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Atualizado: 22 de out. de 2023

No âmbito do movimento documentarista britânico foram realizados numerosos filmes ao longo de vários anos. Como se compreenderá, dada a heterogeneidade dos cineastas, bem como a diversidade de orientações, esses filmes são bastante diferenciados, ainda que neles possam identificar-se basicamente duas grandes tendências, uma mais poética e narrativa, outra de índole mais didática e jornalística. John Grierson, aliás, ao cunhar a palavra documentário como sendo “o tratamento criativo da atualidade”, deixou, desde o início, o caminho aberto a ambas. Na verdade, a formulação é ambígua e susceptível de gerar um movimento pendular entre um polo prioritariamente estético e outro tomando como referência o propósito social. Por vezes, houve sínteses felizes. Este texto recupera a memória dos homens de Grierson e baliza os ramos da grande árvore que foi o movimento.


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Night Mail (1935) de Harry Watt e Basil Wright, uma notável síntese de experimentação e propósito social. Fonte: BFI

Com excepção de John Grierson, Paul Rotha e Harry Watt, eventualmente mais um ou outro, na fase inicial do movimento documentarista britânico a maioria dos protagonistas não tinha experiência cinematográfica, embora, de um modo geral, se sentisse atraída pelo cinema. Eram jovens da classe média, alguns com formação universitária em Oxford ou Cambridge, a quem, devido às suas preocupações sociais, acabaria por colar-se uma imagem de radicalismo. Essa imagem revelar-se-ia de todo excessiva. À semelhança de muitos intelectuais de esquerda dos anos 30, insurgiam-se contra a pobreza e indignavam-se com as condições de vida das classes trabalhadoras. Mas dificilmente se encontra nos seus filmes algo de radical, muito menos de revolucionário, mesmo se em cineastas como Paul Rotha e Harry Watt seja evidente uma genuína consciência social associada à intervenção política e artística.


Ao longo dos seus percursos os homens de Grierson desempenharam as mais variadas tarefas, inclusivamente de índole administrativa, mas nenhum deles tinha a capacidade do líder para ultrapassar dificuldades institucionais. Sendo alguns simpatizantes das experiências de vanguarda do cinema europeu acabaram, por vezes, confrontados com problemas envolvendo patrocinadores pouco ou nada identificados com linguagens experimentais. Também aí os ajustamentos se fizeram mais pela via do conformismo do que através da ruptura. De um modo geral, aprenderam muito com Grierson, bem como com Flaherty, numa primeira fase, e com Cavalcanti, depois. Segundo os registos, trabalharam com entusiasmo a troco de salários irrisórios, alguns viriam a adquirir notoriedade não só como cineastas, mas também pelo trabalho teórico, casos de Harry Watt e Paul Rotha. Grosso modo, a sua história e a do movimento documentarista podem ser muito brevemente resumidas como segue.


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Robert Flaherty e Helen van Dongem, notável montadora de diversos filmes de Joris Ivens, discípula de Eisenstein e Dziga Vertov. Trabalhou com Flaherty em The Land (1942) e Louisiana Story (1948). Um exemplo de mulheres que trabalharam no Cinema cuja reputação só tardiamente viria a ser reconhecida como, de resto, também aconteceu no movimento documentarista britânico. Fonte: CineMontage

Os primeiros assistentes de John Grierson no Empire Marketing Board (EMB) foram Basil Wright e John Taylor, seu cunhado. Seguiram-se, entre outros, Arthur Elton, Paul Rotha, Edgar Anstey, Stuart Legg e Harry Watt. Mas a personalidade mais influente da primeira fase do movimento foi Robert Flaherty, o autor de Nannok of the North (1922), chamado por Grierson para fazer Industrial Britain (1931). Flaherty, porém, para além de não ser adepto nem da industrialização nem da modernidade, gastava, em função do seu método, mais do que aquilo que habitualmente custavam os filmes do EMB. Apesar de reverenciado, nunca foi verdadeiramente um elemento do grupo. As suas preocupações eram outras. Na primeira oportunidade partiu para nova aventura, por sinal estimulado por Grierson, e começou a trabalhar no extraordinário Man of Aran (1934).


O General Post Office (GPO) e a fragmentação do movimento


A experiência cinematográfica do EMB foi relativamente curta. Em parte devido à crise orçamental resultante da Grande Depressão de 1929, em parte por se revelar incapaz de desempenhar as funções de propaganda para as quais tinha sido criado, entrou em desagregação acabando por ser extinto em 1933. Stephen Tallents, o protector de Grierson, diligenciou, no entanto, para que a sua unidade de produção cinematográfica – até então tinha produzido uma centena de filmes – fosse transferida para o General Post Office (GPO), um organismo de tutela governamental na área das comunicações.


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Ruby Grierson, irmã de John Grierson e mulher de John Taylor, outro destacado cineasta do movimento documentarista britânico. O seu nome só tardiamente viria a constar nos créditos dos documentários em que participou. Fonte: So The Theory Goes

Se a mudança permitiu a aquisição de equipamentos de som modernos, os meios continuaram a ser relativamente modestos. Para Grierson, porém, isso não constituía problema de maior. Considerava o cinema industrial demasiado caro e a fantasia dos estúdios um obstáculo à produção de obras relevantes. O GPO acabaria por ser reforçado com novos cineastas, entre eles o brasileiro Alberto Cavalcanti, autor de filmes avant-garde, em França, nos anos 20, e colaborador de realizadores como Jean Renoir, René Clair e Jean Vigo.


Os filmes realizados no âmbito do EMB contrastam com os da primeira fase do GPO. Revelam a preocupação de retratar um mundo essencialmente rural e regional, dando dele uma visão panteísta, quando o intuito era exaltar os tempos modernos. Nalguns casos, a influência de Flaherty na fixação dos arcaísmos é evidente como sucede em Industrial Britain (1931) considerado, a par de Drifters (1929), um dos filmes mais importantes da primeira fase do movimento. Em 1933, começou a esbater-se a contradição entre o arcaico e o novo ganhando alento a representação do mundo da grande indústria, da tecnologia e das comunicações. Muitos dos filmes do GPO alinham por esse diapasão. Entre os mais conhecidos figuram Coal Face (1935) de Cavalcanti, Night Mail (1935) de Basil Wright e Harry Watt e Spare Time (1939) de Humphrey Jennings, todos eles obras essenciais do documentarismo britânico.


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Coal Face (1935) de Alberto Cavalcanti. Fonte: BFI

Em meados dos anos 30 começa também a dispersão do movimento. Grierson, Jennings, Cavalcanti e Watt optaram por ficar no GPO, mas outros partiram dando corpo a novas iniciativas. Edgar Anstey foi o primeiro a sair, em 1934, para criar a Shell Film Unit, logo seguido de Donald Taylor, Paul Rotha e Stuart Legg que fundaram a Strand Film Unit. Em 1937, Basil Wright criou a Realist Film Unit e, nesse mesmo ano, o próprio Grierson deixou o GPO para fundar o Film Centre, um organismo cuja influência estratégica acabaria por se alargar a toda a produção de documentários no Reino Unido. Em 1939, aceitando um convite do governo canadiano, Grierson deu origem ao National Film Board. Com o início da II Guerra Mundial, o GPO foi transferido, em 1940, para o Ministério da Informação passando a denominar-se Crown Film Unit.


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Basil Wright. Fonte: IMDb

As produções da Realist, Shell e Strand resultaram, na maioria dos casos, de encomendas de patrocinadores. Salvo algumas excepções como Eastern Valley (1937) de Donald Alexander e Today We Live (1937) de Paul Rotha, de um modo geral, são filmes educativos ou publicitários, bem feitos, mas sem preocupações críticas nem inovações significativas no plano estético. Multiplicam-se os exemplos de procedimentos copiados de newsreels, designadamente, March of Time, tais como o recurso à reconstrução de cenas, bem como a utilização de técnicas de reportagem. (Nota: para saber mais de March of Time ler no segmento de Cinema deste blogue o artigo Newsreels, documentário e Buster Keaton: os anos de ouro das atualidades cinematográficas).


Na Crown Film Unit, de cuja produção falaremos mais adiante, apesar das condições de produção em tempo de guerra desencorajarem incursões experimentais, houve lugar, mesmo assim, para curtas metragens hoje consideradas clássicas como London Can Take It (1940) de Harry Watt e Humphrey Jennings, Men of the Lightship (1940) de Cavalcanti, Listen to Britain (1942) e Diary for Timothy (1943) ambas de Humphrey Jennings. O público preferia, no entanto, os documentários de longa duração como, por exemplo, Target for Tonight (19419 de Harry Watt ou Fires Were Started (1943), outra obra-prima de Jennings, os quais tratavam de temas cujo conhecimento era vital para a sobrevivência em tempo de guerra. A par das fitas destinadas à exibição nas salas para o grande público, a Crown fazia ainda filmes dirigidos a públicos mais restritos no quadro das acções de propaganda interna do Ministério da Informação.


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Humphrey Jennings, considerado o poeta do movimento documentarista britânico. Fonte: National Portrait Gallery

De 1929 a 1939 foram feitos por quantos estiveram envolvidos no movimento documentarista britânico – umas 60 pessoas – mais de 300 filmes. Durante a guerra, estima-se que possa ter sido produzida cerca de uma centena. Contas feitas, no total terão sido feitos uns 400 filmes. Esses filmes, sendo bastante diferenciados, indiciam a presença de tendências relativamente bem identificadas. Para as compreender, bem com às razões do seu aparecimento, é necessário começar por distinguir duas grandes fases.


A primeira, cuja existência se estende até meados dos anos 30, é caracterizada fundamentalmente pela predominância do financiamento público na produção e realização de filmes. Apesar das concessões de Grierson ao governo, foi nesta fase que os filmes do EMB e GPO mais se identificaram com os seus princípios fundadores. Foi também nesta fase que melhor se afirmou o espírito de corpo do grupo. Num mesmo filme colaboravam várias pessoas, quase num regime de voluntariado, todas elas podendo emitir opinião e desempenhar tarefas que, por vezes, se sobrepunham. Pelos seus conhecimentos, estilo de liderança e capacidade de persuasão Grierson manteve sempre uma posição dominante.


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Paul Rotha. Fonte: MUBI

A segunda fase, de meados dos anos 30 a 1948, define-se por uma dispersão crescente dos elementos do GPO quer pelas produtoras privadas quer devido às tarefas impostas pela guerra. Daí resultou uma fragmentação estilística com múltiplas expressões, entre as quais a jornalística, porventura a de maior expressão. O próprio Grierson, ainda antes da partida para o Canadá, já se inclinava nessa direcção, tendo consciência disso e, de algum modo, justificando essa opção com os sinais dos tempos que exigiam mais a presença do propagandista do que do artista.


Alberto Cavalcanti


Estas duas fases e a variedade dos filmes produzidos se, por um lado, confirmam a pujança do movimento, permitem ilustrar, por outro lado, divergências gradualmente acumuladas e tornadas explícitas entre 1937 e 1940, período durante o qual os participantes se foram agrupando em torno das figuras de maior notoriedade e capazes de exercer maior influência, casos de John Grierson, Paul Rotha e Alberto Cavalcanti.

Após a saída de Grierson para o Film Centre, Cavalcanti assumiu a liderança do GPO. Alguns dos filmes mais interessantes foram feitos durante o seu consulado. Para tanto, muito contribuiu o trabalho experimental no desenho do som – dando seguimento a experiências anteriores de colaboração com W. H. Auden, Darius Milhaud e Benjamin Britten – e a construção de estruturas narrativas com recurso aos dispositivos do cinema de ficção. Paul Rotha, por sua vez, ganhara o estatuto de líder dos cineastas independentes. Apesar da sua passagem pelo EMB, nunca esteve verdadeiramente dependente de Grierson. Graças à reputação adquirida como cineasta e em função do seu trabalho teórico, era considerado um dos ícones do movimento tendo sido, inclusivamente, um dos responsáveis pela divulgação dos seus princípios nos Estados Unidos. Finalmente, Grierson, indiscutivelmente a figura tutelar, vira o seu estatuto ainda mais reforçado quando no âmbito do Film Centre assumiu a produção e edição do World Film News, o jornal do movimento.


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Song of Ceylon (1934) de Basil Wright, produzido por John Grierson para The Ceylon Tea Propaganda Board. Um filme cujo conteúdo latente acaba por contrariar o propósito inicial visto veicular uma mensagem anti-colonial. Fonte: BFI

Por razões de temperamento e de formação os três homens eram muito diferentes. Grierson é descrito como um pedagogo e excelente agente de relações públicas, bem preparado, com uma energia inesgotável, mas arrogante, homofóbico e puritano. Chegou a casar em segredo. Cavalcanti era um artista sofisticado, homossexual, de bom trato, aparentemente susceptível e relutante em envolver-se em disputas. Rotha era visto como um solitário, independente, firme na defesa dos seus pontos de vista e dificilmente abdicando das suas convicções. Estas diferenças, associadas a distintas maneiras de encarar o cinema, em geral, e o documentário, em particular, dificilmente deixariam de ter peso no alinhamento de tendências que veio a verificar-se. Grierson suspeitava da veia estética de Cavalcanti que, por sua vez, tinha dúvidas quanto à insistência de Grierson na educação e nos postulados sociais com prejuízo da dimensão artística e Rotha, discordando da propensão de Grierson para se envolver na comunicação de massas deixando-se atrair pela esfera jornalística, via em Cavalcanti alguém de indubitável talento mas que não compreendia o documentário.


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Alberto Cavalcanti Fonte: Revista de Cinema

Segundo Harry Watt, “a chegada de Cavalcanti à unidade de produção do GPO foi o momento de viragem do documentário britânico, porque (...) todos nós éramos realmente amadores e muitos dos nossos filmes, não nos iludamos, eram de segunda classe”. A vinda de Cavalcanti, um cineasta de créditos firmados, coincidiu com a introdução do som. Até aí ninguém tinha noção de como editá-lo. Com a sua colaboração, e não apenas nesse domínio, fizeram-se alguns dos melhores documentários britânicos. Basil Wright, por exemplo, releva essa colaboração em Song of Ceylon (1934) e Night Mail (1935), atribuindo a Cavalcanti boa parte do mérito de ambos os filmes. Uma coisa, porém, foi o grupo ter recebido Cavalcanti de braços abertos, outra as discordâncias que depressa se fizeram sentir quanto ao seu modo de entender o cinema. John Taylor, irmão de Margaret Taylor, com quem Grierson casara em 1930, e um dos cineastas mais à esquerda do movimento, chegaria a afirmar que “vendo as coisas retrospectivamente, foi um grande erro tê-lo chamado porque, na verdade, ele não compreendia o que se pretendia fazer com o documentário”.


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Pett and Pott (1934) de Alberto Cavalcanti, um divertido filme marginal às narrativas mais comuns do documentário com forte investimento experimental. Fonte: BFI

A crítica de Taylor remete para uma altura em que Grierson aprovou a produção de Pett and Pott (1934) uma comédia ao estilo de outros filmes feitos por Cavalcanti em França. A ideia partira de Humphrey Jennings e nunca no GPO se fizera nada de semelhante. Apesar do trabalho experimental no domínio da imagem e do som – Cavalcanti inverteu a ordem do filme na medida em que pelo menos parte da edição da banda sonora precedeu a rodagem – o filme, por sinal muito interessante, foi um fiasco junto do público. Para Cavalcanti, porém, a experimentação era indissociável do cinema e não fazia grande sentido distinguir o documentário dos filmes de estúdio. Mais tarde, diria a esse propósito:


“O documentário tem de ter um guião tão rigoroso quanto um bem formatado magazine e nada pode ser improvisado. Não acredito no cinema-vérité. Todos os filmes devem ter uma planificação rigorosa antes da rodagem. Aliás, odeio a palavra documentário. Tresanda a pó e aborrecimento”.


Pett and Pott coincidiu com a chegada de dois jovens pintores que viriam a destacar-se como cineastas, Humphrey Jennings e Len Lye, qualquer deles com inclinações vanguardistas. Len Lye apresentou-se com um filme de animação pintado à mão, Colour Box. Grierson ficou entusiasmado e viu nos pequenos filmes de animação uma forma de promover os documentários.


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Len Lye, notável artista neozelandês que fez diversas animações para o GPO. Fonte: Len Lye Centre

O episódio não teria relevância de maior não fosse dar-se o caso de ter coincidido com o momento em que divergências latentes iam dando lugar a conflitos manifestos justamente porque nesse período compreendido entre 1934 e 1937, os filmes mais experimentais eram confrontados com as primeiras tentativas ao estilo da reportagem, em resultado, nomeadamente, da atracção exercida sobre alguns elementos por March of Time, que acabara de montar uma sucursal em Londres. O próprio Grierson dizia ser impossível ficar indiferente a um programa que passava “em nove mil salas de um mundo explosivo ” contribuindo para o debate público sobre as questões do momento e, mais importante ainda, abrindo as portas a uma “cidadania revitalizada e a uma democracia finalmente em contacto consigo mesma ”. Grierson viria a ser o consultor de March of Time em Londres.


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John Grierson and Harry Mayerovitch director do Wartime Information Board (1944). Fonte: National Film Board

(Continua)


Bibliografia


AITKEN, Ian – The Documentary Film Movement - An Anthology, Edited and Introduced by Ian Aitken, Edinburgh University Press, Edinburgh, 1998.

ARNHEIM, Rudolf – Film as Art, Faber, London, 1957.

- A Arte do Cinema, Edições 70, Lisboa, 1989.

BARNOUW, Erik – El Documental – Historia y estilo, Editorial Gedisa, Barcelona, 1996.

BARSAM, Richard M. – Non-Fiction Film, a Critical History, Indiana University Press, Bloomington and Indianapolis, 1992.

ELLIS, Jack C. – John Grierson: A Guide to References and Resources, G. K. Hall, Boston, 1986.

- The Documentary Idea - A Critical History of English-Language Documentary Film and Video, Prentice Hall, New Jersey, 1989.

GRIERSON, John – Grierson on Documentary, Forsyth Hardy, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 1966.

Grierson on Documentary, ed. Forsyth Hardy, Faber and Faber, London and Boston, 1966.

LIPPMANN, Walter – Public Opinion, MacMillan, New York, 1921.

ROTHA, Paul – Documentary Film, Faber and Faber, London, 1952.

- Documentary Diary, Hill and Wang, New York, 1973.

- Television in the Making, edited by Paul Rotha, The Focal Press, London and New York, 1956.

SUSSEX, Elisabeth – The Rise and Fall of British Documentary, University of California Press, Berkeley, Los Angeles, London, 1975.

 
 
 
  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 7 de fev. de 2021
  • 22 min de leitura

Atualizado: 20 de out. de 2023


Esta é a segunda parte do texto respeitante ao módulo de Programação da Odisseia nas Imagens designado por o Som e a Fúria. Os documentos aqui revelados dão conta de iniciativas, algumas com grande visibilidade mediática, outras que, embora consideradas importantes pelo seu caráter formativo e estruturante, não tiveram direito a espaço comparável nos meios de comunicação social. Por vezes, aliás, nem sequer mereceram espaço algum. Delas dependia, igualmente, a concretização da ideia de lançar as bases para fazer do Porto uma Cidade de Imagens. Os documentos que se seguem são uma pequena parte dos muitos anexos de O Som e a Fúria. Constam, designadamente, iniciativas da Casa da Animação apoiadas pela Odisseia nas Imagens, caso da retrospetiva de filmes dos Estúdios Aardman.



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Robert Flaherty. Fonte: Senses of Cinema

O Som e a Fúria


De 17 a 25 de Setembro de 2000

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório

Rivoli Teatro Municipal – Pequeno Auditório

Centro de Produção do Porto da RTP

Escola Superior de Jornalismo do Porto

Faculdade de Engenharia do Porto

Universidade Fernando Pessoa do Porto


O texto que se segue dá conta do segundo módulo da Odisseia nas Imagens, O Som e a Fúria, tendo sido publicado no catálogo do segundo episódio do Ciclo O Olhar de Ulisses.


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O Som e a Fúria



E contudo nós sabíamos:

Também o ódio contra a vilania

Desfigura as feições.

Também a cólera contra a injustiça

Enrouquece a voz.


Bertolt Brecht


A Odisseia nas Imagens prossegue com o segundo módulo de O Olhar de Ulisses denominado O Som e a Fúria. Se o primeiro módulo O Homem e a Câmara remetia para as teses vertovianas da cine-sensação do mundo no quadro de uma gramática emergente das imagens em movimento, agora, em O Som e a Fúria, a elucidação e organização do real apontam para um olhar estruturado a partir de um conjunto de sinais e de regras de articulação desses sinais relacionados quer com o olho, quer com o ouvido.


Com o advento do sonoro, a linguagem do cinema torna-se audiovisual e, portanto, plurissintáctica. O olhar, enquanto modo de revelação, resulta, pois, do acto combinatório de diferentes sistemas de significação convergindo na coerência de um propósito. As coisas, claro, podem não ter a simplicidade aparente que releva das categorias consagradas. Alguém será capaz de evitar ouvir, por exemplo, O Vento (1928), de Sjostrom?


Mas outras questões percorrem transversalmente O Som e a Fúria. A designação deste segundo módulo de O Olhar de Ulisses é retirada de um dos capítulos da obra clássica de Barnouw "Documentary", no qual se dá conta das mutações que o género vai conhecer em função não apenas do advento do som, mas também do lugar do cinema numa época em que o mundo vive a esperança e o colapso das utopias, conhece o flagelo da barbárie nazi-fascista, é confrontado com o horror do holocausto e assiste, suspenso à beira do nada, à explosão do grande cogumelo nuclear em Hiroshima que abre as portas ao equilíbrio do terror da Guerra Fria. São anos durante os quais o percurso da humanidade ora se revê numa dimensão redentora, ora se enreda na noite do labirinto onde assoma a besta negra que é a outra face do seu rosto precário.


Se O Olhar de Ulisses privilegia o documentário, este é o momento em que Grierson introduz a narração em texto off e advoga para o documentarismo uma função tanto de denúncia quanto de capacidade de intervir com o objectivo de contribuir para a resolução dos problemas da sociedade, Lorentz dá voz à cidadania recolhendo o testemunho das pessoas no seu dia a dia, Malraux e Ivens – este com John dos Passos e Hemingway – associam a literatura e o jornalismo à descrição do drama da Guerra Civil de Espanha, Riefenstahl põe o seu invulgar talento ao serviço da propaganda do III Reich construindo uma obra que opera a metamorfose do maligno em objecto de fascínio e Capra manipula as imagens de propaganda do Eixo fazendo-as reverter a favor da causa Aliada.


O Som e a Fúria reverte assim, em última instância, para o trabalho que obriga o criador, qualquer que ele seja, pintor ou pastor, camponês ou pescador, resistente ou cineasta a usurpar o lugar dos deuses para conferir harmonia ao caos. Tal como o rio que procura o seu destino, alargando as margens, rebelde e inconstante por natureza.

Ai, nós/ Que queríamos amanhar o terreno para a amabilidade/ Não podíamos nós mesmos ser amáveis – dizia Brecht às gerações futuras. Mas vós, – acrescentava – quando chegar a hora/ Em que o homem possa ajudar o homem/ Pensai em nós/ Com indulgência.


Este rio não tem fim.


Jorge Campos

Dario Oliveira


O Olhar de Ulisses II - O Som e a fúria


Universidade Fernando Pessoa do Porto

Rivoli Teatro Municipal – Pequeno Auditório

Em colaboração com a Cinemateca Portuguesa

Com o apoio da Embaixada de França e do Intituto Francês do Porto


Continuação do 1º segmento de O Olhar de Ulisses - O Homem e a Câmara, prosseguindo a História do Documentário cruzada com outras abordagens de Cinema de Autor.


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Joris Ivens. Fonte: DAFilms

Filmes apresentados por ordem alfabética:


Airman’s Letter to his Mother, An, de Michael Powell

Alemanha Ano Zero: ver Deutshand im Jahre Null

Aniki Bóbó, de Manoel de Oliveira

Anjos da Avenida, Os: ver Malu Tanshi

Blitz Wolf, de Tex Avery

Bnakitchner, de Artavazd Pelechian

Carabiniers, Les, de Jean-Luc Godard

Coal Face, de Alberto Cavalcanti

Colour Box, de Len Lye

Corner in the Wheat, A, de David W. Griffith

Deutshand im Jahre Null, de Roberto Rosselini

Dix-Septième Parallèle, Le, de Joris Ivens e Marceline Loridan

Edge of the World, The, de Micael Powell

Espoir, L’, de André Malraux

Estações, As: ver Yeghanaknere

Fires Were Started, de Humphrey Jennings

Finis Terrae, de Jean Epstein

Four Hundred Millions, The, de Joris Ivens

Grapes of Wrath, The, de John Ford


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Great Dictador, The, de Charles Chaplin

Hiroshima, Mon Amour, de Alain Resnais

Hiroshima/Nagasaki: August 1945 de Akira Iwasaki e Eric Barnouw

Histoire du Soldat Inconnu, de Henri Storck

Início, O: ver Natchalo

Keep Your Mouth Shut, de Norman McLaren

Land, The, de Robert J.Flaherty

Limiar do Mundo, O: ver Edge of the World, The

Listen to Britain, de Humphrey Jennings

London Can Take it, de Humphrey Jennings e Harry Wyatt

Madrugada de 6 de Junho: ver 6 Juin a l’Aube, Le

Malu Tanshi, de Yuan Mushi

Man of Aran, de Robert J.Flaherty

Mor Vran, de Jean Epstein

Mr Smith goes to Washington, de Frank Capra

N or NW, de Len Lye

Natchalo, de Artavazd Pelechian


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Artavazd Pelechian. Fonte: Multiplot

Night Mail, de Harry Wyatt e Basil Wright

Noite e Nevoeiro: ver Nuit et Brouillard

Nuit et Brouillard, de Alain Resnais

Or des Mers, L’, de Jean Epstein

Paralelo 17: ver Dix-Septième Parallèle, Le

Peço a palvra ver Mr Smith goes to Washington

Pintor e a Cidade, O, de Manoel de Oliveira

Porque Lutamos: ver Why We Fight

400 Milhões: ver Four Hundred Millions, The

Raibow Dance, de Len Lye

River, The de Pare Lorentz

Ser ou Não Ser: ver To Be or Not to Be

6 Juin a l’Aube, Le, de Jean Grémillon

Sortie(s) des Usines Lumière à Lyon, Irmãos Lumière

Spanish Earth, The, de Joris Ivens

Spare Time, de Humphrey Jennings

Tempestaire, Le, de Jean Epstein

Terra, A, ver Zemlya

Terra de Espanha: ver Spanish Earth

To Be or Not to Be, de Ernst Lubitsch

Trade Tatoo, de Len Lye

Trás-os-Montes, de António Reis e Margarida Vordeiro

Triumph des Willens, Der, de Leni Riefentalh

Triunfo da Vontade, O: ver Triumph des Willens, Der

Trop Tôt, Trop Tard, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet

V for Victory, , de Len Lye

Vento, O: ver Wind, The

Why we fight:The Nazi Strike, de Frank Capra

Why we fight: The Battle of Russia, de Frank Capra

Vinhas da Ira, As: ver Grapes of Wrath,

Wind, The de Victor Söjstrom

Yeghanaknere, de Artavazd Pelechian

Zemlya, de Alexander Dovjenko



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Zemlya (1930) de Alexander Dovzhenko . Fonte: Old Rope

Participantes por ordem alfabética:


Alberto Seixas Santos

Antoine De Baecque

António Rodrigues

Aonghus Lavelle

Danielle Hibon

Dominique Paini

Fergus Cahill

Fernando Lopes

Galahad Goulet

Gerald Collas

Ginete Lavigne

João Bénard da Costa

José Manuel Costa

Marceline Loridan-Ivens

Marina Graça

Mary Rose Cahill

Miguel Castro Henriques

Pedro Costa

Regina Guimarães

Saguenail

Susana Neves


Concerto Fergus Cahill / Aonghus Lavelle


(Recital de canto e música irlandesa após o filme "O Homem de Aran" de Robert Flaherty, integrado no Ciclo de Cinema O Olhar de Ulisses II – O Som e a Fúria)

18 de Setembro de 2000

Rivoli Teatro Municipal - Pequeno Auditório


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Man of Aran (1934) de Robert Flaherty

Fergus Cahill compila e interpreta canções populares Irlandesas há quase quarenta anos. Actua frequentemente na Telefis Eireann (a televisão pública Irlandesa) e apresenta um programa de música tradicional na rádio. Natural de County Wexford, região do sudeste do país, vive actualmente em Connemara na maior parte do tempo.


Aonghus Lavelle tem 18 anos e é um virtuoso da música tradicional em vários instrumentos, nomeadamente o fiddle (instrumento de cordas com algumas semelhanças com o violino), a flauta, o feadog stain (ou tin whistle, um instrumento de sopro), o bandolim e a guitarra. Neste concerto, concentra-se no fiddle, flauta e tin whistle, já que são estes os mais tradicionais e com maior ligação ao período do filme The Man of Aran.


As Ilhas de Aran são uma comunidade de menos de 1000 pessoas, que viviam em condições de dureza e de pobreza extremas. Existiam fortes relações marítimas com Connemara e Clare, sendo a tradição musical mais regional que específica de Aran. Por outro lado, existe uma tradição oral bastante rica e de natureza bastante simples, que consiste, sobretudo em prolongadas canções sem acompanhamento musical, no que é chamado o “sena nos” (“a maneira antiga”). A música consiste essencialmente em melodias lentas ou música de dança interpretada no fiddle, tin whistle, flauta ou acordeão. Apesar de hoje em dia se interpretarem estas canções em grupos com vários instrumentos, na sua origem eram tocadas a solo.


Metropolis, de Fritz Lang com música ao vivo de MuteLifeDept.


Filme Concerto

25 de Setembro de 2000

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório



Homem vs. Máquina


Nos dias de hoje, musicar e (ou) sonorizar um filme tornou-se num elemento tão importante e crucial, que já não nos podemos imaginar sem esses ‘condimentos’: são as salas de cinema equipadas com sistemas sonoros específicos para nos criarem a sensação de que estamos em pleno território onde decorre a acção dos filmes; a própria oferta do mesmo tipo de produto é já disponível para usufruto caseiro. O cinema entrou numa nova era em que ao espectador passou a ser sugerida a sua integração (passiva) no filme - desde a produção de Hollywood até ao cinema europeu, passando por alguma da produção independente, a relação da banda sonora (som) com o filme (imagem) é um dos mais sólidos suportes para o actual estado da 7ª arte.


Serve isto de introdução para relembrar as condições adversas em que Fritz Lang realizou Metropolis. Numa altura em que os filmes mudos eram musicados ao vivo, era na imaginação do próprio realizador que prevalecia a antecipação das sensações a serem despertadas nos espectadores. Lang era um visionário, o que só por si lhe deveria atribuir o dom especial de conceber uma teia de emoções com um recurso mínimo à sonoplastia (ex: O Testamento do Dr. Mabuse quase não recorre a banda sonora, baseando-se mais em sons reais e diálogos), deixando que a sua realização e a ausência sonora criassem um misto de surrealismo e medo.


Metropolis contou com uma banda-sonora original de Gottfried Huppertz - a qual não sei até que ponto terá sido cortada, pois este filme tinha originalmente 210 minutos na noite de estreia (10 de Janeiro de 1927) - mas é de certeza superior à versão ‘restaurada’ de Giorgio Moroder, que a deve ter concebido com um espírito (in)digno de ‘ópera-rock’. Não estou com isto a querer dizer que me coloco ao lado das habituais opiniões de alguns puristas do cinema mudo - (seria uma enorme contradição da minha parte) - mas existem limites ao bom gosto…


Ao ser convidado para musicar e sonorizar Metropolis para o ano 2000 tive a perfeita noção de que a responsabilidade era muito grande, não só por ser inserida numa programação que tem patenteado clássicos do cinema com a leitura actual de nomes importantes, mas principalmente porque o universo cinematográfico de Fritz Lang é singular. Decidi então repartir o trabalho com os meus “parceiros musicais” Pedro Tudela e Pedro Almeida, por achar que este seria o momento e o evento ideal para os MuteLifeDept ressurgirem, inseridos naquilo com que sempre se identificaram: as bandas-sonoras.


Como Metropolis é um filme sobre a vivência do Homem com a Máquina, decidiu-se à partida que as sonoridades a utilizar não teriam necessariamente de passar pelos ruídos das mesmas, mas sim criando ambientes que não só sejam adequados aos momentos, mas também ao espírito visionário que Lang incute no filme. Uma das coisas que sempre distingiu as produções de Fritz Lang foi a forma como transpunha o seu imaginário para a película, bem como a direcção de actores. Como o recurso ao som só mais tarde surgiria, o desempenho e as expressões dos actores eram fulcrais; teriam de sugerir a expressividade das palavras inexistentes.


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Mute Life Dept

Metropolis pode ser visto paralelamente como uma crítica ao que viria mais tarde a ser conhecido por Nazismo (note-se que o argumento foi escrito pela mulher de Lang, Thea von Harbou, que mais tarde viria a fazer parte dos quadros do III Reich) - o que só por si vem reforçar o espírito visionário de Lang - numa altura em que o Fascismo e o Totalitarismo na Itália eram realidade, Metropolis abordava temáticas como as da criação de uma “Raça Suprema” (o Autómato) e a inteira subsistência de uma cidade nas máquinas que operavam do seu sub-solo, vindo a interacção de ambas a tornar-se na principal razão para a catástrofe de Metropolis - tudo isto numa altura em que a 1ª Guerra Mundial tinha feito cair por terra ideais demonstrados em exposições como a de Paris (1889) na qual se pretendeu demonstrar a forte crença para o auxílio e benefício que a ajuda da(s) Máquina(s) traria(m) para o Humanidade.


Em breves linhas, a música e sonoplastia que irão envolver Metropolis para o ano 2000 estão directamente ligadas com os motes principais do filme: O Homem e a Máquina - sendo que para o Homem estará a leitura da música clássico-contemporânea e para a Máquina algum do actual (e futuro) estado da música (dita) electrónica.


Alex Fernandes


Participantes:

Alex Fernandes

Pedro Tudela

Pedro Almeida



Workshop Documentário de Televisão 1


De 18 a 22 de Setembro de 2000

Radiotelevisão Portuguesa – Estúdios do Monte da Virgem, Vila Nova de Gaia

Iniciativa no âmbito do protocolo assinado com a RTP


Conteúdo programático:


Tecnologia e linguagem da televisão.

Narrativa visual.

Como encontrar uma história.

Como contar uma história.

Como produzir uma história.

Filmagem e montagem.


Formador:

Paul Kriwaczek


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Paul Kriwaczek. Fonte: The Guardian

Workshop Documentário de Televisão 2


De 6 a 10 de Novembro de 2000

Escola Superior de Jornalismo do Porto

Iniciativa no âmbito do protocolo assinado com a ESJP – Escola Superior de Jornalismo do Porto


Conteúdo programático:


Tecnologia e linguagem da televisão.

Narrativa visual.

Como encontrar uma história.

Como contar uma história.

Como produzir.

Filmagem e montagem.


Formadores:


Hugh Purcell

Paul Kriwaczeck



Workshop Iniciação à Reportagem em Televisão


De 6 a 17 de Novembro de 2000

Universidade Fernando Pessoa do Porto

Iniciativa no âmbito do protocolo assinado com a UFP – Universidade Fernando Pessoa


Conteúdo Programático:


Conhecimento de Betacam (noções básicas sobre o seu funcionamento);

Técnicas de filmagem;

Linguagem das imagens e sons;

Iluminação;

Noções de filmagem e gravação do som na entrevista;

Preparação e construção da reportagem;

Trabalho colectivo na reportagem;

Montagem;

Misturas;

Comentário sobre as imagens;

Atelier de escrita;

A Entrevista.


Formador:


Stéphane Manier



Colóquio Tendências do Audiovisual Europeu

Políticas Sectoriais e Nichos de Mercado


Dia 6 e 7 de Dezembro de 2000

Faculdade de Engenharia do Porto

Organizado pela Fundação da Ciência e Desenvolvimento em colaboração com a Reitoria da Universidade do Porto, Faculdade de Engenharia do Porto e Odisseia nas Imagens.


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Texto de divulgação da iniciativa:



Tendências do Audiovisual Europeu


A Universidade do Porto inaugura no ano lectivo de 2000/2001 um novo curso de Jornalismo e Comunicação Social.


Na viragem do milénio, quando a cidade do Porto se prepara para ser Capital Europeia da Cultura, a aposta académica nestas áreas era tanto mais inadiável quanto é certo serem elas factores decisivos do desenvolvimento, num contexto em que o global requer o local e a comunicação-mundo impõe critérios cada vez mais exigentes ao nível da investigação e do discurso produzido pelos media.

Consciente da importância da criação do novo curso e da sua lógica de serviço público, a Fundação Ciência e Desenvolvimento, com o apoio da Câmara Municipal do Porto, da Reitoria da Universidade e da Odisseia nas Imagens – Sociedade Porto 2001, promove o Colóquio Tendências do Audiovisual Europeu – Políticas Sectoriais e Nichos de Mercado, através do qual se pretende lançar um debate, que será recorrente durante o ano de 2001 no âmbito da Programação Audiovisual da Capital Europeia da Cultura, com o objectivo de mobilizar jornalistas, criadores e outros agentes culturais para o apoio a produções audiovisuais de qualidade capazes de projectar positivamente a visibilidade da cidade e da região.


O Colóquio é articulado em três painéis:


-Ensino, Produção de Conteúdos e Nichos de Mercado;

-Os Festivais enquanto elementos de promoção do Audiovisual Europeu – impacto local e regional e formação de novos públicos;

-Jornalismo, Ensino e Vocações.


O primeiro painel pretende relevar a importância da produção de conteúdos, bem como o papel do serviço público de Televisão, no quadro das directivas e tendências do Audiovisual Europeu; o segundo perspectiva o papel dos Festivais na promoção das produções europeias quer no plano do trabalho de criação, quer no plano da actividade jornalística; o terceiro, delimita a esfera do jornalismo e procura identificar as motivações dos jovens que os levam a optar por esta área profissional, bem como a responsabilidade social daí decorrente.


Jorge Campos


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Margarita Ledo Andión. Fonte: La Voz de Galicia

Participantes por ordem alfabética:


Abi Feijó (Casa da Animação)

Alain Lebouc (Festival du Scoop et du Journalisme de Angers)

Alberto Arons de Carvalho (Secretário de Estado da Comunicação Social)

António Augusto de Sousa (Faculdade de Engenharia do Porto)

António Fragoso (Mostra Atlântica de Televisão – MAT)

António Gaio (Cinanima)

António Modesto (Faculdade de Belas Artes do Porto)

António Pedro Vasconcelos (Cineasta, especialista em assuntos do audiovisual europeu)

Carlos Carballo (TV Galiza)

Carlos Daniel (SIC)

Elíseo de Oliveira (Foco-RTP)

Eugénio dos Santos (Faculdade de Letras do Porto)

François Ballais (Coordenador dos Festivais Europeus de Cinema)

Georges Bollon (Festival Internacional de Curtas Metragens de Clermont Ferrand)

Giles Oakley (BBC)

Helder Bastos (Curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto)

Jorge Campos (Odisseia nas Imagens – Sociedade Porto 2001)

José Azevedo (Faculdade de Letras do Porto)

José Rebelo (ISCTE)

Luís Miguel Duarte (Faculdade de Letras do Porto)

Manuela de Melo (Sociedade Porto 2001)

Margarida Ledo Andíon (Universidade de Santiago de Compostela)

Mário Dorminsky (Fantasporto)

Marques dos Santos (Vice Reitor da Universidade do Porto)

Novais Barbosa (Reitor da Universidade do Porto)

Nuno Cardoso (Presidente da Câmara Municipal do Porto)

Nuno Rodrigues (Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde)

Paquete de Oliveira (ISCTE)

Pilar Gonzalez (Universidade de Santiago de Compostela)

Pimenta Alves (INESC – Porto)

Pina Cabral (Escola Superior de Belas Artes do Porto)

Raquel Matos-Cruz (Jornalista)

Rui Centeno (Faculdade de Letras do Porto)

Simon Evans (Sheffield Documentary Film Festival)

Victor Martins (Escola Superior de belas Artes do Porto)

Xosé Lopez (Universidade de Santiago de Compostela)



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António Pedro de Vasconcelos. Fonte: Semanário Sol

Estórias de Duas Cidades


(Encomendas da Odisseia nas Imagens)

25 a 28 de Janeiro de 2001

Festival Internacional de Cinema de Roterdão

Em Co-Produção com a RTP


1ª apresentação pública – Estreias Mundiais


As Curtas Metragens de Ficção representam uma parte significativa dos conteúdos simbólicos produzidos pelo audiovisual europeu, podendo contribuir para a formação de novos públicos e para o estabelecimento, a médio prazo, de uma produção regular a nível local e regional de acordo com as opções estratégicas feitas pelo Departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001. O jovem cinema português tem, aliás, alcançado notoriedade internacional neste domínio.


A série de curtas metragens “Estórias de Duas Cidades” é a primeira parte visível de um conjunto de onze produções cinematográficas que o Porto 2001 encomendou ou apoiou, em que a cidade do Porto é o ponto de partida para uma realidade imaginada, não só como espaço físico, mas também como um espaço de experiências e vivências pessoais.

São quatro curtas metragens de autores portugueses, associadas a duas de autores holandeses, que ilustram uma vontade presente desde o início do projecto de proporcionar olhares cruzados sobre as duas cidades Capitais Europeias da Cultura Porto – Roterdão 2001.


As “curtas” portuguesas,

Acordar, de Tiago Guedes e Frederico Serra

As Sereias, de Paulo Rocha

Canção Distante, de Pedro Serrazina

Corpo e Meio, de Sandro Aguilar,

foram, também, entendidas como uma forma de promoção da Capital Europeia da Cultura em função da sua presença em festivais de cinema.


Eis o seu percurso até Janeiro de 2002:


Exibições das 4 curtas metragens "Estórias de Duas Cidades":

Festival de Roterdão - 25 e 28 de Janeiro 2001

Fantasporto - 23 de Fevereiro 2001

Festival de Sta Maria da Feira - 12 Abril 2001


Exibições individuais:


"Acordar"


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Acordar (2001) de Tiago Guedes e Frederico Serra

Toronto Worldwide Short Film Festival (Canada) 6 a10/06/01

Message to Man Film Festival (Rússia) 15 a 22/06/01

Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde 3 a 8/07/01 (Prémio melhor jovem realizador)

Imago 2001 - Covilhã - 25 a 30/09/01

Rencontres Européenes du Court Metrage - Metz (França) 13 a 20/10/01

Uppsala Int. Short Film Festival (Suécia) 22 a 28/10/01

Festival du Film Court Villuerbanne (França) 10 a 26/11/01

Festival Internacional de Cine Independente de Ourense (Espanha) 3 a 9/11/01

Mostra 3 - Caldas da Rainha 7 e 8/12/01

ICA, The Mall, Londres (Reino Unido) 7 a 13/12/01

Clapham Picturehouse, Londres (Reino Unido) 20/01/02

Watershed, Bristol (Reino Unido) 7 a 27/01/02

Showroom Cinema, Sheffield (Reino Unido) 29/01/02

Panorama Português - Festival de Clermont – Ferrand (França) 1 a 9/02/02

Arts Picturehouse, Cambridge (Reino Unido) 24/02/02


"Corpo e Meio"



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Corpo e Meio (2001) de Sandro Aguilar

Fantasporto - 2001 (Prémio Melhor Curta Metragem Portuguesa)

Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde 3 a 8/07/01 (Prémio para melhor curta metragem Portuguesa; Prémio European Film Academy / UIP para melhor filme Europeu)

Split Festival of New Film (Croácia) 22 a 29/09/01

Murphy's 46th Cork Film Festival 7 a 14/10/01

Festival International Nouveau Cinema Nouveaux Médias, Montreal, (Canada) 11 a 21/10/01

Festival International du Film d'Amiens (França) 9 a 18 /11/01

Festival de Gijón (Espanha) 23 a 30/11/01

Flanders International. Film Festival – Ghent (Bélgica) 9 a 20/10/01

European Film Awards – Berlim (Alemanha) 30 /11 a 1/12/01

Mostra 3 - Caldas da Rainha 7 e 8/12/01

ICA, The Mall, Londres (Reino Unido) 7 a 13/12/01

Clapham Picturehouse, Londres (Reino Unido) 20/01/02

Watershed, Bristol (Reino Unido) 27/01/02

Showroom Cinema, Sheffield (Reino Unido) 29/01/02

Arts Picturehouse, Cambridge (Reino Unido) 24/02/01


"As Sereias"


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As Sereias (2001) de Paulo Rocha

New Portuguese Culture Festival 2001 - São Francisco (EUA) 25/08 a 04/11/01

Imago 2001 25 a 30 /09/01

Festival Ibero Americano de Montreal (Canadá) 13 a 18/11/01


Retrospectiva dos Estúdios Aardman


Casa da Animação

De 7 Janeiro a 18 de Fevereiro de 2001

Rivoli Teatro Municipal e Casa Tait


Esta retrospectiva deu a conhecer os filmes da Aardman em 5 programas distintos, curtas e longas metragens, bem como os meus métodos de trabalho através de uma exposição sobre animação em plasticina e de um workshop de animação em volumes. Realizaram-se diversas sessões Infantis destinadas às escolas do ensino básico e secundário.


Exposição dos Estúdios Aardman


De 7 a 26 de Janeiro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Foyer


Exibição de filmes

De 22 a 26 de Janeiro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Pequeno Auditório


Filmes Apresentados:


1. Os Primeiros Anos


The Amazing Adventures of Morph, de Peter Lord e David Sproxton (1980)

Sales Pitch, de Peter Lord e David Sproxton (1981)

Babylon, de Peter Lord e David Sproxton (1986)

Next, de Barry Purves (1989)

Ident, de Richard Goleszowski (1989)

Going Equipped, de Peter Lord e David Sproxton (1989)

War Story, de Peter Lord (1989)

Adam, de Peter Lord (1991)

Loves me ... Loves me not, de Jeff Newitt (1992)

Creature Comforts, de Nick Park (1989)


2. Filmes Recentes

Pib and Pog, de Peter Peake (1994)

Wat's Pig, de Peter Lord (1996)

Pop, de Sam Fell (1996)

Not without my handbag, de Boris Kossmehl (1993)

Owzat, de Mark Brierley (1997)

Stage Fright, de Steve Box (1997)

Al Dente, de Mark Brierley (1998)

Minotaur & Little Nerkin, de Nick Mackie (1999)

Colecção de Curtas Metragens, vários (2000)

Humdrum, de Peter Peake (1998)


3. Wallace & Gromit


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Estúdios Aardman. Wallace & Gromit

A Grand Day Out, de Nick Park (1989)

Glico 98, de L. Price e Da Riddett (1998)

The Wrong Trousers, de Nick Park (1993)

Glico Target, de Steve Box (1999)

A Close Shave, de Nick Park (1995)

Glico Space, de Steve Box (2000)


4. Longa Metragem


Chicken Run (A Fuga das Galinhas), de Peter Lord e Nick Park (2000)


5. Séries para Televisão e Internet


Rex the Runt - Easter Island, de Richard Goleszowski (1998)

Angry Kid - Captain Thunderpants, de Darren Walsh (1999)

Morph Files – Babysitting, de David Sproxton (1995)

Rex the Runt - Under the Duvet, de Richard Goleszowski (1998)

Angry Kid – Headlights, de Darren Walsh (1999)

Compilação de Filmes Publicitários - vários

Angry Kid – Swearing, de Darren Walsh (1999)

Morph Disco, de Steve Box (1999)

Rex the Runt - Stinky Basil, de Richard Goleszowski (1998)

Morph Files - The Birthday Party, de David Sproxton (1995)

Angry Kid - Sex Education, de Darren Walsh (1999)

Rex the Runt – Carbonara, de Richard Goleszowski (1998)

Morph Magic Door, de Pascual Perez (2000)

Angry Kid – Bone, de Darren Walsh (1999)


Participantes:

Kieran Argo

Chris Entwistle

Seamus Malone


Workshop de Animação em Volumes


De 14 a 18 de Fevereiro de 2001

Casa Tait


Este workshop de carácter prático e com a duração de 40 horas foi coordenado por Chris Entwistle e Seamus Malone (modelmaker e animador principal da longa metragem “A Fuga das Galinhas”).

Workshop O Primeiro Olhar


De 8 Janeiro a 5 Outubro 2001

Associação Os Filhos de Lumiére

6 acções de formação distribuídas ao longo do ano, dirigidas a jovens de 3 escalões etários: 9/12 anos; 13/15 anos e 16/18 anos


Seis cursos de quinze dias, destinados a um público-alvo em idade escolar, no âmbito dos quais os grupos (de dez elementos) realizaram curtas-metragens individuais e colectivas, após um módulo de iniciação à linguagem cinematográfica, numa perspectiva histórica e estética; o objectivo destas acções consistiu numa sensibilização dos olhares mais jovens para as grandes questões de forma e de sentido que a prática de cinema levanta.


Participantes:


Alexandra Afonso

Catarina Alves Costa

Francisco Veloso

Inês Raquel Carvalho

João Pinto Nogueira

Luís Botelho

Manuel Mozos

Nina Ramos

Olga Ramos

Olivier Blanc

Paulo Américo

Paulo Ares

Pedro Costa

Pedro Duarte

Pedro Marques

Regina Guimarães

Rui Coelho

Saguenail

Sandro Aguilar


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Manuel Mozos. Fonte: Associação Luzlinar

Workshop Filmar


De 29 Janeiro a 18 Maio de 2001

Associação Os Filhos de Lumiére

3 acções de formação distribuídas ao longo do ano


Foram três cursos de quinze dias destinados a um público alvo de jovens vocacionados para uma profissionalização na área do audiovisual, no decorrer dos quais foi promovida uma formação elementar no campo da gramática cinematográfica e fornecida alguma ferramenta crítica de modo a questionar positivamente preconceitos que existem sobre o cinema. Os cursos valorizaram a vertente experimental da aprendizagem através da realização individual e colectiva de filmes de curta duração.


Participantes:


Alexandra Afonso

Francisco Veloso

Inês Raquel Carvalho

João Pinto Nogueira

Luís Botelho

Manuel Mozos

Nina Ramos

Paulo Ares

Pedro Marques

Sandro Aguilar


Museu da Pessoa


Iniciativa no âmbito dos protocolos assinados com a Universidade do Minho, Museu da Pessoa de São Paulo e Universidade Popular do Porto


Projecto multimédia, o Museu da Pessoa é, fundamentalmente, um museu virtual que conta, na Internet, a história da cidade e dos lugares através dos testemunhos de anónimos. Tem, no entanto, outras dimensões, explorando com o mesmo objectivo suportes tradicionais, como o Livro e a Televisão. Resultante de uma parceria da Sociedade Porto 2001 com a Universidade do Minho e com o Museu da Pessoa de São Paulo, o Museu da Pessoa está disponível em HYPERLINK "http://museudapessoa.portugal.net/" http://museudapessoa.portugal.net. Formadores brasileiros e especialistas portugueses orientaram workshops com vista a preparar as equipas que trabalharam no terreno. Articulada com esta iniciativa foi dado seguimento ao projecto Memórias do Trabalho da responsabilidade da Universidade Popular do Porto.


Workshops Museu da Pessoa


de 17 a 21 de Janeiro

de 7 a 17 de Fevereiro

de 21 a 23 de Março de 2001

Universidade do Minho


Este programa visou preparar os formandos, de forma prática e conceptual, para a recolha de depoimentos de histórias de vida. O método envolve vivências e a transmissão de noções de memória oral. Durante a oficina os formandos realizaram as seguintes tarefas:


Planeamento e realização de depoimentos orais em suporte vídeo de habitantes da cidade do Porto;

Transcrição, processamento, edição e inserção em base de dados dos referidos depoimentos.


Participantes:

Karen Worcman

José Santos Matos

Luiz Egypto de Cerqueira

Rosali Nunes Henriques



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Karen Worcman. Fonte: Globo


Apresentação Pública do Museu da Pessoa


22 de Novembro de 2001

Estação de São Bento


Fantasporto


De 17 Fevereiro a 6 Março de 2001

Rivoli Teatro Municipal

Iniciativa no âmbito do protocolo assinado com o Fantasporto


Na sua 21ª Edição o Fantasporto apresentou uma selecção com opções estéticas e temáticas muito diversificadas consagrando uma programação de Filmes do Mundo. Assinala-se a ante estreia nacional dos filmes da série Estórias de Duas Cidades, bem como a ante estreia mundial do projecto da Fantasy Film Factory "Arachnid", de Jack Sholder e de "Faust", de Yuzna. "Shadow of a Vampire", de Elias Merhige e produzido por John Malkovich teve aqui a sua ante estreia nacional. Puderam ainda ser vistos alguns dos filmes ganhadores em Cannes, como "Amores Perros", de Alejandro Gonzalez Iñarritu e uma invulgar mostra de cinema neo-zelandês, na qual avultaramm "The Irrefutable Truth About Demons", de Glenn Standring e "The Price of Milk", de Harry Sinclair.



Texto publicado no catálogo do Fantasporto:



Fantasporto e Odisseia nas Imagens

Episódios de uma História com Pontes para o Futuro


Setembro de 1896


Na Rua de Santa Catarina, no Porto, um homem afadiga-se em torno de uma caixa de madeira envernizada apoiada num tripé em tudo idêntico ao utilizado pelos fotógrafos profissionais. Diante dele está a porta principal da Fábrica Confiança. À hora do almoço, operários – homens e mulheres – começam a sair. O homem imprime um movimento de rotação cadenciado, tão uniforme quanto possível, a uma manivela destacada do corpo da caixa.


Os transeuntes não o sabiam, mas estavam a assistir ao nascimento do Cinema Português.


Poderá não ter sido exactamente assim. Sustentam alguns que o filme foi manivelado por Magalhães Bastos, um familiar de Paz dos Reis. Mas os detalhes pouco importam. O que fica é o registo do momento a partir do qual o Porto iniciou o seu percurso de cidade de imagens em movimento. Feito de múltiplos episódios, esse percurso, por vezes atribulado, tem contribuído para sedimentar na memória colectiva o património de um passado comum fortemente identitário.


Desse património fazem igualmente parte a Invicta Filmes, a primeira experiência em Portugal de produção cinematográfica ao nível do que então se fazia de mais avançado em termos europeus, as experiência da Caldevilla Film ou da Fortuna Film, a publicação de algumas importantes revistas de cinema, a realização por Manoel de Oliveira de Douro, Faina Fluvial, marco do documentarismo português, e de Aniki-Bóbó, um clássico intemporal, os projectos de Neves Real e as suas salas de distribuição, como o Batalha, a militância cinéfila que se fez resistência política em torno do Cine-Clube do Porto e de figuras como Henrique Alves Costa.


Posto fim à ditadura, se a exibição cinematográfica pôde libertar-se das malhas da censura, a verdade é que, em parte devido à televisão e à mudança de hábitos que ela acarretou, em breve o público começou a desertar das salas. Numa altura em que se acentuavam sinais de depressão, dois episódios vieram marcar nova inflexão na História do Cinema do Porto e da sua área metropolitana. Um foi a criação do Cinanima, em Espinho, a partir do qual viriam a lançar-se as bases daquela que é hoje a mais importante produção cinematográfica do norte do País, o cinema de animação, ancorada em torno de produtoras como a Filmógrafo e a Alfândega Filmes. Outro foi o Fantasporto.


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Mário Dorminsky. Fonte: RTP

O Fantasporto tem um rosto: Mário Dorminsky. Pela sua mão e pela de Beatriz Pacheco Pereira, com o apoio de companheiros de sempre, como António Reis, o Fantasporto apresentou na sua primeira edição, em 1981, uma notável retrospectiva de clássicos de algum modo aparentados com o que então timidamente se designava por cinema fantástico. Alguns títulos: O Vento, de Sjostrom; O Testamento de Orfeu e A Bela e o Monstro, de Cocteau; A Atlântida, de Jacques Feyder; O Gabinete do dr. Caligari, de Robert Wiene; Metropolis, A Mulher na Lua e Dr. Mabuse de Fritz Lang; Nosferatu, de Murnau; O Feiticeiro de Oz, de Victor Flemming. Da selecção faziam ainda parte cineastas como Hitchcock, Vadim, Malle, Fellini, Tarkovsky, Bergman e Polanski, aos quais se juntavam Werner Herzog, De Palma, Peter Weir, Kaufman e Nicholas Roeg, bem como alguns dos filmes de culto da Hammer Films, entre os quais Dracula.


Por qualquer razão, apesar do fantástico aparecer claramente associado à imaginação e ao maravilhoso, numa linha que remonta a Méliès, e num contexto que nenhum cinéfilo desprezaria, a verdade é que o Fantasporto logo apareceu associado nas páginas dos jornais à ideia de sangue, vampirismo, terror e outras enormidades. Na verdade, o que havia era uma programação a pensar na captação de públicos, ora articulando a exibição de filmes recentes aguardados com expectativa com obras de referência da História do Cinema, ora dando a conhecer cinematografias menos conhecidas ou propondo uma releitura de filmes relativamente marginais, sem deixar de convocar os cineastas portugueses. Nessa edição o Fantasporto contou, entre outros, com filmes de António de Macedo, João César Monteiro, Sinde Filipe e Noémia Delgado. Pode concordar-se ou não com a estratégia prosseguida. Mas é tão indiscutível que o Fantasporto ousou novos caminhos, quanto é certo que contribuiu para o regresso do público às salas, sobretudo através da captação de muitos jovens obviamente cúmplices da aventura empreendida.


Fevereiro de 2001


Passados vinte e um anos sobre a data do nascimento do Fantasporto, agora uma instituição cultural prestigiada e consolidada, a conjuntura favorável da Capital Europeia da Cultura permitiu lançar um novo projecto denominado Odisseia nas Imagens, com o objectivo de potenciar sinergias existentes e de estabelecer uma rede de relações que repercuta positivamente no campo dos media em termos de Investigação, Produção, Distribuição e excelência de discurso. Apesar de um número significativo de iniciativas ter tido início durante o ano de 2000, de modo a consolidar parcerias, dar seguimento a encomendas, integrar projectos externos e criar novos públicos que hão-de permitir a existência de circuitos alternativos para modalidades discursivas à margem da distribuição comercial, não quis – nem podia ser de outro modo – o departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia da Sociedade Porto 2001 deixar de se associar de um modo muito particular ao Fantasporto. Desde logo, valorizando a sua Programação Oficial com a integração do Fantasporto. Depois, fazendo no Fantasporto a estreia nacional da série Tales of Two Cities, seis filmes que correspondem a outros tantos olhares cruzados sobre as cidades do Porto e Roterdão. Finalmente, associando o Fantasporto ao aparecimento daquele que será o novo festival de documentarismo e novos media, designado Odisseia nas Imagens, o qual culmina o trabalho desenvolvido ao longo de dois anos no âmbito do projecto com o mesmo nome.


A partir de 2001, o Porto e a sua área metropolitana assumem-se, assim, como uma plataforma fortemente internacionalizada para todas as modalidades discursivas audiovisuais e multimédia: O Cinanima para o cinema de animação, o Fantasporto para as longas metragens, o Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde para as curtas e a Odisseia nas Imagens para o documentarismo e os novos media.


Será essa uma forma de lançar pontes para o futuro, conferindo maior visibilidade e protagonismo à nossa Cidade das Imagens.


Jorge Campos


Gala de Abertura do Fantasporto


Sinfonia Fantástica de Berlioz

Orquestra Sinfónica do Porto, dirigida pelo Maestro Frederic Chaslan

17 Fevereiro de 2001

Coliseu do Porto

Em Colaboração com a Casa da Música



Sessão de Abertura do Fantasporto de 2001


23 Fevereiro de 2001

Rivoli Teatro Municipal – Grande Auditório

Exibição do Programa “Estórias de Duas Cidades”

(Estreias Nacionais)



Workshop da Montagem de Cinema ao Multimédia


De 12 Março a 9 Novembro de 2001

Associação Os Filhos de Lumiére


Quatro acções de formação distribuídas ao longo do ano


Foram feitos quatro cursos de uma semana destinados a um público maioritariamente jovem, interessado no conhecimento das novas tecnologias. Os cursos proporcionaram formação e informação sobre as novas ferramentas multimédia que se oferecem aos criadores, mas partindo de uma reflexão teórica sobre a história das imagens em movimento. Procurou-se, por outro lado, responder à curiosidade crescente que envolve essas matérias enquadrando as novas tecnologias num quadro de pesquisa que tem a linguagem do cinema como referência.


Formadores:

Jean-Claude Bonfanti

Alok Nandi


(Continua)




























 
 
 
  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 7 de fev. de 2021
  • 1 min de leitura

Atualizado: 6 de ago.


Edward Hopper - Nighthawks, 1942 (pormenor)
Edward Hopper - Nighthawks, 1942 (pormenor)

como um náufrago procuro os cristais da palavra, os seus lábios húmidos de dizer, as suas longas pernas de ventos e florestas, mas é tarde, e ao dobrar da esquina de uma rua oblíqua de mim mesmo descubro uma fuligem de chuva, um cheiro intenso a óleo queimado que alastra no fluxo nervoso da cidade anunciando a vertigem da solidão. para tanto bastará o medo soltar a alavanca da noite e deixar-me entregue à minha memória registadora de nomes e atrocidades. não, não sei nomear a cartografia do rosto ao espelho. o tempo presente passa implacável por entre as ruínas do tempo passado: como habitar este lugar se o estar aqui é apenas refúgio do insondável tempo futuro? sigo rumo às estações suspensas da respiração da pedra. vejo cachorros e guardas vindos do fundo da noite para apagar o sopro das estrelas, vejo exércitos no seu ritual sombrio de passada lenta e ouço o murmúrio de vozes aflitas na luz coagulada do silêncio. tropeça súbito um corpo interdito em clarão, no peito o impacto absurdo de uma flor fulminante. há uma silhueta em câmara lenta multiplicando, aflitas, as mãos. numa folha de papel levada pelo vento escrevo um rosto em seu rigor absoluto na fria caligrafia do chão.


Jorge Campos

fevereiro de 2012 (atualizado)


 
 
 
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Notas pessoais sobre acontecimentos históricos. Memória. Presente. Futuro.

Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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