.


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Manuel Gomes Ferreira em Adeus, até ao meu regresso (1974) entre a mensagem de Natal do arquivo da RTP e a memória insustentável da guerra colonial.

 

Nem o Governo, nem as Forças Armadas e, muito menos, a RTP e quem nela mandava, pareciam dar-se conta do efeito contraditório dos programas. Se tinham um conteúdo manifesto, como é óbvio, tinham, também, como deveria ser igualmente óbvio, um conteúdo latente. Numa sociedade asfixiada por práticas censórias, na qual pouco se falava da guerra ou, se falava, era para veicular um ponto de vista estritamente oficial, as mensagens de Natal poderiam trazer algum conforto às famílias dos soldados, mas não deixavam de suscitar legítimas interrogações como se o dado a ver fosse a ponta de um inquietante icebergue de proporções desconhecidas. Com efeito, a cada um daqueles homens que falavam para os seus, mas eram vistos e ouvidos por todos, correspondia o afecto de dezenas, porventura, centenas de pessoas, numa rede de relações espalhada por um território no qual cabiam centenas, porventura, milhares de lugares e aldeias onde silenciosamente pesavam a incerteza, a ausência e o luto.

 

António-Pedro Vasconcelos foi ao encontro desse país ignorado. Localizou ex-combatentes protagonistas das mensagens de Natal, encontrou-os absorvidos nas actividades do dia a dia procurando readaptar-se à vida civil, falou com eles, certificou-se do quanto a guerra colonial os tinha marcado, a eles e aos seus, e descobriu histórias cujo potencial dramático permitiam trazer à superfície quer a complexidade do presente de então, em 1974, quer da guerra que ceifara a vida de tantos. Escolheu, um pouco ao acaso, segundo diria, aqueles cujas experiências melhor se coadunavam com o seu documentário. Rodado em 16mm, a preto e banco, com uma equipa reduzida, como era e continua a ser habitual, Adeus, até ao meu regresso mostra a guerra colonial praticamente sem iconografia correspondente. Salvo em curtos excertos recuperados dos arquivos, nos quais os soldados, ao dirigirem-se às famílias, aparecem em uniforme de combate, tudo o mais tem de ser imaginado em função dos testemunhos, do modo como a câmara de filmar prescruta a paisagem dos rostos e capta o essencial da atmosfera onde 

 

as personagens do filme se movem. Alberto da Costa Maia, o primeiro interveniente, foi para a Guiné em 1969. Terminada a missão regressou a Portugal. Enquanto esteve em África teve um pequeno problema, palavras suas. O seu pelotão foi alvo de ataque da guerrilha e ele, tomado de pânico, desatou a fugir mato fora. Perdeu-se. Só foi recuperado pelos companheiros de armas no dia seguinte. Tem agora emprego numa unidade de abastecimento da Força Aérea. Não sabe se há-de lamentar ou não a perda das “províncias ultramarinas”, mas diz-se contente pelo fim do sofrimento dos pais que viam os seus filhos partir. Ele não tem pai nem mãe, gostaria de os ter. Espera que o futuro seja melhor para todos.

 

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Alberto da Costa Maia, o jovem que gagueja, na fulgurante introdução de Adeus, até ao meu regresso (1974), poderosa metáfora sobre as hipóteses da Revolução.

É esta a introdução, um plano sequência de dez minutos suturado com a exposição rápida dos cartões de uma breve ficha técnica. Alberto é ainda muito jovem, não terá mais de vinte e poucos anos. Parece um adolescente. É dele o close-up inicial feito pelo operador Michel Ognier que há-de manter a câmara ligada para a imagem abrir permitindo o enquadramento do local, a base onde chegam os aviões que vão buscar os soldados às colónias, deslocando-se, depois, em lenta panorâmica em direção ao céu aonde se vislumbra, ao longe, a presença de mais um avião, e voltar a Alberto em grande plano e depois em zoom out a plano médio de modo a que o avião que vai aterrar fique enquadrado. Alberto revela enorme candura. Tem uma gaguez acentuada que o obriga a longas pausas antes de reiniciar a fala intermitente em busca da melhor forma de se exprimir. As pausas são integralmente respeitadas, sem cortes. Hesitante, Alberto dá a sensação de ficar à deriva. Acentua-se a presença do som do avião a fazer-se à pista captado por Jorge Loureiro. O avião aterra. Ouve-se, então, a voz de António-Pedro Vasconcelos a dizer mais ou menos isto. É o dia 14 de Outubro de 1974, uma tarde de domingo, são 16h00, acaba de aterrar o avião que traz de volta os últimos soldados portugueses que combateram na Guiné. Prossegue esclarecendo o seu propósito de fazer, não um ensaio sociológico, mas, tão somente, um retrato “à la minute” sobre quem viveu a guerra e sofreu os seus efeitos dela.

 

O texto escrito, bem como a leitura, são Nouvelle Vague, anos 60, Paris. O mesmo sucede com a câmara de filmar ao promover o realismo das cenas. E, ainda, na liberdade para improvisar quando falam os protagonistas, dando-lhe tempo e espaço. Como em Perdido por Cem (1973), o texto é lido de forma rápida, à semelhança do que faz Jean-Luc Godard em alguns dos seus filmes. Sendo curto e de mera contextualização, evita, a armadilha do jornalismo televisivo. Há dois elementos cuja importância para a significação são determinantes: o que é dito e a voz que o diz. A voz, ao dizer, pode introduzir uma ordem discursiva extra diegética caso se sobreponha à imagem por alegada necessidade de informação. Ora, quando a semântica do texto escrito prevalece sobre a lógica das imagens, passa a ser ele, texto, a determinar a organização de sentido. Verifica-se, então, um fenómeno de inversão da prioridade dos significantes, de resto, tão presente em documentários clássicos posteriores ao advento do filme sonoro. Essa voice of God tomaria conta do jornalismo de televisão. Em Adeus, até ao meu regresso, nada disso acontece. Voz e texto são coerentes com o estilo do filme. O dispositivo do plano sequência inicial é, aliás, recorrente, reforçando a coerência da narrativa. Imagens de arquivo dão passagem para

 

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António Baptista, o dado como morto em combate de Adeus, até ao meu regresso (1974), a mãe e a noiva que deixara de o ser para voltar a sê-lo ou o absurdo de um episódio trágico com final feliz, todavia ainda incerto pelo que se lê na paisagem dos rostos.  

    

O Morto Vivo, a primeira das duas partes do documentário. António José Silva Baptista, o morto vivo, aparece nas mensagens de Natal. A sua história é como segue. Em serviço na Guiné, sai manhã cedo para uma operação militar. A 12km do quartel um ataque dos guerrilheiros faz vários mortos. Alguns corpos ficam carbonizados. António escapa com vida, mas é feito prisioneiro pelo PAIGC. Levado para Conacri perde contacto com os seus. Ao identificarem as vítimas, algumas irreconhecíveis, os camaradas de armas dão António como morto. A família recebe um corpo e faz o seu funeral. A noiva, uma operária fabril, procura começar nova vida. Quando António regressa, após a Revolução, a vida recomeça. Mas já não é a mesma vida, é outra. Tudo mudou. Novas mensagens de Natal introduzem

 

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Adeus, até ao meu regresso (1974), testemunho de pais que perderam o filho na guerra, tristeza e luto em cenário revelador da origem social de uma família de gente trabalhadora.

 

Os Mortos e Os Vivos, a segunda parte. Os vivos regressados procuram os familiares dos mortos de quem foram amigos. Alguns sofrem de distúrbios mentais causados por sentimentos de culpa. Um escapou a uma missão e o amigo que o substituiu morreu numa emboscada. Os familiares dos mortos nunca superaram as perdas. Entre os vivos, alguns já reintegrados, há opiniões ambivalentes em relação às colónias. Estão satisfeitos com o fim da guerra. Mas, perguntam-se sobre o que por lá andaram a fazer. Uns lamentam o rumo da descolonização posto entenderem que os sacrifícios feitos não foram tidos em conta. É o caso de Fernando Silva, enquadrado em plano médio no local de trabalho, uma pequena fábrica de estofos. Fernando não queria ter perdido as colónias, pelo menos, não daquela maneira. Corte. Grande plano de Marcelo Caetano, material de arquivo. Marcelo fala do sangue derramado, a semente do futuro, da honra dos caídos que não pode ser traída, da integridade do Portugal continental e ultramarino.  Corte.  Marcelo deposita uma coroa de flores na campa de um soldado. Corte. A réplica vem de outros combatentes como o Chinês, também estofador de móveis, e Fernando Oliveira Amoroso, operário nos estaleiros da Lisnave, palco de algumas das lutas sindicais mais virulentas pós-25 de Abril. A guerra abriu-lhes os olhos, fê-los ganhar consciência política encaminhando-os para a luta de classes anti-capitalista e anti-imperialista. A imagem final, na Lisnave, mostra dois dos antigos combatentes filmados de costas, afastando-se da câmara, porventura, rumo a um futuro tornado intemporal pelo congelamento do plano. Voltarei ao assunto, para terminar, mas não antes de introduzir algumas considerações e uma

 

deriva sobre cinema e guerra. Respeita esta última à dificuldade, tantas vezes sentida pelo cinema, em encarar questões traumáticas em consequência de constrangimentos de vária ordem. Recupero, a título de exemplo, o que ficou conhecido como a guerra tabu dos italianos. As considerações serão do âmbito da singularidade da Revolução portuguesa, a qual permitiu ultrapassar problemas de representação agudamente sentidos noutros tempos e lugares.  

 

Um dos acontecimentos históricos menos tratados na literatura e no cinema da Itália foi a I Guerra Mundial. Com um saldo trágico de 600 mil mortos, uma legião de estropiados e outra, ainda maior, de soldados desmobilizados sem saber o que fazer da vida, gerou-se um sentimento de humilhação nacional. Para mais, tendo estado do lado dos vencedores, o país não obteve as compensações julgadas devidas, designadamente a anexação dos territórios limítrofes do Império Austro-Húngaro. Mussolini soube explorar o descontentamento, terreno fértil para a ascensão do fascismo. Também ele estivera nas trincheiras onde ganhara, ou forjara, a aura do combatente inspirador, modelo de masculinidade que os jovens da nação deviam seguir. Ferido em combate, foi condecorado pelo rei com pompa e circunstância. Desmobilizado, voltou ao jornalismo e tratou de fomentar o caos. Fez dos Fasci Italiani di Combattimento, criado, em Mião, a 23 de Março de 1919, o seu braço armado. Dois anos mais tarde fundou o Partido Nacional Fascista.

 

O Duce prestou especial atenção ao cinema. Percebendo a sua importância ao serviço da propaganda, criou, com a colaboração do filho, Vittorio Mussolini, um cinéfilo, a Cinecittá e o Festival de Veneza. Investiu fortemente em jornais de actualidades cinematográficas o que, aliás, seria copiado no Portugal de Salazar. Segundo a investigadora Carlota Ruiz, a guerra, tal como é tratada em diversos filmes italianos então produzidos, nunca existiu.  Passava-se em contextos totalmente deslocados da realidade. Surgia como uma atividade sagrada, intemporal, e os soldados eram retratados como mártires a viver a espiritualidade de uma causa patriótica. Heróis, diga-se, criados pelo próprio cinema, subliminar ou explicitamente associados a Mussolini. Exemplo desse imaginário é Maciste, criado para um peplum de Giovanni Pastrone com argumento do excêntrico poeta Gabriele D’Annunzio. Entre 1915 e 1927, foram feitos 26 filmes de Maciste, todos interpretados por Bartolomeo Pagane. Posteriormente, o herói continuou a ser declinado em múltiplos desdobramentos surgindo, até, em tempos históricos espaçados de séculos.

 

Como se sabe, uma das funções do mito é a ocultação. Na Itália, serviu para esconder o trauma coletivo dos italianos em relação à I Guerra Mundial, considerada um suicídio de massas. Centenas de milhares de pessoas, mal armadas e mal preparadas, tinham sido enviadas para um massacre. Regra geral, eram pobres. E para quê? Os diversos poderes subsequentes nunca quiseram acertar contas com esse passado, prevalecendo um insanável sentimento de culpa transversal a toda a sociedade. Imobilizando-a. A situação não deixa de ser peculiar, tanto mais que os efeitos da II Guerra Mundial foram escalpelizados sem condescendência pela literatura e pelo cinema do neo-realismo italiano. Terá a diferença de tratamento resultado de a Itália ter sido uma vencedora humilhada na primeira guerra e uma derrotada sem glória na segunda? Talvez. A verdade é que foi preciso esperar 30 anos por um filme que metesse mãos à obra. A história não acaba aqui.

 

Mal houve conhecimento da intenção de realizar esse filme sempre adiado, gerou-se amplo movimento de protesto. Procurou alterar-se o argumento. Falharam financiamentos. Obstaculizou-se a rodagem. Por fim, contra ventos e marés, surgiu A Grande Guerra (1959) uma comédia amarga de Mario Monicelli, com dois dos mais populares actores italianos da altura, Alberto Sordi e Vittorio Gassman. Elogiado por uns, trucidado por outros, em partes iguais, o filme acabaria por receber o Leão de Ouro, em Veneza, ex-aequo com General Della Rovere (1959) de Roberto Rosselini.


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Marcelo Caetano ou o sangue derramado, imagem de arquivo em Adeus, até ao meu regresso (1974).

 

ACTO III

 

O exemplo da guerra tabu dos italianos contrasta de forma absoluta com o facto de, apenas meia dúzia de meses após o dia inicial de Abril, ser exibido um documentário sobre

 

a guerra colonial portuguesa, também ela profundamente traumática. Milhões de pessoas assistiram pela televisão a algo de impensável, nos antípodas das mensagens do Natal dos anos anteriores. Certamente, o caudal vertiginoso da produção cinematográfica da época terá contribuído para Tal. Só a cooperativa Cinequanon fez mais de 50 filmes. Todavia, não pode ignorar-se que os militares da Revolução foram os mesmos que durante 13 anos combateram na guerra colonial. Fizeram a Revolução para acabar com ela sabendo não haver outra solução que não fosse uma solução política. Foi uma luta titânica. A guerra era um epifenónemo. Em torno dela, o Estado Novo criara uma retórica intransigente. Considerando-se legitimado para levar a cabo uma ação civilizadora em África, exibia a sua galeria de heróis míticos, ostensivamente. Na zona mais importante de Lourenço Marques, por exemplo, erguia-se uma monumental estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque, um militar tido como pacificador de Moçambique e glorificado no cinema por Jorge Brum do Canto em Chaimite (1953). Parafraseando António Lopes Ribeiro havia um feitiço do Império. De uma maneira ou de outra, dificilmente se lhe escapava, justamente, por causa do lastro cultural.


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Extraordinário foi esse peso histórico, bem como a dolorosa experiência dos combatentes, não ter impedido que se falasse da guerra abertamente, ou quase. Porquê? Por uma razão simples. À época, a relação de forças era francamente favorável aos sectores progressistas dentro das Forças Armadas. E as Forças Armadas tinham uma aliança com o povo que nelas maioritariamente confiava. Há uma outra razão não negligenciável. As tecnologias do cinema, bem como da comunicação, de um modo geral, já permitiam uma mobilidade, flexibilidade e velocidade de circulação incomparavelmente superiores às existentes na primeira metade do século passado, por exemplo, no tempo da guerra tabu italiana.  Acrescentaria, ainda, sob reserva, a necessidade de exorcizar fantasmas, de justificar a razão pela qual os militares tinham escolhido o caminho da paz. Também por essa razão, em Adeus, até ao meu regresso, de certa maneira, fica

 

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Em Adeus, até ao meu regresso (1974) Fernando Amoroso, entre dois camaradas dos estaleiros da Lisnave, não entende como ex-combatentes possam ser desfavoráveis à independência das colónias, algo que já defendia durante a guerra, na Guiné, em aerogramas para a mulher.  

 

o mundo virado do avesso ou, se quisermos, o ocaso de uma determinada ordem dá lugar à madrugada de uma ordem nova. Um filme pode ser lido de muitas maneiras. Ao longo dos anos, nós mudamos e os filmes mudam connosco. Mencionado nos Cahiers de Cinéma como sendo de referência no âmbito do documentarismo português, vejo assim, hoje, o filme de António-Pedro Vasconcelos. O plano-sequência inicial é fulgurante. Transita da denotação para a conotação. Alberto da Costa Maia, o gago, com o seu esforço para falar, sugere a Revolução a dar os primeiros passos, tacteando, à procura do melhor caminho. Está num lugar de partidas e chegadas, o céu como limite. Há nele, no entanto, as mesmas dúvidas e incógnitas das demais personagens que viram o seu mundo dar uma volta por causa da guerra colonial. Esse mundo, escondido pelo véu de enganos do Estado Novo, é revelado. Há vivos e mortos. Memórias inquietas, histórias implausíveis, momentos de superação e catarse. Para as contar, o cineasta organizou a narrativa em três actos ou não tivesse sido ele a proclamar a ficção como sua principal preocupação. Apresentadas as personagens, deixa-as ganhar densidade dramática. Encena situações. As imagens de arquivo das mensagens de Natal são pontos de viragem. No excerto do discurso de Marcelo Caetano condensa a evidência da necessidade de derrubar o regime. No final, a solução encontrada prende-se com a consciência de classe. Nada a opor. Mas talvez seja essa a maior debilidade de Adeus, até ao meu regresso porque aí resvala para uma retórica ideológica previsível, um tanto ao arrepio do tanto dado para surpreender. Tem uma atenuante. Nesse tempo, o que é que não era ideológico? Um ponto mais. Apesar de feito para a televisão, evita as suas habituais armadilhas. 

 

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Adeus, até ao meu regresso (1974), o final? Que futuro?

 

Ainda na primeira fase do seu percurso, António-Pedro Vasconcelos fez um último documentário intitulado Emigrantes… E depois (1976). Voltaria a esse registo com A Conspiração (2023), um seriado documental para televisão sobre as engrenagens do movimento dos Capitães de Abril que seria concluído por colaboradores após o seu falecimento. Por sinal, é um excelente seriado.

 

Porto, 25 de Julho de 2024

 


P.S. Este texto foi originalmente publicado na revista online Cinema(s) da Associação Ao Norte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
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Notas, textos de opinião e de reflexão sobre os media, designadamente o serviço público de televisão, publicados ao longo dos anos. Textos  de crítica da atualidade.

Notas pessoais sobre acontecimentos históricos. Memória. Presente. Futuro.

Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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