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  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 20 de set. de 2022
  • 11 min de leitura

Atualizado: 23 de set. de 2022

Uma retrospetiva brasileira e sul-americana em jeito de BD

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1 de janeiro de 2019


olha aí, aquele discurso me deram pra ler não entendi nada, só uma coisa. Deus acima de todos, entendeu? e meu nome é Messias, Jair Messias Bolsonaro. Deus me mandou. Messias, tá vendo? comigo acabou ideologia de género, acabou ditadura comunista, acabou bandido, acabou tudo. acabou corrupção, o Moro vai limpar, ele é pau duro, hein. ah e tem a família, veja como tou tratando minha família, meu motorista. tudo com educação, entendeu? além que vai ter arma pra gente matar bandido. e se não chegar, aí entra a tropa, tá vendo? Deus acima de todos, porra!


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as primeiras impressões não podiam ter sido melhores. para além da encenação pífia, do patético do desfile automóvel longe de tudo e do arrazoado do discurso, a tomada de posse teve outros momentos da mais arguta inteligência e do mais elevado sentido de estado. quanto à inteligência, um achado: os jornalistas, entre outros privilégios, tiveram de levar a sua própria comida para as longas horas de espera a que foram sujeitos e, para não restarem dúvidas, foram obrigados a morder as maças que levavam não fossem elas estarem envenenadas. o sentido de estado foi outro must, assim ao género de tudo ao molhe e fé em deus: sentados pelo chão, alvos da simpática hostilidade dos gorilas de serviço, os jornalistas lá foram mostrando o seu agrado tendo alguns deles, educadamente, abandonado o lugar. argúcia, sentido de estado e liberdade de imprensa parecem ser desde já atributos do governo de Bolsonaro.


6 de janeiro de 2019


a ministra escolhida por Bolsonaro para a nova pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos é uma pastora "terrivelmente religiosa" - palavras dela - de nome Damares Alves. alguns dos seus shows evangélicos estão disponíveis no youtube e é num deles que ela afirma ter visto Jesus ao pé de uma goiabeira. já empossada proclamou: as meninas vestem rosa, os meninos vestem azul. ontem entrou na loja de um shopping em Brasíla e o vendedor interpelou-a: então você está vestindo azul? a assessora de imprensa disse aos jornalistas ter-se a senhora sentido constrangida. um ou dois dias antes a pastora Damares fora entrevistada na Globo, uma rede de televisão altamente conservadora que é uma espécie de estado dentro do estado no Brasil. pois os jornalistas apareceram-lhe, eles de rosa, elas de azul. a senhora, furiosa militante anti LGBT, metendo os pés pelas mãos acabou a dizer que os gays até poderiam adoptar crianças e que o governo Bolsanaro não tocaria em nenhum direito adquirido. o ridículo mata. vertiginosamente.


16 de janeiro de 2019


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no limiar de uma nova revolução civilizacional.


7 de abril 2019


Lula foi preso há um ano. os contornos do seu julgamento e prisão são hoje claros. aquilo a que se assistiu foi a um processo de justiça selectiva, uma acusação sem provas, uma pena que seria desproporcionada mesmo se provas houvesse. o golpe foi de dentro e de fora, no quadro das novas políticas de aliança da Secretaria de Estado Americana com as oligarquias, não apenas do Brasil, mas de toda a região. Lula foi impedido de concorrer às eleições, que certamente ganharia, o seu impoluto carrasco juiz Moro transitou para o Ministério da Justiça de um presidente psicopata e o país mergulhou numa assustadora incerteza por trás da qual espreitam os canos das espingardas. até ao dia 10 haverá marchas em todo o Brasil pela libertação de Lula. também no estrangeiro. a libertação de Lula é um imperativo para os democratas nos quatro cantos do mundo.


23 abril 2019


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sobre o que a criatura diz, atenção. ao contrário do que possa parecer, ele não é superlativamente idiota. é, sim, um risco superlativamente perigoso para qualquer ideia de democracia por elementar que seja. mas o que ele diz tem uma vantagem: cai-lhe a máscara e põe a nu a monumental farsa em que está metido até ao tutano.


9 junho 2019


The Intercept, um dos mais importantes sítios de investigação do mundo, acaba de revelar ter tido acesso à troca de informações entre o juiz Moro e a acusação de Lula no sentido de incriminar o antigo presidente do Brasil e evitar a sua candidatura às eleições. nada que me surpreenda. aliás, só mesmo jornalismo e comentário de aviário poderiam ter acreditado que o processo de Lula era normalíssimo, a justiça a funcionar no Brasil. os dados já divulgados estão a correr mundo. pelos vistos há bastante mais. mais logo espero que as nossas televisões me digam alguma coisa sobre o assunto.


24 de Maio de 2019

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no domingo os europeus vão às urnas. no mesmo dia em que terá lugar a marcha mais bizarra alguma vez organizada: Bolsonaro e a sua tropa de choque preparam manifestações em todo o Brasil contra o estado brasileiro. ou seja, uma espécie de auto-golpe. o quê?!!! bom, o homem acha que o brasil é ingovernável. vai daí, nada como fechar o congresso, o Supremo Tribunal federal e convocar a população para ocupar Brasília. claro que o clã familiar, na verdade um grupo de gangsters, está em apuros. não fosse o juiz Moro o traste que é e a coisa já tinha descambado. Bolso, entretanto, deve ter apanhado um puxão de orelhas e disse que não estaria naquela a que no Brasil já se chama "a marcha da loucura". mas os seus prosélitos continuam activos nas redes sociais. e um dos maiores vigaristas à superfície do planeta, o bispo Macedo, veio dizer que se o povo não sustentar o “escolhido por Deus”, “a queda do Brasil será terrível”. Janaina Paschoal, a maluquinha que andou a reunir provas nunca encontradas para incriminar Lula da Silva, também chegou à conclusão de que Bolso afinal é um psicopata. ela, que é do mesmo partido, lá saberá. pela parte que me toca, quando for votar no dia 26, lembrar-me-ei que há em Portugal quem considere o delinquente auto-golpista um tipo normal.


15 de junho de 2019


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há algum tempo, não tanto assim, mas há algum tempo, andava eu pelas praias de Santos (São Paulo) e fazia questão de estar atento à saída da revista Veja. não havia número que não constituísse um libelo acusatório contra Lula da Silva, então ainda em liberdade. o famoso lava-jato estava no momento alto e a Veja fazia aquele tipo de "investigação" que consiste em amplificar o que lhe faziam chegar em embrulho. nunca na minha vida vi perseguição mediática tão feroz. enquanto jornalista, para mim, tudo aquilo era mais do que suspeito. mas a paranóia contra o PT - a meu ver também responsável por muitas asneiras - era de tal ordem que o pagode exigia sangue. os media corporativos mergulharam de cabeça no justicialismo. os idiotas úteis congratularam-se com o facto de "a justiça estar a funcionar". a ironia está toda nesta capa. a justiça brasileira feita num caco. o Moro, simplesmente um bandido. e, até a famigerada Veja, obrigada a ver.


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este homem é um delinquente. nos últimos dias voltou a não deixar dúvidas quanto à pulsão criminosa que o move. a propósito do assassínio de um líder indígena na amazónia acusou as ONG's de quererem lucrar com as suas riquezas e comparou as populações com um jardim zoológico. sobre a morte do pai do actual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, às mãos da ditadura militar, disse que "um dia eu conto para ele o que aconteceu". Bolsonaro é um monstro. se sabe como os militares matavam os seus opositores tinha a obrigação de pôr tudo em pratos limpos. se considera os índios brasileiros animais de jardim zoológico atenta contra os mais elementares direitos humanos. Bolsonaro tem de ser travado. é uma obrigação não só dos brasileiros mas também da comunidade internacional. ele é uma ameaça para a humanidade. se, porventura, alguém em portugal tiver a infeliz ideia de o convidar a visitar o país será conivente com a barbárie fascista. e terá de arcar com as consequências.


13 de agosto 2019


as eleições na Argentina são só em outubro. mas o resultado das primárias lançou o pânico nas hostes de bolsonaro. Alberto Fernández, que tem Cristina Kirchner como vice, obteve 47,66% dos votos, e o actual presidente Macri 32,08%. Macri, um ultra liberal direitista, herdou uma Argentina em crise e lançou-a no caos. caso venha a verificar-se, a sua derrota constituirá um poderoso travão à deriva fascizante que assola a América latina impulsionada por Trump. a lição latino americana tem uma leitura inequívoca: para os bolsos ou se é Bolsonaro ou se é comunista e contra os comunistas vale tudo porque eles são culpados. de quê? de tudo. inventaram as alterações climáticas, destruíram a família, prezam os pobres, não reconhecem mestrados atribuídos por Deus, acham que os índios são seres humanos e, sobretudo, põem em causa a usurpação da riqueza em nome da bondade e infalibilidade dos mercados. daí a vigorosa investida do mito por Macri. oxalá o Macri tenha os dias contados e o mito se resolva em pó, a forma mais benigna de lidar com ele.


7 de Setembro de 2019


Bolsonaro elogia tortura e morte do pai de Bachelet por Pinochet


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estamos nisto. o alarve não tem noção. é inimputável. até os aliados dos governos mais à direita da América do Sul ficaram de cabelos em pé. a minha dúvida é se amanhã, quando chegar à Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, o deixam falar. Bolso não é um problema do Brasil. é um problema de manicómio e um problema de todos. se os brasileiros não o internam, então que seja declarado persona non grata.


8 de Setembro de 2019


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quem julga que o Bolso é um analfabeto político, desengane-se. ele é um filósofo erudito da escola de Olao de Carvalho. o Olavo é um génio. para quem não saiba, ele defende que a terra é plana e está agora a fazer uma investigação cujas conclusões ameaçam revolucionar o panorama da música pop. segundo diz os Beatles nada sabiam de música, mal sabiam tocar guitarra e as letras de John, George, Paul e Ringo foram afinal escritas por... Theodor Adorno! sim, esse mesmo, o da Escola de Frankfurt! o homem é o guru do Bolso, o mesmo que veio denunciar os horrores do "marxismo cultural". bate tudo certo. mas se quiserem pasmar mesmo perante a intensa luz libertada pela inteligência cósmica do olavo, vejam o vídeo que está no final da notícia. e entrem em órbita sem ácido.


21 de Outubro de 2019

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o que é que leva o presidente Piñera a recuperar uma coreografia sinistra do tempo de Pinochet e declarar que o país está em guerra? não era ele que ainda há pouco dizia que o Chile era um oásis na América Latina? bem, pelos vistos o oásis era uma miragem. cedo ou tarde a folia neoliberal das privatizações e do desinvestimento nos serviços públicos teria de produzir efeitos. numa folha de excel a economia chilena até nem está mal. as pessoas é que estão. a esmagadora maioria dos salários e pensões acaba a meio do mês. e quando assim é, por maior que seja a paciência, a bolha rebenta.


21 de Outubro de 2019


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a tv diz-me que Evo Morales vence na bolívia mas vai ter de enfrentar uma segunda volta. fico a saber que a imagem dele está muito desgastada devido à corrupção. aliás, ainda antes do acto eleitoral, o principal opositor, o neoliberal Carlos Mesa, anunciava uma fraude. pois... as burguesias latino-americanas não suportam líderes como Morales. primeiro, ele é indígena, o que representa uma afronta à mentalidade colonial da direita. segundo, a Bolívia quadruplicou o PIB desde 2006 e mantém uma média de crescimento superior a 4,5%. é o país que mais cresce na América do Sul. reduziu a pobreza extrema de 38,2% para 15,2%. a taxa de desemprego é de 4%. a idade da reforma é 58 anos. levou a cabo uma política de nacionalizações do petróleo e gás natural, aliás muito moderada, que lhe permite manter posições num sector estratégico. a iniciativa privada, ao contrário do propalado, é pujante. tudo isto é insuportável. sem surpresa, Bolsonaro, bem como todos os governos reaccionários do Sul da América apoiam Carlos Mesa. a imprensa "livre" por eles controlada anda há anos a demonizar o "ditador". caso haja segunda volta, vamos ver como lhes corre. espero que mal.


30 de Outubro de 2019

o jornal nacional da Globo lançou a bomba, Bolsonaro perdeu as estribeiras e o Brasil entrou em modo de pausa. sumariamente, a Globo apresentou um exclusivo no qual o nome do presidente aparece ligado ao assassínio de Marielle Franco. quando um tipo defende a ditadura, homenageia torturadores, convive com milícias, exorciza a diferença, odeia os pobres, promove a disseminação de armas e manifesta um absoluto desprezo por tudo quando não se identifique com a sua ínfima bolha de pensamento, nada surpreende. para mais quando o seu gangue está já em adiantada fase de desagregação, com deserções dos pares, troca de insultos e facadas nas costas. ontem, logo a seguir ao jornal nacional da Globo, Witzel, ex-aliado e governador do rio de janeiro que gosta de assistir de helicóptero ao massacre nas favelas, exultou com a notícia. Bolso vai agora recorrer ao juiz moro. pode ser que a dupla tenha um destino comum. para já, isto é um rombo no porta-aviões.


31 de Outubro de 2019

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olha aí, todo o mundo está xingando meu pai. não dá, né. ele foi eleito, tá vendo? e ele até que é militar. você lembra AI-5? esse mesmo, o Acto Institucional 5. encerrou Congresso, puxou censura, encheu prisão, matou comunista. e aí só deu progresso pró Brasil. por isso, eu digo. se continua xingando meu pai, a gente vai buscar o AI-5. a gente põe ditadura para respeitar democracia, entendeu?


13 de Outubro de 2019

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indo direto ao assunto. quem manda no equador é o FMI. Lenín Moreno, o presidente que pôs o país a ferro e fogo, está a desmantelar o estado social, criou artificialmente uma crise e procura impor a contra-relógio políticas neoliberais para reinstalar o domínio da velha oligarquia. traiu tudo e todos. rompeu com a constituição. entregou Julian Assange. calou vozes incómodas nos media, de resto largamente tutelados pelos privados de sempre que agora reivindicam o exclusivo da liberdade de informação. a relação do poder com as populações indígenas nunca foram pacíficas no equador. mas, agora, o desencontro culmina no estado de sítio. e no meio do caos e à beira da bancarrota, moreno proclama o FMI como salvador. um bandido


8 de novembro de 2019


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Lula faz a mala para sair da prisão. é a foto do dia. a decisão do Supremo não corresponde só à reposição da constitucionalidade. também é reflexo da onda generalizada de indignação que foi crescendo na razão directa da evidência da boçalidade do Bolso, do seu capanga Moro e dos apaniguados da extrema-direita nostálgicos da ditadura. hoje, à excepção da elite pós-colonial brasileira e dos fascistas que vão pululando por esse mundo fora, toda a gente sabe quem são os bandidos desta história. mas Lula que se cuide. eles matam.


13 de novembro de 2019


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a autoproclamada presidente da Bolívia Jeanine Áñez, antiga apresentadora de televisão, é uma rapariga despachada. entrou no palácio presidencial de Bíblia na mão coadjuvada por uma santa armada de um crucifxo e logo tratou de tuitar esconjurando os índios ímpios e mal cheirosos. o apoio dela está parcialmente na foto. um bando de militares golpistas acolitado por polícias que andam mascarados pelas ruas a aterrorizar as pessoas. a outra parte do apoio vem da elite branca e evangélica de Santa Cruz que se rege por padrões coloniais e tem por chefe um fascista de nome Camacho, apropriadamente conhecido por El Macho. a autoproclamada é apresentada pelos media corporativos como senadora de centro direita. diz ela que vai convocar eleições. se não fosse trágico, a farsa só mereceria uma gargalhada. na verdade, a malta do golpe não só não quer que a esquerda, majoritária, se candidate como, também, não quer o candidato derrotado Mesa na corrida. quer, sim, El Macho a quem já chama o "presidente moral". Trump está a adorar. e Bolsonaro nem se fala.


20 de Dezembro de 2019


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chuva de pérolas: “Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual”.


24 de dezembro de 2019


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observadas as tréguas natalícias é altura de começar a nomear os facínoras do ano 2019. o Bolso é um forte candidato ao pódio. num país recordista da morte de gente pobre por agentes das várias polícias, onde há um governador do Rio de Janeiro que gosta de assistir a massacres nas favelas a bordo de um helicóptero, o Bolso aproveitou a quadra para indultar os policiais condenados por negligência, um eufemismo que vale por dizer matem à vontade. também disse que fosse ele a fazer a investigação e o assassínio de Marielle Franco há muito estaria resolvido. disso não tenho qualquer dúvida. o caso estaria encerrado e nem seria necessário mais um indulto. uma outra notícia dá conta de uma queda de Bolsonaro no palácio da alvorada, em Brasília. terá batido com a cabeça no chão na casa de banho. nós, por cá, temos boas recordações de uma queda. talvez fosse de facultar ao ditador brasileiro a cadeira apropriada.


29 de Dezembro de 2019

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o acontecimento do ano - tratado pelos media sistémicos como um incómodo passageiro - é o levantamento popular contra o neoliberalismo no Chile. a receita dos Chicago Boys, transitada do regime fascista de Pinochet e plasmada na constituição ainda em vigor, estourou. é o que dá gerir um país como uma empresa. o reverso do tal milagre económico de contas maravilhosas em folhas de excel resulta, afinal, na criação de pobreza. privatizar tudo - saúde, ensino, pensões, energia, água - e substituir o serviço público pela lógica da distribuição de dividendos a accionistas é fazer pouco das pessoas. elas perceberam. apesar de uma repressão brutal, estão na rua há dois meses. não confiam em espúrios acordos de bastidores. fazem bem.


Continua

 
 
 

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Ao contrário do que por vezes se pensa os debates televisivos não são decisivos quanto à opção de voto. Mas são importantes. Vejamos aquilo que é consensual. A maioria dos eleitores faz a sua escolha ao longo de um período dilatado de tempo durante o qual interioriza preferências. As escolhas são, pois, fruto de um conjunto de circunstâncias relacionado com a a circunstância particular de cada um. Isto é de ciência certa. Remete para os fenómenos da exposição e percepção seletivas. É por essa razão que não hesitamos, na maioria dos casos, em atribuir a vitória num frente a frente ao candidato da nossa simpatia. Marcelo leva aí larga vantagem. Fez um mandato equilibrado. Tem enorme popularidade. Anda todos os dias, há anos, em campanha. Em suma, é praticamente imbatível. Dito isto, há outras questões. De todas, a mais importante será a relação de forças que irá resultar do plebiscito do dia 24. Aí é razoável admitir ter sido o candidato da extrema-direita o principal beneficiário da exposição mediática, dos tais debates onde não debateu nada, limitando-se a vociferar insultos e barbaridades. Era o que alguns queriam ouvir. Resta saber quantos. E porquê.


A campanha eleitoral realiza-se numa conjuntura atípica. Face a uma pandemia de consequências imprevisíveis, boa parte da população, duramente atingida no seu dia a dia, quer, acima de tudo, um garante de segurança. Dispensa aventuras. Todavia, olhando aos sinais, é evidente haver quem não descarte a possibilidade de tirar partido da situação. Desde logo entre abstencionistas crónicos, mas sobretudo no eleitorado da direita. Uns e outros alimentam o ressentimento contra o Presidente da República por não ter sido o Sebastião saído das brumas da memória para enfrentar a geringonça. Mais do que um combate democrático pretendem um ajuste contas em família. Patologicamente nostálgicos de um passado mítico ou simplesmente receosos da perda de privilégios acumulados ao longo de décadas exploram o descontentamento de quantos têm motivos, por vezes, com razão, para se queixar. Daí o ensaio de discursos ora centrados na fantasia e no absurdo, caso do candidato da Iniciativa Liberal, ora na irracionalidade do ódio e das mitologias fascistas, caso do candidato da extrema-direita racista e xenófoba.


A comunicação social tem sido generosa com ambos. Que me lembre, só por uma vez as televisões fizerem o escrutínio em profundidade do partido do ex-candidato do PSD à Câmara de Loures. Foi na SIC num trabalho do jornalista Pedro Coelho intitulado “A Grande Ilusão: o ódio saiu do armário”. Quem estiver interessado em saber o que aquilo é, pois que vá ver. Que passe pela cabeça de alguém votar naquilo, mesmo tratando-se de um voto de protesto, é capaz de ser motivo para ajuda especializada. Quanto ao candidato Mayan, obviamente, nada tem a ver com o fascismo. É fundador de um partido da direita democrática, é um democrata. No entanto, por muito que alguns comentadores queiram apontá-lo como uma surpresa, tem uma paleta de argumentos reduzida a quase nada, é frágil na exposição e repete as mesmas coisas até à exaustão na observância de práticas elementares de marketing político. Basicamente, defende o modelo económico da Escola de Chicago, cujos principais teóricos foram Hayec e Friedman. O modelo, como se sabe, foi testado no Chile de Pinochet, depois exportado como solução salvífica tendo como embaixadores Reagan e Thatcher, chegou a parecer triunfante após a queda do muro de Berlim, mas ruiu com estrondo na crise financeira de 2008. Não houve nenhum fim da história como se chegou a anunciar. Mayan, uma pessoa séria que acredita no que diz, porventura ingénua, foi buscar esse neoliberalismo puro e duro ao congelador e meteu-o no micro-ondas. Serve-o agora em versão do tipo receita para curar todas as maleitas. Ou seja, privatiza-se tudo que o mercado resolve.


Quanto valem esta direita e extrema-direita consequentes do esvaimento do PSD e do CDS, bem como das dores de uma franja de descontentes radicalizados, habitualmente abstencionistas, não sabemos. Mas temos indicações. As audiências dos debates televisivos e as sondagens que vão saindo, valendo o que valem, não auguram nada de bom. A juntar a isto, o acordo dos Açores criou a expectativa de poder ser replicado no plano nacional multiplicando as hipóteses de futuras equações de governo. Ouvindo os principais comentadores da direita, os únicos, aliás, que opinam semanalmente nas televisões em sinal aberto, fica patente a importância do terreno onde se disputa a hegemonia simbólica. A construção da realidade começa no campo mediático, sabem-no bem. Por isso, ensaiam já a possibilidade de uma alternativa política. Dispondo do espaço de que dispõem, aproveitam-no. Mas também fica clara a sua tolerância face à extrema-direita, pelos vistos considerada um mal menor, o que é um erro grosseiro.


A esquerda, por seu turno, partiu para estas eleições com a certeza de voltar a encontrar-se com o atual e futuro Presidente. Parte dela, de resto, deu-lhe o seu apoio. A restante optou por não apresentar um candidato único e, a meu ver, fez bem. Não estando em causa o vencedor - sejamos realistas, só algo de totalmente imprevisível poderia evitar o inevitável - é preferível uma pluralidade de vozes a colocar diferentes pontos de vista do que uma espécie de candidato frentista a correr para ficar em segundo lugar. Por maior que fosse o consenso, estaria sempre duplamente condicionado pela quase impossibilidade de ganhar e pelos compromissos assumidos entre os parceiros. Fossem outras as circunstâncias, um candidato único faria todo o sentido. Nestas, não. Para mais, como os debates confirmaram, os três candidatos de esquerda estão a anos-luz dos outros - à exceção de Marcelo - no que respeita a competência, preparação e experiência. Dir-se-á haver o risco do candidato fascista ultrapassar um ou outro. É verdade. Mas colocar essa questão no centro das preocupações era o melhor favor que se lhe poderia fazer. Assim, há três candidatos em campanha, todos eles bons, com os olhos postos no futuro. A Juventude Socialista percebeu isso quando apelou ao voto em qualquer um dos deles.

Marcelo está à vontade. Demonstrou-o na RTP no debate entre todos os candidatos. Adotando a pose presidencial falou para todos os portugueses. Saiu-se bem. O apoio do PS, PSD e de uma faixa significativa de eleitores sem partido garante-lhe vantagem substancial. Mas o que será o segundo mandato de Marcelo já não é bem uma incógnita. Ele tem dito amiúde ser necessária uma alternativa de direita forte. Ao viabilizar a solução açoreana deu um sinal negativo. Sou da mesma idade de Marcelo, conheço bem o seu percurso. Respeito-o. Mas, enquanto eleitor de esquerda, só votaria nele numa única circunstância. Felizmente, a questão não se coloca. Certo é, durante os próximos cinco anos, esquerda e direita terem de conviver com ele. Resta saber em que condições. Eu não o quero com uma votação expressiva ao ponto de se sentir tentado a dar corda à tal alternativa de direita forte. Só isso.


2021/01/13

 
 
 
  • Foto do escritor: Jorge Campos
    Jorge Campos
  • 2 de jan. de 2021
  • 3 min de leitura

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Foto: Portugal Digital

Há quatro candidatos em quem eu, em princípio, poderia votar. São eles Marcelo, Marisa, Ana Gomes e João Ferreira. Vou falar do primeiro, cujo percurso político é o mais longo, com raízes que vão até às brumas do Estado Novo, e cujo futuro se adivinha. Apesar de estar fora do quadro de referências ideológicas com o qual me identifico, Marcelo fez um mandato equilibrado. Conviveu bem com um governo apoiado pela esquerda parlamentar, contornou incómodos com uma exposição mediática permanente, desviando atenções, tirou vantagem de um agudo sentido de comunicação, tratou de promover uma onda de afetos sem precedentes, em suma, é difícil não gostar dele. Eu gosto. Dentro da televisão, sem opositor, é imbatível. Com opositor, é problemático. Fora dela, volta e meia, disfunciona.


Tive ocasião de o acompanhar em duas viagens de estado ao estrangeiro, uma ao Brasil, outra a Andorra. Só posso elogiar a sua conduta. Tanto no trato pessoal, quando no plano institucional. E, já agora, também o seu sentido de humor, por sinal, nunca inocente. Em Andorra, deu a volta à mesa onde decorreu o jantar de boas vindas à delegação presidencial apresentando, um a um, os deputados portugueses a quem se encontrava a seu lado. Coube-me ficar junto da ministra da Cultura. Vem o Presidente e graceja em francês: este senhor é deputado do Bloco, um partido da extrema-esquerda onde mandam as mulheres, aliás, ele deve ser dos poucos homens que restam. A ministra não percebeu a piada. Eu não contive uma gargalhada. Marcelo é mesmo assim.


Invulgarmente inteligente, por vezes, algo mefistofélico, mas sempre simpático, também precisa do frenesim para viver. Adapta-se bem. Antes da Revolução foi protegido do Marcelo a quem deve o nome, o Caetano, depois situou-se na esquerda da direita do regime, sempre a conspirar, designadamente no movimento estudantil anti-marxista. Foi fura-greves. Após a Revolução ajudou à fundação do PPD, defendeu um socialismo que nunca se soube bem o que era, tratou de inventar factos políticos no Expresso, juntou-se a uma tendência chamada Nova Esperança - onde teve por companhia Santana Lopes, José Miguel Júdice e Durão Barroso - para exorcizar a social democracia de uma vez por todas, criou um jornal conservador chamado Semanário, andou a dar aulas na Faculdade de Direito, onde, de resto, tinha sido um aluno brilhante, e, mais tarde, em 1996, chegou à liderança para, entre outras medidas, tirar o partido da família liberal europeia, aderindo ao PPE, e avançar com propostas de privatização, designadamente da Caixa Geral de Depósitos, da RTP e da RDP.


A pecar, a lista peca por defeito, não por excesso. Com efeito, pelo meio poder-se-iam ter citado inúmeras peripécias como a da célebre tentativa fracassada de travessia a nado do Tejo durante a campanha autárquica para Lisboa, uma eleição em que foi literalmente destroçado no debate televisivo por um opositor muito melhor preparado do que ele, Jorge Sampaio. Dito isto, nunca deixei de considerar Marcelo Rebelo de Sousa um democrata. Mais, admiro a sua capacidade de se reinventar. Sempre com um objetivo, atingido há cinco anos após a interminável maratona de comentário político que fez dele a pessoa mais conhecida de Portugal, a Presidência.


Reitero, de um modo geral, esteve bem. Mas não deixou de ser um homem da direita. As suas opções ficaram claras em relação a aspetos essenciais como a inclinação para os privados na Lei de Bases da Saúde, como na desatenção quanto às relações laborais, designadamente, quanto à precariedade, como no visível incómodo causado pelas sucessivas tropelias do sistema financeiro. São questões de fundo, de projeto político, de modelo de sociedade. Marcelo sabe-o. Talvez por isso, num piscar de olho ao eleitorado da esquerda, tenha sentido a necessidade de, no anúncio da sua recandidatura, se declarar social-democrata.


Dada a volatilidade do seu pensamento político - quando muito poder-se-ia reconhecer-lhe fidelidade à matriz social-cristã da igreja católica - a declaração não surpreende. Marcelo tem a reeleição garantida, mas precisa de uma vitória esmagadora, impensável sem uma parte significativa dos votos dos eleitores dos partidos da geringonça. Se a obtiver fica legitimado para um segundo mandato mais irrequieto, permitindo-lhe, porventura, criar condições para a alternativa à direita da qual tanto fala e manifestamente sente a falta.


De modo que a possibilidade de votar nele, pela minha parte, fica descartada. Por uma questão de projeto, por inerência, de prudência, mantendo embora a avaliação feita e, obviamente, a simpatia de sempre.


Jorge Campos

2 de janeiro de 2021

 
 
 
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Textos avulsos de teor literário nunca publicados. Recuperados de arquivos há muito esquecidos. Nunca houve intenção de os dar à estampa e, o mais das vezes, são o reflexo de estados de espírito, cumplicidades ou desafios que por diversas vias me foram feitos.

Imagens do Real Imaginado (IRI) do Instituto Politécnico do Porto foi o ponto de partida para o primeiro Mestrado em Fotografia e Cinema Documental criado em Portugal. Teve início em 2006. A temática foi O Mundo. Inspirado no exemplo da Odisseia nas Imagens do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura estabeleceu numerosas parcerias, designadamente com os departamentos culturais das embaixadas francesa e alemã, festivais e diversas universidades estrangeiras. Fiz o IRI durante 10 anos contando sempre com a colaboração de excelentes colegas. Neste segmento da Programação cabe outro tipo de iniciativas, referências aos meus filmes, conferências e outras participações. Sem preocupações cronológicas. A Odisseia na Imagens, pela sua dimensão, tem uma caixa autónoma.

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