No Desobedoc todos os filmes são apresentados por alguém e haverá sempre uma folha de sala. a mim coube-me este filme. aí vai o texto que escrevi para Roger & Me.
Roger & Me (1989) de Michael Moore é um documentário controverso. Nos Estados Unidos, apesar de distinguido como o melhor do ano, nomeadamente pela National Society of Film Critic, National Board of Review e Los Angeles Film Critics Association, foi excluído das nomeações para os óscares a pretexto, entre outros motivos, de alegada falta de objectividade. Numa carta aberta encabeçada por Pamela Yates e Spike Lee, 45 cineastas insurgiram-se contra a omissão. Entre os signatários estavam Louis Malle (''Phantom India''), Haskell Wexler (''Underground''), Robert Richter (''Gods of Metal''), Mira Nair (''Salaam Bombay!'') e Chris Choy e Renee Tajima (''The Death of Vincent Chin''). O episódio, para além da notoriedade que trouxe ao cineasta, teve outras consequências. Obrigou a Academia a rever critérios, contribuiu para o regresso do documentário às salas e reabriu o debate sobre ocinema independente americano numa lógica antitética da dos media sob controle das corporações. O que é Roger & Me? Antes do mais é um filme imensamente divertido e devastadoramente iconoclasta. Parte das consequências de um despedimento colectivo levado a cabo pela General Motors em Flint, Michigan, cidade natal de Moore, para uma perseguição movida pelo cineasta ao CEO da empresa, Roger Smith, numa tentativa de o trazer de volta para lhe mostrar o pesadelo social causado pelo encerramento das fábricas. Claro que a perseguição é apenas um pretexto para a desconstrução do american way of life, das suas bandeiras e mitos no tempo concreto do reaganismo. Nesse percurso há uma antinomia permanente entre a apregoada bondade do sistema capitalista e o cortejo de consequências nefastas que se abate sobre os desempregados e as suas famílias. Em pano de fundo, a cortina simbólica que faz do entretenimento uma forma letal de hipnose. Moore entrevista super-estrelas como Pat Boone, o crooner que rivalizou com Elvis Presley na segunda metade dos anos 50, diverte-se com Miss América e dá alfinetadas em vedetas da televisão como Bob Eubanks. Encontra recorrentemente o xerife Fred Ross ocupado na interminável tarefa de despejar os pobres das casas cujas rendas não puderam pagar. E, finalmente, arranja maneira de se introduzir numa festa de Natal presidida por Roger Smith. Sarcástico, comediante de extraordinários recursos, Moore constrói uma narrativa que acolhe elementos da cultura de massas e cuja eficácia decorre da utilização de códigos facilmente reconhecidos por um público cuja posição face ao cinema se inscreve no âmbito de uma relação multimédia alargada. Em Roger and Me (1989) há, com efeito, um dispositivo cinematográfico ao qual estão associados significantes de uma paleta multiforme onde cabem as imagens de arquivo e as imagens in loco, a música pop e os jogos de vídeo, o cinema de animação e a reportagem televisiva, o registo stand up comedy e, sim, a lógica da propaganda. Neste caso, assumidamente anti-Reagan. Dado o sucesso dos seus filmes junto do público, não admira que Michael Moore se tenha transformado numa espécie de bête noire dos republicanos. É que ele vira a América de pernas para o ar.
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