A torre faz jus ao nome: é alta. À época, o edifício mais alto de Portugal, dizia-se. Tem seis andares e 75 metros de altura: uma maravilha de granito e mármore. É impossível imaginar o Porto sem o barroco da Torre dos Clérigos do italiano Nicolau Nasoni. Um belo dia – 28 de Outubro de 1917 – alguém se lembrou de fazer um filme publicitário e chamou os famosos acrobatas espanhóis, os Puertullanos, pai e filho, para escalarem a torre a pulso. Literalmente, de mãos nuas. Assim foi. Primeiro o filho. Galgou pilastras, cornijas e volutas e ao cabo de meia hora, perante o assombro da multidão, alcançou a esfera. Aí entrou em cena o pai. E lá foram os dois parede acima até ao cruzeiro de ferro no topo onde instalaram uma pequena mesa. Depois, tomaram chá, comeram bolachas petit beurre e lançaram das alturas milhares de papelotes promovendo os produtos da fábrica de moagens Invicta. O filme de Raul de Caldevilla – o autor e protagonista da história do nosso cinema no período que viria a ser conhecido por Ciclo do Porto – chama-se Um chá nas Nuvens. Portanto hoje escrevo sobre imagens. Gosto destes filmes de outros tempos feitos por gente de aqui. Mesmo se imperfeitos, como o são muitas vezes, nem por isso deixam de ser marcas do imaginário do Porto e documentos insubstituíveis para o conhecimento da cidade e da sua memória. Por isso, desagrada-me verificar que esse património – ou o que dele resta – nem sempre está acessível e disponível, até porque está em Lisboa na Cinemateca Portuguesa. Nada tenho contra Lisboa, muito menos contra a Cinemateca e conheço a complexidade da conservação e restauro de filmes. Sabendo da lamentável situação a que o país foi conduzido seria, aliás, imprudente duplicar recursos. Mas há coisas simples cuja exequibilidade depende mais da vontade de fazer do que de financiamentos avultados. Por exemplo, em princípio – digo em princípio porque sei dos melindres do meio – seria viável a transcrição para suporte digital dos filmes respeitantes ao património cinematográfico do Porto. As cópias passariam a fazer parte de uma base de dados sobre o cinema da cidade à qual as escolas, os investigadores e o público em geral pudessem aceder. Esse acervo de memória das imagens em movimento seria ampliado com a aquisição gradual de filmes feitos no Porto, sobre o Porto ou por gente do Porto, bem como com a produção escolar impulsionada sobretudo a partir da Capital Europeia da Cultura de 2001, a qual é quase confidencial em termos de visibilidade, mas que tem hoje expressão relevante e constitui um mosaico diferenciado de dar a ver a cidade e os seus protagonistas. Custa caro? Não. Boa parte do acervo poderá até ser gratuito uma vez que a generalidade dos criadores, não estando em causa a distribuição comercial, não terá problema em ceder cópias dos seus trabalhos. É útil? Muito, posto que permite disponibilizar imagens, narrativas e reflexões susceptíveis de induzir formas inovadoras de pensar a cidade. Também promove a auto-estima. E obviamente exige parcerias de modo a rentabilizar recursos e promover sinergias, por exemplo, com as Universidades, com as Escolas de Artes, com o Cineclube do Porto e com associações culturais. A autarquia poderia sem dificuldade coordenar uma iniciativa deste tipo. Eis, portanto, uma proposta razoável. De interesse estratégico, diga-se, posto caber no quadro de uma política cultural autárquica para as imagens, entendidas estas como elemento fulcral de uma modernidade que, passando pela memória identitária, permite reforçar a visibilidade local no plano global. Como tantas outras, também esta foi uma ideia avançada no fórum (re)inventar a cidade. Gosto do que lá tenho visto e ouvido: é assim, a falar com as pessoas, que ganha corpo um programa de candidatura coerente, adequado às circunstâncias e cujo objectivo é o de apresentar propostas para uma cidade melhor. Diluindo barreiras sociais. Promovendo a solidariedade. E recusando vender ilusões. A propósito, no filme de Raul de Caldevilla, a determinada altura, há uma imagem de uma multidão apinhada junto à Cadeia da Relação e no Jardim da Cordoaria. Na altura falou-se em 100 mil pessoas. É improvável. Mas sabe-se como estas coisas são. Ainda agora se disse terem estado 220 mil no circuito da Boavista organizado sob a égide do presidente da Câmara em vias de cessar funções após ter cumprido os três mandatos permitidos pela lei. Por mim, 100 mil ou 220 mil, está bem. Percebo a ideia: publicidade. Agora, o que eu não recomendaria, se me é permitido, é que candidato algum, por mais forte que julgue ser, se ponha a tentar ultrapassar o feito dos fantásticos Puertullanos.
(Texto publicado em 2013 por ocasião da campanha do BE "E se virássemos o Porto ao contrário")
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