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CULTURA

Foto do escritorJorge Campos

Porto 2001 - Odisseia nas Imagens IX: Como salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens 2

Atualizado: 20 de out. de 2023

O 4º módulo da Odisseia nas Imagens - Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens - foi também aquele que daria origem à primeira e única edição do Festival Internacional do Documentário e Novos Media do Porto. Corresponde na sua concepção ao que seria e foi a proposta de continuidade da Odisseia nas Imagens com as suas múltiplas articulações: um espaço de exibição, divulgação e reflexão sobre o Cinema, com forte ligação às escolas de Ensino Superior, que se assumia como um polo estruturante da indústria audiovisual e multimédia do norte do País. Daí a publicação, agora, de textos de caráter mais teórico, bem como de outros da autoria de Rui Pereira que se inseriam naquilo que deveria ser uma futura estratégia de comunicação. Estes últimos estão publicados em anexo. Quem se der ao trabalho de ler o texto anterior, este e os seguintes ficará não só com uma ideia clara da lógica da Programação e da extraordinária diversidade, mas também do que seria o futuro Festival Odisseia nas Imagens.



Festival Internacional do Documentário e Novos Media do Porto


De 10 de Setembro a 17 de Novembro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório

Casa das Artes


Mr. Freedom (1969) de William Klein

Pensar Glocal, Projectar o Futuro


Este é o quarto e último módulo da Programação de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Encarada numa perspectiva dinâmica a Odisseia nas Imagens 4.0 recolhe as experiências e faz a síntese dos módulos anteriores configurando o primeiro festival do Documentário e Novos Media do Porto. Como não podia deixar de ser, a abertura do Festival fez-se com O Porto da Minha Infância, de Manoel de Oliveira, uma encomenda da Sociedade Porto 2001. O filme assinala não só o regresso de Oliveira ao documentário 70 anos depois de Douro, Faina Fluvial, mas é também como que um regresso a casa, neste caso a cidade do Porto, onde pela mão de Aurélio da Paz dos Reis nasceu o Cinema Português. O Porto da Minha Infância carrega, pois, simbolicamente, o sentido de um renascimento.


Obedecendo a uma estratégia de criação de novos públicos, de dinamização do debate em torno das questões da imagem e dos novos modos de significar, de reflexão a propósito de um sector audiovisual cuja afirmação regional repercute em termos da afirmação global da realidade local, a Programação foi sendo ampliada e diversificada de módulo para módulo, aliando a componente lúdica a um quadro conceptual exigente e interpelativo, dando a ver aquilo que habitualmente não é visto e questionando aquilo que habitualmente não é questionado.


Assim, ao mesmo tempo que no ciclo O Olhar de Ulisses, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, se fazia a História do Documentário e se mostrava o Grande Cinema, eram dados incentivos às produções escolares e lançados numerosos ateliers, workshops e masterclasses nas áreas do Cinema, Televisão e Multimédia, todos eles com pedidos de inscrição muito superiores às vagas disponibilizadas. Retrospectivas de autor permitiram revisitar Visconti e dar a conhecer Errol Morris. Ciclos temáticos no domínio do digital e das imagens em 3D, instalações e filmes concerto, a partir dos quais se projectou um olhar renovado sobre os clássicos, deram corpo a um olhar experimental. Relevado o papel estruturante dos festivais, assumida a necessidade da ligação às universidades e apontado o caminho para uma política local de incentivo à produção e exibição de documentários, animação e curtas metragens de ficção abriram-se pistas para o futuro.





A Odisseia nas Imagens 4.0 prossegue o percurso iniciado em Maio de 2000 com “O Homem e a Câmara”, continuado em Outubro e Novembro do mesmo ano com “O Som e a Fúria” e desenvolvido em Março, Abril e Maio de 2001 com “Apocalípticos e Integrados”. Este 4º módulo, estrutura-se em torno do modo como as imagens em movimento, bem como as novas linguagens multimédia reflectiram e reflectem as grandes questões do final do século XX e projectam a aventura do século XXI. Certamente não por acaso A Odisseia nas Imagens 4.0 denomina-se “Como Salvar o Capitalismo/ Outras Paisagens” e obedece já ao modelo de um festival que promove em vários espaços, em simultâneo, ciclos de cinema clássico, retrospectivas de autor, masterclasses, workshops, ciclos temáticos sobre a actualidade, fórums de reflexão, trabalhos experimentais e, naturalmente, também, um sector competitivo no qual se enquadra a competição de escolas.


Resulta, pois, que a Odisseia nas Imagens tem por objectivo promover a produção criativa multimédia e o documentário nas suas múltiplas modalidades, bem como transformar-se num fórum de debate sobre políticas e linguagens audiovisuais e multimédia, de modo não apenas a projectar a visibilidade da cidade e da região, mas também a fazer da cidade e da região um polo de produção, distribuição e difusão do cinema, audiovisual e multimédia do noroeste peninsular. Por isso, não apenas a selecção competitiva, mas também outras iniciativas, contemplam uma presença significativa de criadores e especialistas portugueses e espanhóis.



Sessão de encerramento da Odisseia nas Imagens

Ponto de encontro de realizadores, produtores, operadores de televisão e outros agentes culturais, a Odisseia nas Imagens foi estruturada a pensar numa política virada para a identificação e aposta em nichos de mercado assente em critérios de racionalidade económica e de excelência ao nível do discurso. É uma forma de pensar local e agir global. É a política do glocal. Portanto, estes nichos de mercado não se esgotam em produções de difusão limitada, antes são encarados como parte integrante de um mercado consequente, por um lado, da segmentação e especialização televisivas, as quais abrem novas janelas de oportunidades e, por outro, do impacto estruturador produzido pelos festivais internacionais de cinema, televisão e multimédia nas indústrias culturais e no tecido económico dos países da União Europeia.


Por forma a multiplicar a eficácia dos efeitos pretendidos a Odisseia nas Imagens requer, naturalmente, a articulação tanto com estruturas já existentes, nomeadamente as universidades e os festivais de cinema da área metropolitana do Porto – o Fantasporto, o Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde e o Cinanima - quanto com estruturas em fase de lançamento, como a Casa da Animação, ou outras em fase de estudo, como o Media Parque. Como se depreende requer, também, uma estratégia de internacionalização sem a qual a contemporaneidade é inexequível. Observados estes princípios e sabendo tirar partido quer do salto cultural verificado nos últimos dez anos, quer dos efeitos induzidos pela Capital Europeia da Cultura, o Porto poderá legitimamente aspirar a um lugar de interessante protagonismo no contexto do audiovisual peninsular. Em suma, ficam lançadas as bases a partir das quais é permitido imaginar uma nova Cidade das Imagens.

Jorge Campos

Dario Oliveira



Ante-Estreia do Filme “O Porto da Minha Infância” de Manoel de Oliveira

(Encomenda da Sociedade Porto 2001)

Dia 10 de Setembro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório



O Porto da Minha Infância (2001) de Manoel de Oliveira

O Porto da Minha Infância (Texto Jacques Parsi)


Com a liberdade de inspiração e o rigor de escrita que o caracterizam, Manoel regressa à sua cidade natal, a cidade do Porto. Ela já tinha inspirado o seu primeiro filme, Douro Faina Fluvial, em 1931, e o filme que marca o seu regresso atrás da câmara em 1956, O Pintor e a Cidade. Nestas duas obras Oliveira havia filmado aquilo que prendia o seu olhar. Em Porto da Minha Infância, ele escolheu filmar aquilo que já não existe e que só os olhos da memória, da “sua” memória podem ainda ver. À imagem daquele primeiro plano onde uma orquestra invisível toca uma música misteriosa. O Porto da Minha Infância é ainda o Porto de antes do nascimento: uma cidade carregada de história, uma cidade de artistas e pensadores. E, como que por um movimento em espiral, o filme desenvolve-se desde as ruínas da sua casa natal, à cidade do Porto, a toda a sociedade onde se trava a guerra dos sexos, à Europa. O último plano do farol que se abre sobre o infinito do mar e do mundo é a réplica, ou a rima se se quiser, a cores, do primeiro plano do primeiro filme do jovem Oliveira, setenta anos antes... o Porto é também a cidade que viu nascer, depois de 1896, o cinema em Portugal...


Porto da Minha Infância é o filme de uma procura: fragmentos de lembranças, vestígios, testemunhos, marcas, actualidades, letras de canções, fotografias... Imagens de identificação por vezes incerta: estes dois homens que olham para a objectiva da câmara serão realmente os poetas Fernando Pessoa e José Régio? E esta mancha cinzenta? Essa sobre a qual a mão do realizador desenhou uma cabana, um pavilhão de jardim, será realmente a garagem onde revelou o negativo do seu primeiro filme? Fumo de fumo, tudo é fumo. A vida e a memória esfumaram-se. A voz da memória fala de uma garagem, mas nós nunca vemos mais do que uma sombra. Um fantasma. O passado é uma palavra em que se deve acreditar.


A casa natal desapareceu, a árvore da forca desapareceu... e as confeitarias, e o Palácio de Cristal, e a prima Guilhermina, o primeiro amor....


Por momentos, o filme da memória é tomado pela vertigem. Do camarote dos seus pais, Manoel, adolescente, assiste à opereta Miss Diabo. O Manoel que vemos é, com efeito, o seu neto encarregado de o incarnar. Este observa em cena o Manoel que ele será oitenta anos mais tarde, o Manoel que ele é agora, detentor do papel de um actor dos anos vinte, Estêvão Amarante, que interpreta por sua vez o papel de um ladrão, que rouba o coração de uma mulher...


Participantes convidados para a Ante-estreia Nacional do filme:


Manoel de Oliveira

Paulo Branco

Rogério Samora

Ricardo Trepa

António Costa


Filme Concerto

23 de Outubro, Auditório de Serralves – 22H00



Life and Death of 9413 - a Hollywood Extra (1928) de Robert Florey. Fonte: Binged


Life and Death of 9413 - a Hollywood Extra de Robert Florey, 1928

Regen de Joris Ivens, 1929

Un Chien Andalou de Luis Buñuel, 1929

Música ao vivo de Remix Ensemble – Casa da Música

Ciclo «Outras Paisagens». Clássicos do cinema revisitados pelo Remix Ensemble da Casa da Música.


O Remix – Ensemble Casa da Música foi criado no âmbito da Programação Musical do Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura enquanto parte integrante do projecto “Casa da Música”.


Desde o concerto inaugural em Outubro de 2000, sob a direcção do seu maestro titular, Stefan Asbury, o ensemble tem-se apresentado ao ritmo de um novo programa por mês em várias salas do país, nomeadamente Auditório de Serralves (Porto), Auditório do DECA da Universidade de Aveiro, Teatro Nacional de S. João (Porto), Teatro Camões (Lisboa) e Centro Cultural de Belém (Lisboa).


Tendo começado por dar especial atenção aos clássicos do século XX, o Remix – Ensemble Casa da Música tem vindo a alargar o seu repertório, divulgando as mais significativas correntes estéticas da música contemporânea. Os programas de concerto incluíram compositores como Schoenberg, Webern, Dallapiccola, Ives, Nancarrow, Feldman, Varese, John Adams, Frank Zappa, Berio, Knussen, Gruber, Falla, Gandolfi, Debussy, Mahler, Gavin Bryars, Daniel Goode, Philip Corner, Cornelius Cardew, Henry Dutilleux, Poul Ruders, Ligeti, Birtwistle, Steve Reich, Eurico Carrapatoso (primeira audição da obra encomendada pela Fundação Serralves), João Pedro Oliveira, António Chagas Rosa e Emmanuel Nunes.


Em Novembro de 2000 participou no Festival “Música em Novembro”, organizado pelo Teatro Nacional de S. Carlos e em Maio de 2001 participou no “Ensems - XXIII Festival Internacional de Música Contemporânea de Valência”, onde fez a estreia mundial de Buried Materials de António Gómez-Schneekloth (encomenda daquele Festival). Em Abril de 2001 fez a sua primeira incursão na ópera através da produção de The Turn of the Screw de Benjamin Britten (co-produção do Estúdio de Ópera do Porto e do Teatro Nacional de S. João), com direcção musical de Brad Cohen e encenação de Ricardo Pais. Em Setembro de 2001, realizou dois concertos, no Centro Cultural de Belém e Auditório Serralves, com um programa inteiramente preenchido por obras encomendadas aos compositores João Madureira, Luís Tinoco, Sara Carvalho, Nuno Corte-Real, Patrícia Almeida e José Luís Ferreira em co-produção com o Centro Cultural de Belém. Em Outubro de 2001 interpretou, juntamente com a Orquestra Gulbenkian e Drumming –Grupo de Percussão, Quodlibet de Emmanuel Nunes, sob a direcção de Jürg Henneberger e Kasper de Roo.


Além de ser dirigido regularmente por Stefan Asbury, o Remix – Ensemble Casa da Música já trabalhou sob a direcção de Ilan Volkov, Anton Lukoszevieze, Brad Cohen, Miquel Bernat, Michael Zilm, Sarah Ioannides e Kasper de Roo.


Participantes:


Stefan Asbury (Direcção)

Angel Gimeno (Violino)

Monica Germino (Violino)

Trevor McTait (Viola)

Oliver Parr (Violoncelo)

António Augusto Aguiar (Contrabaixo)

Helen Bledsoe (Flauta)

José Fernando Silva (Oboé)

Vitor Pereira (Clarinete)

Roberto Erculiani (Fagote)

Bruno Hiron* (Trompa)

Gary Farr* (Trompete)

Jonathan Pippen (Trombone)

Mário Teixeira (Percussão)

Manuel Campos (Percussão)

Jonathan Ayerst (Piano)


* músico convidado



O Olhar de Ulisses 4 - Resistência

26 de Outubro 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


«A Ilha das Flores» de Jorge Furtado

«Dodes’ka-den» de Akira Kurosawa


Uma obra-prima de Kurosawa. O seu primeiro filme a cores tantas vezes comparado à pintura de Mondrian e do Kandinski da primeira fase. Uma crónica sobre o cotidiano de uma periferia pobre de Tóquio, na qual se cruzam um menino que mendiga num restaurante a comida para si mesmo e para o pai, uma jovem tímida que faz flores artificiais para sustentar o padrasto alcoólatra, o "maquinista" de um comboio imaginário que imita o som das rodas sobre os trilhos…Dodes’ka-den, Dodes’ka-den… Tudo à margem da metrópole invisível que mesmo assim sufoca a vida dos excluídos.



Dodes’ka-den (1970) de Akira Kurosawa

Estreia: «Messiah» de William Klein

27 de Outubro de 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


Ciclo «Como Salvar o Capitalismo» - Estreia em Portugal do filme «Messias», de William Klein, um dos ícones da cultura contemporânea. Fotógrafo, cineasta, pintor, Klein revolucionou a fotografia e o documentário. Proscrito durante 40 anos no seu país, acolhido mas também censurado em França, definiu provocadoramente o seu «Messias», que recolhe a obra monumental de Haendel, numa curta frase: «Cristo + Charlot».



Messiah (1999) de William Klein

Estreia: «Crazy» de Heddy Honigmann

28 de Outubro de 2001, Grande Auditório Rivoli – 22H00


Ciclo «Como Salvar o Capitalismo» - Um relato de experiências de guerra de soldados em missões dos capacetes azuis da ONU em várias partes do mundo ou o modo de entender a globalização da guerra por uma das principais documentaristas da actualidade, autora, entre outros dos multipremiados «O Amor Natural» e «Metal e Melancolia». “Crazy” combina as imagens recolhidas pelos próprios soldados no teatro de guerra com a música e as canções que permaneceram associadas à sua memória dos conflitos: de Puccini a Elvis Presley, de Pergolesi a Patsy Cline.



Crazy (2000) de Heddy Honigman


Quem és Tu? de João Botelho

Estreia (Sessão Especial)

Dia 29 de Outubro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório


Quem és tu? Quem são as figuras, os grupos, as situações que perturbam o sono de Maria? Quem és tu, rei imberbe, cuja loucura foi a nossa desgraça e cujo fantasma atormenta o nosso sono e o sono de Maria? Quem és tu, cativo de Fez, que vens pôr em causa o nosso sossêgo e o nosso abandono? A atmosfera moral, visionária, supersticiosa e a grandeza que envolvem o Frei Luís de Sousa, e tudo o que moldou e vazou o maior mito da nossa História, o sebastianismo, essa abdicação de História e prova póstuma da nacionalidade, podem resumir-se nessa pergunta. Frei Luís de Sousa é uma obra de génio, ímpar na arte da escrita portuguesa, que só tem comparação no teatro de Gil Vicente, nos Lusíadas e nos sonetos de Camões, antes de Garrett, e no Amor de Perdição de Camilo, e nos versos de Pessoa, depois dele.


Uma "forma de beleza, acima da qual nada mais há!", a imensidão de qualquer um dos finais dos actos que sendo tão grandiosos só se escrevem uma vez. Ser possível fazer um filme sobre um patriota singular sem abdicar de lutar pelo progresso das formas e das ideias. Aliás, todos nós cineastas, devíamos ser obrigados a fazer um Frei Luís de Sousa.

João Botelho


Participantes:

João Botelho (realizador)

José Pinto (Actor)

Bruno Martelo (Actor)

Patrícia Guerreiro (Actriz)

Suzana Borges (Actriz)

Rui Morisson (Actor)

Rogério Samora (Actor)

Francisco D'Orey (Actor)

Elso Roque (Imagem)

Sílvia Grabwoski (Guarda-roupa)

Rita Gallo

Catarina Cabrita



Quem és tu? (2001) de João Botelho


Ciclo “Como Salvar o Capitalismo”

De 20 de Outubro a 3 de Novembro

Casa das Artes

Sinopse:


No último quartel do século XX, o que restava da utopia caminhou ao lado de regimes de mãos de ferro, a humanidade envolveu-se em sanguinolentas carnificinas e o homem conheceu um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes, avançando na aventura do espaço e do ciberespaço. Fazendo uso do mapa genético, criou condições para se multiplicar laboratorialmente. Este admirável mundo novo é, na verdade, um mundo de luz e sombra, porventura de Frankenstein e da sua criatura, seguramente de ecrãs planos transportando dentro de si personagens sem espessura numa espécie de versão pós-moderna da paisagem orwelliana. Ruiram os mitos, tombaram os muros. Em que acreditar? Pois, salve-se, ao menos, o capitalismo! Por entre o amontoado de cacos e telelixo, reminiscências de um tempo que se acreditou poder ser justo, na desordem aparente que sugere uma nova barbárie ou, se preferirmos, nessa ordem aparente que promete uma ordem nova, haja, pois, lugar para um olhar oblíquo, transversal, provocatório.


Jorge Campos



Retrospectiva de William Klein/ Filmes do ciclo Como Salvar O Capitalismo

Exposições/ Masterclasses/ O Choque das Imagens

De 21 de Outubro a 2 de Novembro


Como Salvar o Capitalismo

De 21 a 25 de Outubro de 2001

Casa das Artes


Retrospectiva de William Klein

Com a presença de William Klein e de Jeanne Klein

Casa das Artes



Foto Ali de William Klein

William Klein revolucionou o cinema, como tinha revolucionado a fotografia com o seu livro sobre Nova Iorque, em 1956. A sua visão de autor consiste em abordar um tema que conhece bem (a moda, os media, o engajamento político) e desmontar os seus mecanismos por meio da ficção. A boneca fica com as entranhas à mostra, e é ainda mais bonita. Klein leva o traço até à farsa, ao agit-prop. Está sempre na vanguarda, uma ou duas décadas à frente. Para cada um dos seus vinte filmes procura um estilo adequado. Em Qui êtes-vous Polly Maggoo (1965-66) há banda desenhada, contos de fadas, palhaçadas, coreografia, e a antecipação das farsas grotescas da moda actual. Klein caricaturiza os que estão na moda e os (as) ditadores (as) da moda. Permite-se ser “excêntrico” ao estilo das comédias americanas da sua infância, com o príncipe encantado de pacotilha apaixonando-se pela foto de uma vedeta. O seu procedimento é ainda mais corrosivo em Mister Freedom (1967-68), um panfleto contra a América polícia do mundo. Com desenho e argumento de William Klein, Freedom antecipa o pop com o seu azul-branco-vermelho introduzido no guarda roupa. As manifestações enfurecidas do “movimento Freedom” configuram as missas do lepenismo avant la lettre. Em Le couple témoin (1975-76) denuncia os grandes aglomerados urbanos. Um casal comum (André Dussolier e Anémona) é submetido à vigilância de psico-sociólogos inverosímeis e sádicos, num apartamento-modelo. Klein zomba dos dependentes do consumismo e recorta o casal seguindo o pontilhado, num cenário branco, de nonsense. Não é de espantar que André Dussolier se tenha sentido “objecto das provocações” de Klein, o que muito o divertia.


Os documentos-retratos de Klein, que tratam de três super negros, são Muhammad Ali, the Greatest, Eldridge Cleaver, Black Panther e Little Richard story. São os “Abre-te Sésamo” da sua América particular. Cassius Clay, genial lutador de boxe, nascido dos deuses em Kentucky, comprado como um cavalo pelos aristocratas, torna-se duas vezes campeão mundial de pesos pesados. William Klein segue-o, apaixonado, mas sem bajulações, e restitui a imagem do atleta mais célebre da História com uma energia e um oxigénio desconhecidos no cinema documental. É que Klein é um mestre da reportagem e tem um olhar devorador. Little Richard story é uma outra face da América, a história de um cantor de rock que desce a ponto de vender Bíblias para dois aldrabões evangélicos brancos que o exibem e exploram. Sentindo-se enganado, Little Richard diz adeus e desaparece durante a rodagem. Klein não se deixar vencer e descobre um concurso de imitadores de Little Richard, um "Dia Little Richard" sem Richard. Filma tudo e conclui o documentário sem o herói. É destroçador, derrisório e comovedor. Quanto a Eldrige Cleaver, procurado pelo FBI e refugiado na Argélia, Klein filma-o durante três dias e três noites, enquanto ele faz um discurso de "iluminado" sobre a "nova revolução americana". Klein persegue, através de planos cada vez mais próximos, um Cleaver a divagar, a triturar uma faca de entalhar e a fumar. Enquanto Muhammed Ali é um falso clown e um verdadeiro Messias, Cleaver é um falso Messias e um verdadeiro louco. William Klein escolheu exprimir-se pelo desporto, pelo rock, pela música e pelo Messias. Ao som do oratório de G. F. Haendel faz Le Messie (O Messias): "Vai ser Jesus + Charlot", disse Klein.


Claire Clouzot



The Little Richard Story (1980) de William Klein


Filmes:


21 Outubro

18:30h

The Little Richard Story (1980) de William Klein, 90’

22:00h

Mode en France (1985) de William Klein, 90’


22 Outubro

18:30h

Don’t Look Back (1967) de D. A. Pennebaker, 96’

22:00h

Muhammad Ali, The Greatest (1974) de William Klein, 120’


23 Outubro

18:30h

I Am Cuba (1964) de Mikhail Kalatozov, 141’

às 22:00h

Havanna Mi Amor (2000) de Uli Gaulke, 80’



I Am Cuba (1964) de Mikhail Kalatozov


24 Outubro

18:30h

Far From Vietnam (1967), episódio de William Klein

Eldrige Cleaver (1970) de William Klein, 75’

22:00h

Mr. Freedom, de William Klein, 1969, 95’


25 Outubro

16:00h

Masterclass de William Klein+filmes:

Contacts (1983) 15’

Hollywood California: A Loser’s Opera (1977), 60’

22:00h

Broadway By Light (1958) de William Klein, 12’

Who Are You, Polly Magoo? (1966) de William Klein, 102’



Who Are You, Polly Magoo? (1966) de William Klein

Exposições de Wiiliam Klein:


A Revolução já não está na moda? E Klein, estará?

Ao contrário do personagem de Feydeau que dizia: “Como queres tu que eu te escute, quando me falas a contraluz?”, o clamor emitido pelas fotografias de William Klein impede-nos, por vezes, de as ver. As imagens que ele arranca à realidade conservam todo o seu furor e ruído, como se ele tivesse introduzido uma banda sonora em cada um dos seus rolos fotográficos. O universo fotografado por Klein nunca acaba, sendo uma vítima constante de devastações internas, de relações de força que em si mesmas se modificam alterando as estruturas. Em vez de estagnar, como muitos outros, o seu universo reproduzido na superfície gelada do papel adquire uma nova energia e entra em erupção diante dos nossos olhos. Incendeia-se, assobia, agita-se, lança jactos de matérias incandescentes e produz seres fabulosos, os pés apanhados pela lava e o rosto coberto por graffitis. As fotografias de William Klein são agitadoras, comoventes e revolucionárias.


Wiiliam Klein – Irónico e devorador

De 20 de Outubro de 2001 a 05 de Janeiro de 2002

FNAC Sta. Catarina


Uma exposição retrospectiva.

De 1958 a 1993, fotografias de Roma, Paris e Nova Iorque.

A moda e os seus bastidores, a rua e as suas cores, imagens dos seus filmes.


William Klein – Mode In and Out

De 20 de Outubro de 2001 a 05 de Janeiro de 2002

FNAC Norte Shopping


William Klein – Contacts

De 21 de Outubro a 12 Novembro de 2001

Casa das Artes


(Excerto do Prefácio de “Mode in and Out” assinado por William Klein, Editions du Seuil, reproduzido no catálogo Odisseia nas Imagens)


“Em 1954, voltei para Nova Iorque depois de ter passado seis anos em Paris. Tinha então dois projectos: primeiro manter um diário fotográfico do meu regresso à minha cidade natal. Segundo, transferir, graças a um processo fotossensível inventado por Corning Glass, as minhas fotos abstractas para a massa de parede de vidro. Alexander Liberman, o director artístico da Vogue, que tinha visto alguns trabalhos meus em Paris, propôs-me um contrato para “contribuições diversas” na revista e o financiamento das minhas fotografias de Nova Iorque para a compilação de um portefólio. Porque não? Sempre era melhor do que correr atrás das bolsas e das galerias.


Comecei a trabalhar furiosamente – contra a fotografia, que eu descobria, e contra a cidade, que eu redescobria. Servi-me de um determinado olhar como arma secreta, um olhar em parte indígena em parte estrangeiro.


As fotografias que fiz para o meu diário foram as minhas primeiras fotografias de verdade. Em Paris tinha começado a aprender a tirar partido da máquina fotográfica, mas pela primeira vez, em Nova Iorque, tinha um projecto em mão…



William Klein

… No início eu era apenas um leigo e não fazia a mínima ideia de como tirar uma fotografia de moda. Qual a iluminação? Que máquina usar? O que pedir ao manequim? O que fazer para não parecermos ambos ridículos? Eu pensava, na altura, que se tratava de uma espécie de ritual com regras secretas e um vocabulário codificado, dos quais eu desconhecia o segredo. Mas essa experiência divertia-me. Fazia parte da Nova Iorque in das músicas de Gershwin, na qual eu tinha crescido. Podia ter-me passado pela cabeça que o ideal seria enforcá-los, toda aquela Beautiful People, ou mandá-los simplesmente trabalhar. Mas, confessemo-lo, eu era tão made in Hollywood quanto qualquer jovem americano e deixara-me igualmente arrebatar não só por filmes como Scarface e Dead End, mas também por Philadelphia Story e Swingtime. Um miúdo que se identificava com Fred Astaire em Top Hat quando ele acaba de “receber um convite pelo correio/dê-nos a honra da sua presença esta noite/vestido a rigor, de casaca e em plena forma!…”


Não obstante, eu também ouvia Louis Amstrong que cantava as mesmas músicas, mas munido de uma ironia incrédula que caracterizava todas as suas interpretações de lengalengas da Broadway.


Foi, portanto, um tom de paródia à maneira de Satchmo que eu tentei imprimir às minhas fotos de moda. Como os avisos no fundo dos maços de cigarros ou o cachimbo de Magritte.


No entanto, embora Magritte tenha estipulado que não se trata de um cachimbo, na verdade é um cachimbo que ali vemos. E eu insistia que estas fotos não eram a sério, mas na verdade elas estavam impressas nas páginas da Vogue…”



Fotos de William Klein


Masterclasses/ Como Salvar o Capitalismo

De 25 de Outubro a 1 de Novembro

Casa das Artes


1. William Klein – Cineasta, Pintor, Poeta, Fotógrafo


Sinopse : William Klein nas suas próprias palavras...


William Klein, 1928, Nova Iorque, é autor de uma obra de culto na área da fotografia e do cinema. O seu álbum «New York», de 1954, teve de ser editado em Paris porque, no seu país, não apenas não encontrou editor disposto a publicá-la, como se converteria num passaporte para um exílio intelectual e artístico de mais de 40 anos. Ao fotografar a selva nova-iorquina, Klein iniciou uma revolução estética e política com reflexos em toda a sua obra posterior, designadamente na sua vasta filmografia, onde o vector artístico sempre seguiu a par do olhar político. Também a televisão francesa censuraria em 1963 um filme que lhe havia encomendado, intitulado Les Français et la Politique. Em 10 anos, entre 1982 e 1992, realiza mais de 250 filmes publicitários para as maiores marcas do mundo, o que, todavia, não o impede de retratar acidamente na sua cinematografia o sistema da moda, do consumo e da alienação. Filmes como Muhammad Ali- The Greatest, Eldrige Cleaver - Black Panther ou Qui Êtes-Vous Polly Magoo?, são referências estéticas e políticas na história do cinema e do documentário da segunda metade do século XX.


Filmografia:

Broadway by light, 1958; Comment tuer un Cadillac, 1959; Le business et la mode, La gare de Lyon, Les troubles de la circulation, Inondation catalane, Les français et la politique (censurado), Le Grand Magasin, 1962-63; Cassius – le grand, 1964-65; Qui Êtes-Vous Polly Magoo?, 1965-66; Loin du Vietnam, 1967; Grands soirs et petits matins, 1968-78; Mister Freedom, 1967-68; Festival Panafricain de la Culture, 1969; Eldrige Cleaver – Black Panther, 1970; Le grand café, 1972; Muhammad Ali The Greatest, 1969-74; Le Couple Témoin, 1975-76; Hollywood – California, 1977; Music City – USA, 1978; The Little Richard story, 1980; The french, 1981; Ralentis, 1984; Mode in France, 1985; Contacts, 1986; Carte d’ identité, État des lieux, La grande arche, Ciné défense, 1989; Babilée’ 91, 1991; In & out fashion, 1993, Le Messie, 1997-98.


(Continua)


ANEXO I


Eddy Honnigman

A 28 de Outubro na Odisseia nas Imagens


Crazy, de Heddy Honigmann:

Um Retrato da Guerra na Intimidade


Um outro olhar sobre a guerra. Como é, visto pelos olhos dos oficiais de manutenção de Paz das Nações Unidas, o conflito militar da Coreia e Indochina até à ex-Jugoslávia? Mais do que isso: como é por eles percebida e sentida a guerra, à medida que o desafio ao olhar de cada uma dessas pessoas ganha uma intimidade cada vez mais profunda, como a sugerida, por exemplo, pelo escutar de uma melodia especialmente querida, num cenário devastado pelas bombas? Munida de uma câmara e destas perguntas, a cineasta holandesa Heddy Honigmann realizou um filme brilhante: «Crazy». Pelas 22 horas do próximo 28 de Outubro, o Porto poderá vê-lo em estreia em sala em Portugal, no Grande Auditório do Rivoli Teatro Municipal.


Honigmann é uma das mais importantes documentaristas da actualidade. Faz parte do reduzido número de cineastas que consegue ver os seus filmes saltarem dos écrans de televisão para a sala escura. Crazy é um desses casos de sucesso. Sobre o filme escreveu o crítico Steve Erickson:«Não vi em todo o ano um documentário melhor do que este».


Alternando imagens de vídeo doméstico e de família, com grandes planos de cada um destes oficiais falando ao som da sua música preferida, ou de alguma outra que lhe traz à memória situações especialmente problemáticas em que se tenha encontrado, noutros cenários de guerra, Heddy Honigmann revisita Puccini e Elvis Presley, Pergolezzi e Patsy Cline e segundo Erickson, utiliza «a maleabilidade da música, para, de uma forma proustiana convocar a memória».


O que poderia não passar de um retrato convencional sobre as forças de manutenção de Paz e os seus agentes torna-se, assim, por via de um documento sobre a intimidade, um retrato delicado daquilo que são as cicatrizes da guerra e os seus efeitos psicológicos de longo termo.Com uma eficácia que aumenta na proporção da sua contenção, «Crazy» expõe «toda a ineficácia da missão humanitarista das Nações Unidas», particularmente na ex-Jugoslávia, aponta Steve Erickson, na sua apreciação do documentário.


De nacionalidade holandesa e oriem peruana, Heddy Honigmann nasceu em 1951, na cidade de Lima. Estudou biologia e literatura e radicou-se na Europa onde, a partir de 1973, cursou cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. Depois de obter a nacionalidade holandesa, a cineasta realiza em 1979 o seu primeiro documentário, «A Israel dos Beduínos». Sete anos depois, Honigmann conclui a sua primeira longa metragem«Mindshadows», para obter, já em 1993, o Grand Prix du Cinéma du Réel, em Paris e o Prémio Especial do Júri, em San Francisco (Golden Gate Awards). Depois disso Honigmann tem obrtido numerosos galardões em todo o mundo, nomeadamente com o seu documentário já hoje clássico «Metal e Melancolia».


Heddy Honigmann, autora de dezena e meia de filmes, consegue com «Crazy» realizar uma monumental obra sobre o horror da guerra, apesar de (ou talvez por) não incluir, em todo o documentário, mais do que 30 segundos de imagens de atrocidades. Uma viagem desolada pela terra queimada, pela devastação da guerra e, sobretudo, pela alma e a consciência dos homens. No final, Crazy, a canção de culto de Patsy Cline, uma das mais belas algumas vez escritas no universo da country pop, ecoa com a pungência das perdas irremediáveis.



ANEXO II





ODISSEIA NAS IMAGENS 4.0

COMO SALVAR O CAPITALISMO


WILLIAM KLEIN SOBRE 11 DE SETEMBRO

«A AMÉRICA ESTAVA A PEDIR ISTO...»


O cineasta e fotógrafo norte-americano William Klein, 72 anos, afirmou ontem à tarde, acerca dos atentados de 11 de Setembro, que «a América estava a pedir isto». Os atentados constituíram «uma tragédia mas, ao mesmo tempo, uma coisa boa», devido ao sentimento «de impunidade e superioridade» da política e mentalidade norte-americanas, acrescentou aquele que é considerado um dos maiores nomes da história da fotografia de moda e do cinema na segunda metade do século XX.


Klein produziu estas declarações durante uma masterclass que proferiu no âmbito do ciclo «Como Salvar o Capitalismo», uma das componentes do último módulo da «Odisseia nas Imagens», iniciativa do Departamento de Cinema e Audiovisual da Sociedade Porto 2001 SA.


Wiliam Klein recordou «o bombardeamento sistemático do Iraque ao longo dos últimos 10 anos» e salientou a importância «do escândalo bancário de biliões de dólares que, disse, «envolvendo os três filhos de George Bush (Sénior) acabou por determinar o início dos ataques» conta aquele país árabe, «travando imediatamente as investigações».


O cineasta, radicado em Paris desde o Pós-Guerra e que viu o seu trabalho banido nos Estados Unidos durante mais de 40 anos, classificou ainda os atentados em Washington e Nova Iorque como «a mais brilhante acção militar da História». O sucedido «mostrou aos americanos que não apenas existem pessoas espertas para além deles, como mais espertas do que eles» evocando ainda a propósito do 11 de Setembro, a última fotografia do seu livro «New York», de 1955, «onde escureci o céu, em volta do sol, sobre Manhatan, produzindo um efeito que fazia lembrar uma explosão atómica. Algum dia aquilo ía explodir. Aí está», concluiu.


Sobre a sua relação com o seu país natal, William Klein classificou-a como «40 anos de purgatório» e considerou que o seu nome representa ainda hoje para os Estados Unidos «más notícias (bad news)», acrescentando que «se vivesse em Nova Iorque já tinha morrido de pelo menos 15 ataques cardíacos».


Durante cerca de três horas, o cineasta respondeu a perguntas de uma assistência de cerca de 200 pessoas, entre as quais se encontravam os participantes numa pós-graduação em documentarismo promovida no âmbito da «Odisseia nas Imagens».


William Klein falou também da sua obra fotográfica e cinematográfica, negando a possibilidade de existência de objectividade nas imagens. «Quando se assume que se está a fazer algo subjectivo não se deve justificar o facto de não se estar a ser objectivo», explicou. Especificamente sobre o documentário, Klein, que filmou alguns dos maiores ícones da História contemporânea, desde o lider dos Black Panther, Eldridge Cleaver, ao pugilista Muhammad Ali, passando pelo mito do rock n’ roll, Little Richard, o cineasta defendeu «a inexistência de regras e de uma verdade. Não acredito que exista uma verdade seja onde for», afirmou.


Abordando a influência das imagens sobre o público, Klein garantiu não conhecer «muitos filmes que tenham influenciado muita gente a fazer seja o que for. Influenciar não é a única razão que leva as pessoas a fazerem filmes. Fazemos filmes por nós próprios» explicou. Contudo, ilustrou o antigo fotógrafo da «Vogue», «quando fizémos “Far From Vietname” –um documentário crítico da guerra na Indochina- fomos 300 pessoas a trabalhar gratuitamente, porque um grupo de estudantes que estava à cabeça das manifestações de protesto nos sugeriu que o fizéssemos e nós achámos uma boa ideia».


Instado a comentar as diferenças que vê entre o cinema americano e europeu, Klein mencionou simplesmente «os orçamentos» e sublinhou ironicamente o facto de «nunca ter realizado qualquer filme com produção e financiamento dos Estados Unidos», apesar de serem familiares seus, alguns dos administradores da «United Artists».



ANEXO III





PORTO 2001 E FNAC MOSTRAM

EXPOSIÇÕES DE WILLIAM KLEIN


OS ÍCONES DO ICONOCLASTA


«Mode in & Out» e «Irónico e Devorador» são os títulos de duas exposições do fotógrafo e cineasta norte-americano William Klein que no âmbito da programação audiovisual da Porto 2001 estarão patentes ao público entre 21 de Outubro e 5 de Janeiro, nas galerias das lojas FNAC de Santa Catarina e do Norte Shopping, respectivamente.


Unanimemente considerado como um dos mais revolucionários autores da segunda metade do século XX, nas áreas da fotografia, do cinema e do documentário, Klein estará, ele próprio, no Porto, em Outubro, para participar no evento «Como Salvar o Capitalismo», um dos núcleos do primeiro Festival Internacional do Documentário e dos Novos Media do Porto. Além de proferir uma masterclass, Klein terá também em exibição uma retrospectiva da sua obra como documentarista, onde o público poderá ver 11 dos seus 20 filmes.

«... No início eu era apenas um leigo e não fazia a mínima ideia de como tirar uma fotografia de moda. Qual a iluminação? Que máquina usar? Que pedir ao manequim? O que fazer para não parecermos ambos ridículos?», descreve Klein no prefácio da edição em livro de “Mode In & Out”. Evocando os nove anos em que trabalhou para a Vogue, uma das mais reputadas revistas de moda do mundo, Klein acrescenta:«Podia ter-me passado pela cabeça que o ideal seria enforcá-los, toda aquela “Beautiful People, ou simplesmente mandá-los trabalhar. Mas, confessemo-lo, eu era tão made in Hollywood quanto qualquer pequeno americano. Foi, portanto, um tom de paródia (...) que tentei imprimir às minhas fotos de moda. Como os avisos no fundo dos maços de cigarros. (...) Eu insistia que essas fotos não eram a sério, mas na verdade elas estavam impressas nas páginas da Vogue».


O resultado crítico dessa experiência (e da resultante de mais de 250 filmes e spots publicitários realizados para todas as principais marcas do mundo) daria forma ao documentário «In and out fashion», 1993, simultaneamente uma paródia ao mundo da moda e uma crítica ácida à dependência consumista das sociedades contemporâneas.


Richard Avedon considera que «na história da grande fotografia da moda, Klein é o inventor de uma concepção viril sem paralelo e jamais alguém poderá igualá-la ou ultrapassá-la». Por seu lado, Claire Clouzot destaca, num texto relacionado com os materiais da segunda exposição do Porto, «William Klein, irónico e devorador», como ele «revolucionou o cinema, como tinha revolucionado a fotografia (...) Encontra-se sempre na vanguarda, uma ou duas décadas à frente».


O director do Centro Nacional de Fotografia de França, Robert Delpire, anotou no catálogo de uma outra exposição de Klein, “Vaidades”: «Quanto mais o tempo passa, mais a coerência da sua obra me surpreende. (...) Nada escapa a esse olhar fulminante que observa de muito próximo... e que enquadra estreitamente. As cenas de rua, a política, ou a publicidade, a moda do desporto ou a televisão. Ele trata todos esses temas com uma ironia corrosiva singular. E a moda também, que aliás lhe ofereceu a oportunidade de penetrar num dos últimos universos barrocos, de inventar imagens que jamais haviam sido produzidas, de circular pelos bastidores dessas grandes óperas que são as apresentações de colecções».


Curiosamente, antes de lhe ser concedida por França a Comenda das Artes e das Letras, 1991, Klein viu ser-lhe censurado um documentário que realizara para a televisão francesa. E, nos Estados Unidos, teve de esperar 40 anos até ver reconhecida a importância da sua obra, hoje consagrada nas mais variadas latitudes. William Klein é Prémio Cultura da então República Federal Alemã (1988) e Prémio Agfa-Bayer-Hugo Erfurth, também da Alemanha, Grande Prémio Nacional de Fotografia de França (1986), Prémio Guggenheim, Estados Unidos (1989), Prémio Internacional da Fundação Hasselbad da Suécia (1990), entre outras distinções.


Quando aos 71 anos de idade, o «guerrilheiro das imagens», como alguém lhe chamou, se encontrava a rodar «Le Messie» («O Messias») ao som do oratório homónimo de Haendel, resumiu o projecto numa fórmula que tanto retrata o filme quanto o seu autor: «Vai ser Jesus Cristo + Charlot».“O Messias” de Haendel/William Klein passa no grande Auditório do Rivoli Teatro Municipal na noite do dia 27 de Outubro.





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