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CULTURA

Ucrânia (Parte II): Nacionalismo e Identidade no Tempo dos Monstros, o “nacionalismo moderado”

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • há 12 minutos
  • 10 min de leitura

 

2. O “nacionalismo moderado” de Plokhy, Yekelchyk e Matthews


São os pilares do nacionalismo identificados no monumento a Stepan Bandera de Lviv que servem de matriz aos historiadores ucranianos ou de ascendência ucraniana. Com diferentes e, por vezes, substanciais declinações, a maioria procura afastar-se do líder ultranacionalista, promovendo, em simultâneo, a ideia de um novo “nacionalismo moderado”. É o que fazem Plokhy, Yekelchyk e Matthews que, em maior ou menor grau, levam a cabo digressões, medidas em séculos, em busca da identidade da nação. Poderá haver, e há, ponderação diversa de episódios sinalizados, mas partilham os fundamentos de uma mesma matriz histórica legitimadora. A razão é simples. A questão da Ucrânia é existencial.


 

Stepan Bandera, o herói nacionalista ucraniano de quem a maioria dos historiadores contemporâneos procura distanciar-se. Comandante da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), Bandera foi um dos principais colaboradores da Alemanha nazi, sendo comprovadamente responsável por numerosas atrocidades e crimes de guerra, incluindo o extermínio de judeus ucranianos. Todavia, há quem veja nele um ícone da resistência anti-soviética e um combatente pela liberdade. A imagem negativa a ele associada que para o exterior é, regra geral, atribuída à propaganda russa. (ver exemplo do elogio de Bandera, herói nacional, aqui: https://theins.ru/en/politics/250805). Imagem:The Insiderd
Stepan Bandera, o herói nacionalista ucraniano de quem a maioria dos historiadores contemporâneos procura distanciar-se. Comandante da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), Bandera foi um dos principais colaboradores da Alemanha nazi, sendo comprovadamente responsável por numerosas atrocidades e crimes de guerra, incluindo o extermínio de judeus ucranianos. Todavia, há quem veja nele um ícone da resistência anti-soviética e um combatente pela liberdade. A imagem negativa a ele associada que para o exterior é, regra geral, atribuída à propaganda russa. (ver exemplo do elogio de Bandera, herói nacional, aqui: https://theins.ru/en/politics/250805). Imagem:The Insiderd

A bandeira nacional e o tridente sempre presentes nas manifestações pró-ucranianas. A foto é de Pittsburgh, em 03 de março de 2025, com a refugiada nos Estados Unidos, desde 2014, Natalka Rymar, ao centro. O tryzub, tridente em português, em fundo azul (o céu) e ouro (o trigo), é o símbolo nacional da Ucrânia. Há quem localize a sua origem no século I d.C., como símbolo de poder de algumas tribos nórdicas. A partir desses vestígios procurou estabelecer-se um itinerário que tem na Rus’ de Kiev, no século X, o momento em que o tridente, então visto como a Santíssima Trindade, representa o estado. Porém, só no século XX surge associado a duas efémeras repúblicas ucranianas, aliás, com pouco ou nada em comum com a atual. O tridente em fundo ouro e azul, enquanto símbolo da república da Ucrânia que emergiu com o colapso da União Soviética, em 1991, tem pouco mais de 30 anos. Imagem: Pittsburgh’s Public Source
A bandeira nacional e o tridente sempre presentes nas manifestações pró-ucranianas. A foto é de Pittsburgh, em 03 de março de 2025, com a refugiada nos Estados Unidos, desde 2014, Natalka Rymar, ao centro. O tryzub, tridente em português, em fundo azul (o céu) e ouro (o trigo), é o símbolo nacional da Ucrânia. Há quem localize a sua origem no século I d.C., como símbolo de poder de algumas tribos nórdicas. A partir desses vestígios procurou estabelecer-se um itinerário que tem na Rus’ de Kiev, no século X, o momento em que o tridente, então visto como a Santíssima Trindade, representa o estado. Porém, só no século XX surge associado a duas efémeras repúblicas ucranianas, aliás, com pouco ou nada em comum com a atual. O tridente em fundo ouro e azul, enquanto símbolo da república da Ucrânia que emergiu com o colapso da União Soviética, em 1991, tem pouco mais de 30 anos. Imagem: Pittsburgh’s Public Source



Moeda de prata do tempo do príncipe Vladimir, o Grande, da Rus’ de Kiev. No reverso, à direita, o tridente. Mykhailo Hrushevsky, historiador ucraniano da transição do século XIX para o século XX, afirma ter identificado no tridente a simbologia das origens da nacionalidade, o elo de ligação entre o estado moderno e o passado medieval. Imagem: Reddit
Moeda de prata do tempo do príncipe Vladimir, o Grande, da Rus’ de Kiev. No reverso, à direita, o tridente. Mykhailo Hrushevsky, historiador ucraniano da transição do século XIX para o século XX, afirma ter identificado no tridente a simbologia das origens da nacionalidade, o elo de ligação entre o estado moderno e o passado medieval. Imagem: Reddit


O Regresso da História. Historiador e diretor do Harvard Ukranian Research Institute, apresentado pelo Financial Times como “o mais importante historiador da Ucrânia”, Serhii Plokhy introduz em A Guerra Russo-Ucraniana - O Regresso Da História, publicado pela Editorial Presença, a diferenciação entre “nacionalismo moderado” e “nacionalismo radical”. Porém, ao longo das 330 páginas do livro escassas linhas se ocupam do nacionalismo “radical”. A par do reconhecimento do papel de organizações extremistas, Plokhy, não omitindo o passado de Stepan Bandera, apoiante do III Reich, cujo colaboracionismo sugere ter sido consequência de uma reação ao Holodomor, realça, em todo o caso, o papel do homem que, no final da guerra, chegou a estar detido num campo de concentração nazi.


Em contrapartida, investe a fundo na tese segundo a qual “A invasão russa destruiu os últimos resquícios da crença de que os Ucranianos e os Russos eram povos irmãos” (p.186), providenciando, nesse sentido, diversos comprovativos. Por exemplo, em Pereiaslav, as autoridades municipais removeram o monumento comemorativo da reunificação da Rússia e Ucrânia, o qual, reportando a 1654, aludia ao juramento de fidelidade prestado pelo atamã Bohdan Khmelnytsky ao Czar russo (p.187). Outro exemplo:


“O monumento da Mãe Pátria a defender a cidade contra a agressão nazi com a espada numa mão e o escudo na outra, erigido pelos soviéticos nos anos 1980 e conhecido como um símbolo de Kiev, permaneceu quase intacto, mas mudou de significado. É agora visto como um símbolo da resistência à invasão russa.” (p.187)


A estátua da Mãe Pátria com 102 metros de altura, originalmente um monumento comemorativo da vitória soviética sobre o nazi-fascismo, foi adaptado aos novos tempos. Perdeu a foice e o martelo e em seu lugar apareceu o tridente ucraniano. Na foto, o monumento original. Imagem: Poder 360
A estátua da Mãe Pátria com 102 metros de altura, originalmente um monumento comemorativo da vitória soviética sobre o nazi-fascismo, foi adaptado aos novos tempos. Perdeu a foice e o martelo e em seu lugar apareceu o tridente ucraniano. Na foto, o monumento original. Imagem: Poder 360


Estátua atual da Mãe Pátria, outrora parte do complexo do memorial do Museu Nacional da História da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial. Imagem: Los Angeles Times
Estátua atual da Mãe Pátria, outrora parte do complexo do memorial do Museu Nacional da História da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial. Imagem: Los Angeles Times


Mapa da demolição de estátuas de Lenine e resultados eleitorais das presidenciais de 2010 disputadas entre Yanukovych, considerado pró-russo, e Tymoshenko, pró-ocidental. O mapa é de 2017 e permite algumas reflexões quando comparado os mapas militares atuais. Imagem: Ukrainian Research Institute, Harvard Institute
Mapa da demolição de estátuas de Lenine e resultados eleitorais das presidenciais de 2010 disputadas entre Yanukovych, considerado pró-russo, e Tymoshenko, pró-ocidental. O mapa é de 2017 e permite algumas reflexões quando comparado os mapas militares atuais. Imagem: Ukrainian Research Institute, Harvard Institute

 

Em A Guerra Russo-Ucraniana - O Regresso Da História está o que se ouve e lê na generalidade dos meios de comunicação em Portugal e no resto da Europa. Tendo a chancela de um cientista social, reforça a crença de quem encara positivamente a narrativa dominante. Vejamos alguns exemplos. Celebra O Regresso do Ocidente (p.229), título de um extenso capítulo em que se debruça exclusivamente sobre a atualidade; em Os Pacificadores (p.244) destaca o papel de Emmanuel Macron, bem como de dirigentes como Johnson e Scholtz, no apoio a Zelensky; congratula-se, adiante, com a Frente Comum (p.247) dos países ocidentais e considera histórica a reunião da Nato de 29 de Junho de 2022, em Madrid, por ter reforçado, por um lado, a unidade transatlântica e, por outro, porque “o comunicado emitido pelo gabinete de imprensa da cimeira designava a Rússia como ‘a ameaça mais significativa e direta para a segurança dos aliados’, designação usada pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria.” (p.248).


Escrito entre março de 2022 e fevereiro de 2023 no seguimento da contraofensiva do exército ucraniano que desalojou os russos de várias posições no terreno, o livro foi acrescentado de um Posfácio onde o autor escreve sobre a Nova Ordem Mundial. Corolário da crença na identidade da nação em armas contra o inimigo comum, condição em função da qual a vitória militar estaria assegurada, o Posfácio avança atribuindo à Ucrânia um papel charneira na geoestratégia do ocidente, sob liderança americana. Dá igualmente como adquirido o enfraquecimento da Federação Russa, destinada a uma posição de vassalagem face à China. Mas, Plokhy vai mais longe. Escreve:


“Há indicações claras de que a nação ucraniana emergirá desta guerra mais unida e segura da sua identidade do que em qualquer outro momento da sua história moderna. Além disso, a resistência bem-sucedida da Ucrânia à agressão russa está destinada a promover o próprio projeto de construção nacional da Rússia.” (p.271)


Serhii Plokhy, académico residente nos Estados Unidos, disse numa entrevista ao Hrohromadske ter rompido com a arquitetura da História posto que, sendo esta uma ciência do passado, decidira fazer incidir o foco do seu livro, sobretudo, no presente. Exemplo, excerto: “Toda a operação militar, sustentada pela convicção de Putin na inexistência da nação ucraniana e no desejo de os Ucranianos viverem sob autoridade russa, foi inspirada na ocupação russa da Crimeia.” (p.154). Imagem: Hrohromadske, 04 jun 2024
Serhii Plokhy, académico residente nos Estados Unidos, disse numa entrevista ao Hrohromadske ter rompido com a arquitetura da História posto que, sendo esta uma ciência do passado, decidira fazer incidir o foco do seu livro, sobretudo, no presente. Exemplo, excerto: “Toda a operação militar, sustentada pela convicção de Putin na inexistência da nação ucraniana e no desejo de os Ucranianos viverem sob autoridade russa, foi inspirada na ocupação russa da Crimeia.” (p.154). Imagem: Hrohromadske, 04 jun 2024

Sendo uma celebridade da intelligentsia ucraniana, autor de best-sellers como Chernobyl (2018) e Átomos e Cinzas (2022), Plokhy é sempre muito solicitado. Numa entrevista em inglês concedida à maior publicação on line da Ucrânia, o Hrohromadske, de 4 de junho de 2024, face à hipótese da cedência de territórios à Rússia, afirmou: “Border shifts are normal. The main thing is sovereignty and independence, and the ability to maintain them. The Poles today are somehow coping well without Lviv.” É uma diferença assinalável face ao tom geral do livro.

 

O que toda a gente precisa de saber. Se o livro de Plokhy é interessante porque construído em torno do O Regresso Da História, o de Serhy Yekelchyk, apesar de anterior, é essencial para o entendimento desse ponto de vista. O Regresso Da História, aliás, é tributário de Ucrânia - O Que Toda A Gente Precisa De Saber de Yekelchyk. O próprio Plokhy considera o trabalho do colega como o melhor de entre todos para efeito de introdução ao conflito. Timothy Snyder, académico americano e opositor de Putin, vai mais longe. Autor do sempre citado O Caminho Para O Fim Da Liberdade (2019)) diz que Ucrânia - O Que Toda A Gente Precisa De Saber deveria ser adotado como livro de cabeceira, andar sempre no bolso do casaco e se, porventura, alguém decidisse ler apenas um livro sobre o conflito, então, esse livro só poderia ser o de Yekelchyk. Está lá tudo.


Trata-se, com efeito, de um texto esclarecedor porque responde às questões em função das linhas gerais do que possa ser um eventual contraditório. Recuperando o revisionismo histórico assente nos pilares nacionalistas, introduzindo uma variante bastante criativa sobre o papel da “cultura de massas”, da qual adiante se falará, o livro tem como horizonte temporal o primeiro ano da presidência de Zelensky, em 2020, portanto, anterior à invasão russa. Talvez por isso, dedica particular atenção à guerra lançada contra os separatistas do Donbass a partir de 2014. Os títulos dos sete capítulos permitem identificar o foco do autor. Vejamos: 1. Porquê a Ucrânia? 2. A Terra e o Povo; 3. A construção da moderna Ucrânia; 4. Ucrânia depois do comunismo; 5. A Revolução Laranja e a EuroMaidan; 6. A anexação russa da Crimeia e a guerra no Donbass; 7. A guerra na Ucrânia como questão internacional.


Daqui, facilmente se poderá inferir a presença de uma estrutura baseada na construção de uma ideia de nação. Cada um dos capítulos responde a perguntas, 83 no conjunto, às quais o autor responde de forma precisa e sistemática. No primeiro, desenha uma tela de fundo da atualidade. As perguntas nele contidas são as seguintes: Porque tornou a Ucrânia um assunto-chave na luta política americana? Que é a Praça Maidan e porque se tornou notícia de abertura em todo o mundo? Como e porque motivo a Rússia anexou a Crimeia? Porque se desencadeou um conflito no Leste da Ucrânia na primavera de 2014? Porque causou a crise ucraniana tensões entre a Rússia e o Ocidente?



Serhy Yekelchyk vive no Canadá onde ensina História e Estudos Eslavos na Universidade de Vitória, na província da Columbia Britânica. Na foto, de fevereiro de 2022, discursa perante apoiantes da Ucrânia concentrados diante do edifício do Parlamento na cidade de Vitória. Excerto do livro: “Na atual cultura de massas da Ucrânia, Bandera funciona mais como um símbolo da resistência antirússia, uma vaga afirmação de protesto, semelhante à imagem de Che Guevara numa T-shirt.” (p. 95). Imagem: David Furlonger - University of Victoria/UVic News Archive
Serhy Yekelchyk vive no Canadá onde ensina História e Estudos Eslavos na Universidade de Vitória, na província da Columbia Britânica. Na foto, de fevereiro de 2022, discursa perante apoiantes da Ucrânia concentrados diante do edifício do Parlamento na cidade de Vitória. Excerto do livro: “Na atual cultura de massas da Ucrânia, Bandera funciona mais como um símbolo da resistência antirússia, uma vaga afirmação de protesto, semelhante à imagem de Che Guevara numa T-shirt.” (p. 95). Imagem: David Furlonger - University of Victoria/UVic News Archive

Perguntas, na verdade, que qualquer pessoa faria, sendo essa uma das razões da eficácia retórica do livro. Uma vez respondidas, porém, resulta evidente a presença de um ponto de vista analítico com um juízo moral subjacente. Segue-se, parafraseando Plokhy, o “regresso à História”. O método, legítimo, consiste em estabelecer as premissas e retirar as conclusões. As primeiras resultam da particular interpretação de Yekelchyk a propósito da complexa rede política, geoestratégica e étnico-linguística, cujas raízes tanto mergulham no tempo quando são aplicáveis a episódios mais recentes, alguns dos quais envoltos em controvérsia. Entre eles, o massacre de Odessa. É visto pelo autor como um confronto entre manifestantes pró-russos e pró-Maidan que “terminou num banho de sangue quando uma coluna conjunta de adeptos de futebol e de ativistas da EuroMaidan entraram em confronto com uma parada de forças pró-russas no centro da cidade.” (p. 207)


Acrescenta o autor:


“Depois das primeiras vítimas, a luta moveu-se para a praça onde os ativistas tinham assentado campo. Ali, muitos ativistas pró-russos refugiaram-se num edifício sindical abandonado e dezenas morreram, aparentemente, devido à inalação de fumo quando o edifício pegou fogo, em circunstâncias ainda por esclarecer. Nesse dia houve 48 mortos na cidade, todos, exceto seis, pró-russos, e centenas de pessoas foram feridas.” (p. 207)

A versão de Yekelchyk, não mais do que uma breve passagem do livro, diverge da que levou as autoridades europeias a pedirem explicações a Kiev, exigindo o apuramento de responsabilidades, bem como, mais tarde, já em março de 2016, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU (OHCHR) a elaborar um relatório sobre os sucessivos adiamentos e entorses da justiça ucraniana. Seriam ainda elaborados outros dois relatórios, cujas consequências foram nulas. A dada altura, o massacre de Odessa passou a ser considerado quer em Kiev quer no ocidente como “propaganda russa”, apesar das evidências. Por exemplo, sabe-se que quem incendiou a Casa dos Sindicatos foi Demyan Ganul, comandante de milícias de rua constituídas para perseguir a população pró-russa. Conhecem-se, também, pessoas que participaram na carnificina e, na ocasião, exibiram fotos de congratulação nas redes sociais. Uma delas é Ievgeniia Kraizman, ativista do grupo Femen, alegadamente feminista e admiradora de Bandera.


 

A Casa dos Sindicatos de Odessa em chamas. Segundo o que então veio a lume, milícias ucranianas, organizadas pelo Sector Direito e outras organizações extremistas, bloquearam manifestantes pró-russos no interior e incendiaram o edifício. Dezenas de pessoas foram queimadas vivas. Mais de duas centenas ficaram feridas, na maioria dos casos alvejadas quando tentavam escapar. Imagem: ABC News
A Casa dos Sindicatos de Odessa em chamas. Segundo o que então veio a lume, milícias ucranianas, organizadas pelo Sector Direito e outras organizações extremistas, bloquearam manifestantes pró-russos no interior e incendiaram o edifício. Dezenas de pessoas foram queimadas vivas. Mais de duas centenas ficaram feridas, na maioria dos casos alvejadas quando tentavam escapar. Imagem: ABC News


Demyan Ganul, notório neonazi, foi identificado como um dos organizadores e perpetradores do massacre. Figura proeminente do submundo ucraniano, o seu nome constou das listas de criminosos procurados em diversos países. Foi executado em Março de 2025 por um atirador solitário no centro da cidade de Odessa. Imagem: Nevillegafa
Demyan Ganul, notório neonazi, foi identificado como um dos organizadores e perpetradores do massacre. Figura proeminente do submundo ucraniano, o seu nome constou das listas de criminosos procurados em diversos países. Foi executado em Março de 2025 por um atirador solitário no centro da cidade de Odessa. Imagem: Nevillegafa

As conclusões extraídas por Yekelchyk em função das suas premissas são, com frequência, bastante ousadas. É o que sucede quanto à questão étnico-linguística, decisiva para compaginar de modo coerente o que se entende por “ucranianos”. Tendo a Ucrânia acedido à independência apenas em 1991, a noção de “ucranianos” ou “nação ucraniana”, segundo Yekelchyk, “é ainda entendida como referindo-se a ucranianos étnicos.” Com efeito, a Constituição do País proclama como fonte da sua soberania “o povo ucraniano – cidadãos da Ucrânia de todas as nacionalidades”, distinguindo, no entanto, “entre este conceito cívico de nação e nação ucraniana étnica.” Nas últimas décadas, contudo, escreve o autor:


“(...) os falantes de ucraniano aceitaram gradualmente um entendimento ocidental de ‘Ucranianos’ como tratando-se de todos os cidadãos da Ucrânia. Uma tal mudança linguística reflete o moroso desenvolvimento de um patriotismo cívico baseado na aliança com o Estado em vez de com a nação étnica.” (p. 46).

Para se entender a questão, a qual, na verdade, parece algo nebulosa, Yekelchyk defende ser necessário compreender a natureza da nação étnica ucraniana que “também vindo a mudar”. Vejamos como:


“Os nacionalistas acreditam em nações étnicas, orgânicas, primordiais, definidas pelo sangue; mas os estudiosos modernos argumentam o contrário. Demonstram que as nações modernas emergiram quando a educação e os media ajudaram as massas a ‘imaginarem-se” a si mesmas como parte da nação. A cultura folclórica do campesinato serviu como fundação das modernas nações na Europa do Leste, mas foi necessário o esforço de intelectuais patriotas para definir as nações étnicas dentro dos impérios, que eram como mantas de retalhos, desenhando a partir de elementos folclóricos uma cultura moderna nobre que servisse de alicerce para a identidade nacional contemporânea.” (p. 47)

Dada a complexidade etno-linguística da Ucrânia, e para quem busca as raízes profundas da identidade, entregar a tarefa a historiadores patriotas fazer fé na cultura de massas, não será passar um pouco das marcas?

 


Mapa etno-linguístico da Ucrânia. 2014. Imagem: Eurasian Geopolitcs, UC Berkeley
Mapa etno-linguístico da Ucrânia. 2014. Imagem: Eurasian Geopolitcs, UC Berkeley



Mapa linguístico da Ucrânia, 2014. A língua oficial, o ucraniano, era falada por cerca de 70 por cento da população. O russo, a segunda língua, era igualmente utilizada em todo o país, sendo dominante em regiões como o Donbass e praticamente exclusiva na Crimeia. Imagem: CNN
Mapa linguístico da Ucrânia, 2014. A língua oficial, o ucraniano, era falada por cerca de 70 por cento da população. O russo, a segunda língua, era igualmente utilizada em todo o país, sendo dominante em regiões como o Donbass e praticamente exclusiva na Crimeia. Imagem: CNN

 

Continua com Ucrânia (Parte III): Nacionalismo e Identidade no Tempo dos Monstros, passar das marcas

 
 
 

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Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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