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CULTURA

  • Foto do escritorJorge Campos

(re)inventar a cidade - Porto: por uma prática salutar do dissenso

O progresso moral não pode dar-se desde que as almas só conheçam os preceitos do respeito e da obediência”. Sampaio Bruno



Interpelado por um jornalista a propósito das suas ligações ao BPN e sobre se elas não seriam prejudiciais à acção governativa, o novo ministro Rui Machete disse ser altura de pôr cobro à podridão dos hábitos políticos. Caramba, pensei eu, não posso estar mais de acordo. Em tese, claro. Porque, no contexto em que a peça subiu à cena, ou seja após a tomada de posse do governo remodelado, no Palácio de Belém, aquilo doeu como um sobressalto gratuito. Pelo menos, a mim doeu. E doeu porque o homem – de quem uma comentadora disse ser um “sage” e outra a “respeitabilidade dos cabelos brancos do PSD” – não estava só a pôr em causa a pertinência de uma pergunta de serviços mínimos que qualquer jornalista seria obrigado a fazer. Não, o homem reagiu como reagiu porque achou estranho uma pergunta daquelas ser feita a um membro da casta dos intocáveis do chamado arco da governabilidade, segundo a terminologia em voga, e, para mais um senador. Por acaso, do seu currículo, divulgado pelo governo, até tinham sumido os anos passados na SLN, a sociedade que tutelava o BPN. Mas isso era apenas um pormenor. No BPN, aliás, também só estão enterrados uns 8 mil milhões saídos do bolso dos contribuintes. Outro pormenor. Daí, evidentemente, a afronta da pergunta só poder ser explicada pela podridão dos hábitos políticos por parte, nomeadamente, de jornalistas que ainda fazem perguntas. Que desconforto, pensei eu. Como se não bastasse, a sucessão de cenas pouco abonatórias – demissões dos ministros Gaspar e Portas, encenação de um “compromisso de salvação nacional”, caso dos swaps, – ainda tinha de culminar com um apelo do primeiro-ministro a uma união nacional. Como? União Nacional? Outro sobressalto. Afinal, isto parece estar a ficar fora de controle, disse eu para com os meus botões. Na verdade, se a legitimidade dos actores políticos for medida por flagrante quebra do contrato com o eleitorado, medidas inconstitucionais, incumprimento de metas, omissão de responsabilidades, dizer uma coisa e fazer o seu contrário, em suma, publicitar como virtudes públicas os vícios privados que vão sendo varridos para debaixo do tapete, então Deus nos livre – expressão grata ao Presidente da República – do consenso proposto. Portanto, dadas as circunstâncias, ficou claro para mim ter chegado a hora, como dizia Sampaio Bruno, da prática salutar do dissenso. Dito de outro modo: pôr um travão à desordem. Até porque há indícios de sobra de um descontentamento transversal a toda a sociedade portuguesa. O insuspeito dr. Rio, por exemplo, acabou de atirar mais um torpedo ao barco à deriva do PSD. Disse ele que o dr. Menezes, seu correlegionário, fez pior a Vila Nova de Gaia do que o engenheiro Sócrates ao país. E não se ficou por aí. Eleger o dr. Menezes, dada a sua propensão para prometer tudo e mais alguma coisa, seria o equivalente a dar cabo de todo o bom trabalho que ele, dr. Rio, diz ter feito para deixar um Porto com boas contas. Como dizia o outro, eles que se entendam. Eu limito-me a anotar. E a dizer que o dissenso, ou seja a discordância, pode ter expressão formal já em Setembro quando os eleitores forem chamados a eleger os seus representantes autárquicos. Basta que digam não aos candidatos do governo, mesmo se despojados do símbolo partidário e momentaneamente convertidos à oposição. Entre eles – e não só – há, aliás, alguns de elegibilidade duvidosa, questão que, para benefício de todos, inclusivamente deles próprios, deve ser, a meu ver, esclarecida de uma vez por todas. Não sei qual será a decisão da candidatura que apoio no que toca à lei da limitação de mandatos, porque é disso que se trata. Também não sei o que tencionam fazer as outras candidaturas, embora me pareça que convivem bem com a ambiguidade. Eu não. Não gosto de consensos de deixar andar. São maus para a democracia. Sei o que pensa o BE nacional sobre esta matéria, e é muito claro. Mas, no Porto, de acordo com o que tem sido a forma processual seguida, a questão será debatida em assembleia. Por isso, quando chegar a altura, irei apresentar uma proposta no sentido de solicitar ao Tribunal Constitucional que se pronuncie sobre a situação do cabeça-de-lista da candidatura Porto Forte. Faço-o por uma questão de princípio. E por uma razão simples. Há um quadro constitucional e legal que é sistemática e, muitas vezes, impunemente violado. Ora, eu quero saber com o que posso contar. Todos temos o direito de saber com o que podemos contar. Apenas isso.


(Texto publicado em 2013 por ocasião da campanha do BE "E se virássemos o Porto ao contrário")

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