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   viagem pelas imagens e palavras do      quotidiano

NDR

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 21 de out. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 1 de mai.


Phil Stern - James Dean, 1955
Phil Stern - James Dean, 1955

deixo o hotel de circunstância por uma porta lateral. azul é o céu onde por vezes pássaros de cores improváveis me levam em voo vertical ascendente. vou sem destino. o automóvel desliza pela manhã junto ao mar. no convés de um navio de vidro transparente, ao som de músicos em traje de rigor, atores de semblante grave conversam como se mudar de personagem fosse questão primordial e transcendente. acelero. a meu lado, jimmy dean, de cigarro no canto da boca, chapéu de cowboy descaído sobre os olhos e postura negligente, olha-me de soslaio. jimmy e eu partilhamos o silêncio dos interditos. pouco falamos. ele viaja na indiferença do labirinto do mito, eu na contingência do labirinto do ser. pela tarde dentro, de quando em vez, vislumbro pelo espelho retrovisor fragmentos de cenas afiadas como um bailado de navalhas de ponta e mola. é uma imagem recorrente, tal como a do navio, agora longe, navegando a lenta declinação das águas, lá onde sobra o fio da música do ocaso e a bruma processa a metamorfose da memória em esquecimento. os faróis varrem a noite, vertigem de um feixe de luz intenso, clarão de cometa errante. olho a estrada. mal consigo vê-la. penso na razão, ou falta dela, de algumas coisas me serem o que são nunca o sendo ou quase nunca. desprendido na insolência do seu destino fatal, jimmy dean esboça o enigma de um sorriso. travo a fundo. faz-se negro. acordo em sobressalto. temo o primeiro confronto com o espelho como se diante dele pudesse confirmar-se um estado febril ou, por excesso, o fio da lâmina do tempo. com a barba por fazer, o rosto em desalinho, deixo a água do chuveiro escorrer abundante pelo corpo. mergulho num longo plano sequência. não tarda voltarei a sair pela porta lateral de um hotel de circunstância.

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 17 de out. de 2020
  • 1 min de leitura

Atualizado: 1 de mai.


Maria Helena Vieira da Silva - A Liberdade, 1974
Maria Helena Vieira da Silva - A Liberdade, 1974

em abril

desfizemos a cama, abrimos os olhos

ao mundo em redor da casa,

despertamos o vento, inventamos

o sonho, abrimos as janelas

e dissemos coisas de bárbaros

e partimos na vertigem do asfalto rasgado

como se um raio de sol, súbito,

nos revelasse a palavra,

e fomos.



26 de abril de 1974

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 16 de out. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 1 de mai.


Jack Butler Yates - The Riverside (Long Ago), 1922
Jack Butler Yates - The Riverside (Long Ago), 1922


"Think you're escaping and run into yourself.

Longest way round is the shortest way home."


James Joyce (Ulysses) dublin, temple bar


enfrento os vagares do tempo nas ruas de dublin como se um anjo em nome dos aflitos me tivesse dito é tarde e de mãos nos bolsos se afastasse súbito numa poeira de estrelas deixando um rasto de cinza e bruma esparsa, talvez um sinal da luz esvaída do princípio da incerteza. anoitece cedo aqui no inverno da irlanda, não será por isso assim tão tarde, não sei. mas faz frio e levanto a gola do casaco, enrolo o cachecol à volta do rosto e nesse voo incerto dos meus braços cabe a memória imprevista de um rumor de palavras ciciadas, do fulgor bravio de marés antigas, do frémito dos pequenos peixes rápidos como as tuas mãos errantes sobre o lado vulnerável do meu corpo em arco na frágil lua do teu ventre. as luzes de dublin acendem arabescos furtivos nos espelhos da água e como pincéis de chuva intermitente desenham aguarelas imprecisas à passagem dos meus passos por estas ruas molhadas onde, numa delas, deslumbrado, por certo verei o clarão do temple bar na noite de estreia do messias de handel, 13 de Abril de 1742. tal como no cinema também tudo aqui é espaço e tempo, em campo ou fora dele, imagem e movimento. mas olha, ouve, eu apenas quisera adivinhar a direcção do vento para nela saber do rumo dos teus flancos desferindo golpes doces e violentos ou fazer-me pedreiro dos segredos da pedra para nela perpetuar a luz do sol do teu sorriso e assim, artífice de mim mesmo, dizer-te sou outro agora, no entanto, ainda o mesmo. já da noite se escapam os farrapos dos primeiros alvores do dia e em norht earl street vejo um outro apressado de mãos aflitas enterradas nos bolsos do casaco dobrando a esquina do tempo num rasto de cinza e melancolia sem saber que eu, tendo um joyce de pedra por companhia, dele ouço estas palavras que bem conheces:


toca-me. suaves olhos. suave, suave, suave mão.



Inverno de 2010

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C A T E G O R I A S

Ensaios, conferências, comunicações académicas, notas e artigos de opinião sobre Cultura. Sem preocupações cronológicas. Textos recentes  quando se justificar.

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Notas, textos de opinião e de reflexão sobre os media, designadamente o serviço público de televisão, publicados ao longo dos anos. Textos  de crítica da atualidade.

Notas pessoais sobre acontecimentos históricos. Memória. Presente. Futuro.

Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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     Criado por Isabel Campos 

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