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CULTURA

(re)inventar a cidade. Porto de imagens

  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 20 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 25 de set. de 2020


Fonte: @cinePT-Cinema Portuguesa

A torre faz jus ao nome: é alta. À época, o edifício mais alto de Portugal, dizia-se. Tem seis andares e 75 metros de altura: uma maravilha de granito e mármore. É impossível imaginar o Porto sem o barroco da Torre dos Clérigos do italiano Nicolau Nasoni. Um belo dia – 28 de Outubro de 1917 – alguém se lembrou de fazer um filme publicitário e chamou os famosos acrobatas espanhóis, os Puertullanos, pai e filho, para escalarem a torre a pulso. Literalmente, de mãos nuas. Assim foi. Primeiro o filho. Galgou pilastras, cornijas e volutas e ao cabo de meia hora, perante o assombro da multidão, alcançou a esfera. Aí entrou em cena o pai. E lá foram os dois parede acima até ao cruzeiro de ferro no topo onde instalaram uma pequena mesa. Depois, tomaram chá, comeram bolachas petit beurre e lançaram das alturas milhares de papelotes promovendo os produtos da fábrica de moagens Invicta. O filme de Raul de Caldevilla – o autor e protagonista da história do nosso cinema no período que viria a ser conhecido por Ciclo do Porto – chama-se Um chá nas Nuvens. Portanto hoje escrevo sobre imagens. Gosto destes filmes de outros tempos feitos por gente de aqui. Mesmo se imperfeitos, como o são muitas vezes, nem por isso deixam de ser marcas do imaginário do Porto e documentos insubstituíveis para o conhecimento da cidade e da sua memória. Por isso, desagrada-me verificar que esse património – ou o que dele resta – nem sempre está acessível e disponível, até porque está em Lisboa na Cinemateca Portuguesa. Nada tenho contra Lisboa, muito menos contra a Cinemateca e conheço a complexidade da conservação e restauro de filmes. Sabendo da lamentável situação a que o país foi conduzido seria, aliás, imprudente duplicar recursos. Mas há coisas simples cuja exequibilidade depende mais da vontade de fazer do que de financiamentos avultados. Por exemplo, em princípio – digo em princípio porque sei dos melindres do meio – seria viável a transcrição para suporte digital dos filmes respeitantes ao património cinematográfico do Porto. As cópias passariam a fazer parte de uma base de dados sobre o cinema da cidade à qual as escolas, os investigadores e o público em geral pudessem aceder. Esse acervo de memória das imagens em movimento seria ampliado com a aquisição gradual de filmes feitos no Porto, sobre o Porto ou por gente do Porto, bem como com a produção escolar impulsionada sobretudo a partir da Capital Europeia da Cultura de 2001, a qual é quase confidencial em termos de visibilidade, mas que tem hoje expressão relevante e constitui um mosaico diferenciado de dar a ver a cidade e os seus protagonistas. Custa caro? Não. Boa parte do acervo poderá até ser gratuito uma vez que a generalidade dos criadores, não estando em causa a distribuição comercial, não terá problema em ceder cópias dos seus trabalhos. É útil? Muito, posto que permite disponibilizar imagens, narrativas e reflexões susceptíveis de induzir formas inovadoras de pensar a cidade. Também promove a auto-estima. E obviamente exige parcerias de modo a rentabilizar recursos e promover sinergias, por exemplo, com as Universidades, com as Escolas de Artes, com o Cineclube do Porto e com associações culturais. A autarquia poderia sem dificuldade coordenar uma iniciativa deste tipo. Eis, portanto, uma proposta razoável. De interesse estratégico, diga-se, posto caber no quadro de uma política cultural autárquica para as imagens, entendidas estas como elemento fulcral de uma modernidade que, passando pela memória identitária, permite reforçar a visibilidade local no plano global. Como tantas outras, também esta foi uma ideia avançada no fórum (re)inventar a cidade. Gosto do que lá tenho visto e ouvido: é assim, a falar com as pessoas, que ganha corpo um programa de candidatura coerente, adequado às circunstâncias e cujo objectivo é o de apresentar propostas para uma cidade melhor. Diluindo barreiras sociais. Promovendo a solidariedade. E recusando vender ilusões. A propósito, no filme de Raul de Caldevilla, a determinada altura, há uma imagem de uma multidão apinhada junto à Cadeia da Relação e no Jardim da Cordoaria. Na altura falou-se em 100 mil pessoas. É improvável. Mas sabe-se como estas coisas são. Ainda agora se disse terem estado 220 mil no circuito da Boavista organizado sob a égide do presidente da Câmara em vias de cessar funções após ter cumprido os três mandatos permitidos pela lei. Por mim, 100 mil ou 220 mil, está bem. Percebo a ideia: publicidade. Agora, o que eu não recomendaria, se me é permitido, é que candidato algum, por mais forte que julgue ser, se ponha a tentar ultrapassar o feito dos fantásticos Puertullanos.


(Texto publicado em 2013 por ocasião da campanha do BE "E se virássemos o Porto ao contrário")

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Ensaios, conferências, comunicações académicas, notas e artigos de opinião sobre Cultura. Sem preocupações cronológicas. Textos recentes  quando se justificar.

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Notas, textos de opinião e de reflexão sobre os media, designadamente o serviço público de televisão, publicados ao longo dos anos. Textos  de crítica da atualidade.

Notas pessoais sobre acontecimentos históricos. Memória. Presente. Futuro.

Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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     Criado por Isabel Campos 

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